30 de outubro de 2019

Opinião – “Luz da Minha Vida” de Casey Affleck


Sinopse

Num cenário distópico, após uma pandemia que matou quase todas as mulheres do mundo, pai e filha sobrevivem como podem em cidades americanas do Centro-Oeste enquanto procuram alimento na floresta, longe do perigo dos homens.
Proteger Rag, de 11 anos, (Anna Pniowsky) é a principal preocupação do seu pai (Casey Affleck), que lhe ensina também ética e história, memória e moralidade, e lhe vai lembrando o quanto a sua mãe (Elisabeth Moss) a amava.
É então que um encontro inesperado vem perturbar este equilíbrio, ameaçando o refúgio que pai e filha criaram num mundo perigoso.

Opinião por Artur Neves

E se subitamente, uma perturbação aos nossos cânones de convivência social viesse semear uma proliferada desconfiança mútua entre todos os seres de uma comunidade que lhes motivasse uma vida furtiva, perigosa e imperativa de atenção e cuidados intensos para qualquer movimentação, mesmo dentro de nossas casas?...
Em termos gerais é esta a situação que Casey Affleck nos traz, neste thriller de suspense, onde um pai extraordinariamente preocupado em proteger a sua filha de 11 anos, fá-la passar por filho e com “ele” percorre intermináveis caminhos de fuga sem fim à vista, nem plano concreto para alterar esta situação de itinerância.
Os motivos, vão-nos sendo apresentados aos poucos em ritmo de flashbacks, que incluem notícias em velhos jornais encontrados na interminável jornada, onde vão referindo o caos e a destruição do que sobra do mundo depois da pandemia que o assaltou. Vai demorar algum tempo até sabermos o que aconteceu e o que vemos é medo e desconfiança nos rostos do pai e do “filho”, brevidade em abandonar os esconderijos onde usufruem alguma segurança, embora temporária, e obtenção de alimentos nalguma loja abandonada, já anteriormente pilhada, coberta de poeira, onde os bens encontrados são escassos.
Pai e filha, formam um microcosmos inseparável, entabulam longas conversas sobre fantasias que os fazem sonhar ou sobre assuntos sérios que lhes provocam discussões e exames de comportamento em situações críticas. Há inevitáveis encontros com estranhos, sendo alguns ameaçadores desde o primeiro contacto e outros aparentemente acolhedores e amigáveis, mas a regra é, nunca confiar em ninguém, nem baixar a guarda por um só momento que seja.
Este filme presta-se a diferentes leituras, apresentando uma visão patriarcal forte, sobre uma jovem a despontar na adolescência, fortemente feminina e rebelde contra a sua condição de encobrimento da sua verdadeira natureza, Anna Pniowsky conseguiu criar um personagem bastante credível, impedindo o seu guardião de se tornar no pai herói que Affleck deveria pretender, ao escrever o argumento, realizar e produzir o filme e interpretar o papel principal.
Todavia a história não é propriamente um original, pois em 2009 John Hillcoat já nos apresentou “A Estrada”, baseado no romance pós apocalítico de Cormac McCarthy com uma temática semelhante embora por outros motivos e noutro contexto.
Ainda assim, o pai de Rag (Anna Pniowsky) não se pode queixar do resultado, pois no final conclui-se que ele a preparou para a vida num mundo que persegue o seu género, tendo conseguido criar uma jovem poderosa e autossuficiente, capaz de realizar “uma aventura de amor”, que ele promoveu nas suas conversas e superar as dificuldades emergentes, com ele ou à custa dos seus meios próprios. Interessante, embora algo monótono.

Classificação: 5 numa escala de 10

26 de outubro de 2019

Opinião – “Exterminador Implacável: Destino Sombrio” de Tim Miller


Sinopse

A história de “Exterminador Implacável: Destino Sombrio” começa 20 anos depois de Sarah Connor impedir o Dia do Julgamento, mudar o futuro e reescrever o destino da raça humana. Dani Ramos (Natalia Reyes) vive uma vida simples na Cidade do México com o irmão (Diego Boneta) e o seu pai quando um novo exterminador altamente avançado e mortal - um Rev-9 (Gabriel Luna) - viaja no tempo com o objetivo de caçá-la e matá-la. A sobrevivência de Dani depende da sua união com duas guerreiras: Grace (Mackenzie Davis), uma aperfeiçoada super-soldado do futuro, e Sarah Connor (Linda Hamilton), que soma muitos anos de batalha. À medida que Rev-9 destrói cruelmente tudo e todos que se cruzam no seu caminho, Dani, Grace e Sarah acabam por encontrar um T-800 (Arnold Schwarzenegger) do passado de Sarah, que pode ser a sua última esperança.

Opinião por Artur Neves

A série Exterminador Implacável publicada até agora é constituída por 5 filmes, pelo que o atual em análise deveria ser o sexto, mas esqueça isso porque as produtoras de cinema têm a sua própria contagem e eliminaram da serie os filmes 3, 4 e 5 e retomaram a ação no final do segundo filme da serie que continua agora com este; “Exterminador Implacável: Destino Sombrio”, cuja sinopse anterior resume a história que se verá no filme.
Segundo as “más línguas” do meio, o que se passou foi que os dois primeiros filmes de 1984 e 1991, escritos e realizados por James Cameron tiveram um êxito de bilheteira consideravelmente superior aos filmes subsequentes dos outros realizadores responsáveis pelas sequelas 3, 4 e 5 e a produtora quando estabeleceu contrato para reativar a série novamente com James Cameron, este apresentou como condição recomeçar a partir do ultimo filme de sua autoria, o que me parece no mínimo, legítimo.
A diferença porém fica-se por aqui, pois ele foi “desenterrar” Sarah Connor (Linda Hamilton), e um T-800 (Arnold Schwarzenegger) que estavam na reforma, para uma história que se resume a uma perseguição das novas máquinas Rev-9 (Gabriel Luna), oriundas da organização Legion (em substituição da defunta Skynet) ao novo símbolo da resistência dos humanos contra as máquinas; Dani Ramos (Natalia Reyes) por montes, vales, ar e mar até a exterminar para deixar intacto o poder das máquinas.
A perseguição é realmente implacável e complexa, entrando aqui o poder dos efeitos especiais do cinema com cenas de tirar a respiração. Rev-9 é na realidade uma máquina indestrutível que se auto recupera depois de destruída, ou pelo menos, depois de muito mal tratada, na forma de um líquido negro que reconstitui todos os órgãos desfeito em cada combate. Além disso ele tem a capacidade de se desdobrar, nele próprio e num exosqueleto metálico negro que sai dele quando o corpo principal fraqueja. É um inimigo do tipo, que de nada serve lutar com ele, sendo melhor simplesmente fugir dele.
A mensagem subliminar é muito curiosa considerando que o salvador da humanidade é uma mulher mexicana, que entra ilegalmente nos USA através da fronteira México – Texas ajudada por três americanos. Isto representa uma clara mensagem de esperança para o estado atual das coisas neste país e numa época pós-Trump que não se sabe se será brevemente possível. Histórias destas nunca aparecem por acaso e uma situação assim, produzida por uma Major dos USA, pela mão de um realizador tão considerado só pode ter uma segunda leitura.
Quanto ao resto é o que já tenho dito em produções deste género. Um filme com tanta “impossibilidade” de ocorrência na vida real como este, só pode ser destinado a impressionar pelos seus meios técnicos. Como tal, se for visto em IMAX 3D, mais imersiva será essa experiência e maior será o grau de diversão obtido. Assim sendo o melhor é esquecer-se de outras preferências e fruir o que a “tela gigante” lhe pode oferecer. Por mim fico rendido.

Classificação: 6 numa escala de 10

24 de outubro de 2019

Opinião – “A Minha Vida com John F. Donovan” de Xavier Dolan


Sinopse

Uma década após a morte de John F. Donovan, uma estrela da TV americana (Kit Harington), um jovem ator relembra a correspondência trocada entre ambos, e o impacto que essas cartas tiveram nas suas vidas.

Opinião por Artur Neves

Nesta história o autor do argumento que também realizou o seu sétimo filme apenas com 30 anos, Xavier Dolan nasceu em Montreal, Quebec em 1989, constrói uma teia relacional entre três personagens diferentes que poderiam dar origem a três filmes distintos, razão pela qual este filme tem dificuldade em mostrar ao espectador o foco da sua narrativa.
Até agora, Xavier, tem-nos apresentados histórias sobre problemas de orientação sexual mal resolvida, de relativo êxito, assinale-se, tal como; “Amores Imaginários” de 2010, “Tom na Quinta” de 2013 ou o thriller já comentado neste blogue; “Sete Estranhos no El Royale” de 2018, que nos provoca alguma surpresa nesta abordagem não menos intimista, de uma homossexualidade latente mas que se resolve ainda dentro do tempo do filme, nas suas últimas imagens.
A história desenvolve-se, após a notícia da morte de Donovan por overdose, reportada numa entrevista que Rupert (Ben Schnetzer), adulto jovem a entrar na faculdade, concede a Audrey (Thandie Newton) uma jornalista de guerra que a contragosto a assume. Posteriormente, ela desenvolve alguma química com ele, de aceitação e compreensão sobre os problemas de bullyng que Rupert enquanto jovem, (Jacob Tremblay) sofreu na escola primária, decorrente da declaração numa aula da sua correspondência epistolar prolongada com John F. Donovan (Kit Harington) um ator que estava na expectativa de ser escolhido como protagonista de uma série de super-heróis e confidencia a Rupert jovem, os seus medos, hesitações e reservas, bem como, os problemas do seu relacionamento com a garota frágil e amarga com quem casou.
Admito que o parágrafo anterior não seja fácil de compreender à primeira leitura, mas reporta no menor número de palavras que consegui o imbróglio da trama subjacente a esta história e justifica porque no meu entender poderíamos ter três filmes em vez de um.
Durante a entrevista a história desloca-se para a frente e para trás no tempo, detalhando em cada uma dessas histórias o necessário para entender as complexas personalidades e as frustrações dolorosas de cada um dos personagens envolvidos. É genericamente uma história de homens e das suas relações complexas com as mães, ora protetoras, ora distantes e esfíngicas. Também se aborda a problemática das alterações de relacionamento familiar quando um dos elementos adquire notoriedade pública, cumulativamente a uma vida interior rica e autónoma de cada um dos personagens.
Possui também atores secundários de nomeada, tais como Grace Donovan (Susan Sarandon), como a provocadora mãe de Donovan ou Sam Turner (Natalie Portman) sempre preocupada com a saúde mental do seu filho Rupert e constrangida na sua relação com ele pela ausência do pai que por vezes ele reclama. Não menos importante é ainda a oportunidade de apreciar numa só cena, a fabulosa interpretação de Sir Michael Gambon, num personagem que estabelece um diálogo ambíguo com Donovan, mas recheado de filosofia de vida para preencher as suas inconsistências.
É pois um filme multifacetado, desconexo por vezes, dando a ideia de que Xavier Dolan reuniu muitas ideias num mesmo saco, retirou-as uma a uma, que lhe serviram como peças de um puzzle que ele encaixou à sua maneira numa figura animada que compõe este filme. Na minha opinião foram “peças” a mais que só podem ser abordadas superficialmente ou muito rapidamente sem a profundidade merecida. Todavia é um daqueles filmes que não nos sai logo da memória quando deixamos o cinema.

Classificação: 6 numa escala de 10

23 de outubro de 2019

Opinião – “Vitalina Varela” de Pedro Costa


Sinopse

Vitalina Varela, 55 anos, cabo-verdiana, chega a Portugal três dias depois do funeral do marido. Há mais de 25 anos que Vitalina esperava o seu bilhete de avião.

Opinião por Artur Neves

A autenticidade desta história valeu-lhe a distinção conferida pelo Leopardo de Ouro do Festival de Cinema de Locarno (Suíça) 2019 que também premiou com o Boccalino d’Oro a atriz principal, Vitalina Varela tendo assim sido distinguida com o prémio de melhor atriz do festival.
Vitalina Varela é assim a protagonista que responde por ela própria num argumento escrito em coautoria com o realizador Pedro Costa, que ela desempenha com autoridade, competência e uma demonstração de força humana assinalável considerando que se trata de “defesa em causa própria”. Tendo sido abandonada pelo marido quando este emigrou para Lisboa á procura de melhorar a vida, foi ela que aguentou tantos anos a casa da família que construiu com ele em Figueira das Naus na pobre ilha de Santiago, onde trabalhava a terra em busca do seu sustento. Quando finalmente em 2013, com 55 anos, ela consegue o desejado bilhete de avião, aterra em Portugal (num aeroporto irreconhecível como sendo o de Lisboa) e se dirige ao bairro das Fontainhas, onde a história decorre, Joaquim Varela já tinha sido enterrado há 3 dias.
O resumo descrito anteriormente é-nos fornecido ao longo da narrativa (e complementado por leituras adicionais) em que Vitalina interage com outros imigrantes que se posicionam estáticos na cena, imóveis, em posições predefinidas, sentados ou em pé, que debitam os diálogos de modo pausado, no tom mais monocórdico possível sem revelar qualquer emoção, para lá do abandono e da miséria em que vivem e da autocomiseração pelo seu estado e pela morte do companheiro que partiu.
O ambiente em que a maioria dos diálogos se verifica é o interior do casebre em que Joaquim vivia, filmado com pouca luz e produzindo acentuadas sombras negras que se confundem com a pele dos personagens, ressaltando somente os olhos que os identificam como pessoas, naquele negrume sombrio, pobre e que se adivinha fétido. Esta técnica do chiaroescuro, que se define pelo contraste entre luz e sombra na representação de um objeto, foi utilizada com êxito na pintura renascentista do século XV, (Ugo da Carpi, Giovanni Baglione ou Caravaggio) mas quando transposta para o cinema durante mais de 120 minutos a enquadrar ambientes opacos e diálogos estáticos, cansam o espectador e desmotivam a sua atenção do assunto em apreço.
Os ambientes mudam com as cenas que se sucedem, mas os personagens são os mesmos e a dinâmica do filme é sempre igual; parada… muito parada… plasmada mesmo, num objeto ou numa rua, sempre escura e indefinida, impondo uma fotografia que tresanda à escola de Manoel de Oliveira. Para lá dos diálogos, o som do filme permite intuir um ambiente externo descontraído com crianças a brincar e homens e mulheres a falar e a rir, que acentua o contraste com aqueles quadros de dor, solidão e tragédia intimista que questiona o aqui e o agora daquelas vidas.
Devemos considerar também que este é um cinema que se pode considerar “artesanal”, filmado em formato 4 x 4, com baixo orçamento, em que os atores e a própria Vitalina não são profissionais, são pessoas reais que se prestaram à representação, que representaram um texto que foi filmado por Leonardo Simões, mas por mais boa vontade que tenhamos, não posso aceitar que cinema seja confundido com teatro filmado.
A salvar toda esta pasmaceira temos a protagonista, que apesar das suas expressões paradas enquanto fala, enquanto longamente olha para o vazio ou enquanto desenvolve algumas ações que carecem de alguma justificação no contexto, enfim, a autenticidade da sua presença alivia a “punição escura” que o filme nos impõe, embora que para mim, não chegue para mais do que mostra a classificação atribuída. Compreende-se a mensagem, mas não gostei da forma e o cinema Português continua a ser para mim uma arte estranha.

Classificação: 3 numa escala de 10

22 de outubro de 2019

Opinião – “A Família Addams” de Greg Tiernan, Conrad Vernon


Sinopse

Preparem-se para estalar os dedos!
Os Addams, a família mais arrepiante do Halloween, estão de volta ao grande ecrã na primeira comédia animada sobre a família mais estranha e macabra do bairro. Divertida, excêntrica e absolutamente icónica, a Família Addams vai redefinir o que significa ser um bom vizinho.

Opinião por Artur Neves

“A Família Addams” teve a sua primeira apresentação com atores em 1964 como uma série de TV no género de comédia de humor negro, tendo sido continuada em forma de BD nos anos de 1973 e 1992. A primeira versão de cinema foi apresentada em 1991 e alcançou relativo sucesso através do desempenho dos personagens e de alguns efeitos especiais inovadores para a época, particularmente como foi o caso da mão que apresenta vida própria e age de acordo com as situações com que é confrontada.
No caso presente, a dupla; Greg Tiernan e Conrad Vernon, que já nos ofereceu; Shrek 2, Madagáscar 3, Monstros vs. Aliens, e outros, apresenta-nos agora a primeira adaptação em animação para o grande ecrã da popular série de cartoons que Charles Addams criou para a New Yorker sobre uma excêntrica, misteriosa e macabra família: “A Família Addams”.
Neste filme, a família da mansão em ruínas no topo de uma colina em Nova Jersey, tem um novo vizinho - o fenômeno da TV Margaux Needler – que está a construir uma comunidade pré-fabricada, plástica e colorida. Quando o nevoeiro levanta, Margaux fica desconcertada ao ver a mansão da Família Addams - a única coisa que fica entre si e o seu sonho de vender todas as casas do bairro e ser adorada como uma personalidade de TV para sempre.
Enquanto isso, Pugsley terá de enfrentar um ritual de passagem para provar que está pronto para se tornar um homem da Família Addams e Wednesday faz amizade com a filha de Margaux, Parker, dando início a atividades “normais” como frequentar a escola pública, pertencer à claque, usar fitas cor de-rosa ou um alfinete de cabeça que lhe trouxe alguns dissabores.
A versão original do filme conta com as vozes de Oscar Isaac (Gomez), Charlize Theron (Morticia), Chloë Grace Moretz (Wednesday), Finn Wolfhard (Pugsley) e Allison Janney (Margaux). Na versão dobrada em Português teremos entre outros; Filomena Cautela, Renato Godinho, Sónia Tavares, FF e Custódia Gallego.
A história é muito simples dando particular ênfase à cerimónia de emancipação de Pugsley para a qual toda a família é convidada a assistir, enquanto a estrela de TV especializada em reformas domésticas, numa clara alusão aos programas “Mudei a Casa”, planeia e implementa a referida mudança, que será totalmente revertida no fim do filme e nos sugere o título da célebre comédia de William Shakespeare; “Muito Barulho para Nada”.
Mantêm-se fieis ao original de Charles Addams as personalidades de toda a família, continuando muito acesa a paixão ardente entre Gomez e Mortícia, muito embora esta se apresente mais altiva e distante, surgem alguma piadas um pouco nervosas acerca do tio Fester ser ou não um criminoso sexual e termina com uma versão cantada do tema musical do filme. Se virmos esta versão sem nos lembrarmos da versão de 1991 aceitaremos como boa a moral da história, mas sabe francamente a pouco.

Classificação: 4 numa escala de 10

18 de outubro de 2019

Opinião – “Anjo Perdido” de Kim Farrant


Sinopse

Lizzie (Noomi Rapace) é uma mulher melancólica que ainda sofre com a morte precoce da sua única filha e que tem dificuldades para interpretar a realidade.
Mas quando numa festa conhece a filha de Claire (Yvonne Strahovski), entra numa espiral de loucura e começa a acreditar que a menina continua viva e que aquela garota é a sua filha.

Opinião por Artur Neves

Este filme é um remake americano do filme "L'empreinte de l'Ange", realizado pelo francês Safy Nebbou em 2008, pela realizadora Australiana Kim Farrant que segue rigorosamente o argumento original. Apenas os intérpretes e os locais onde se desenrola a história mudam, só que o primeiro filme nunca foi apresentado nas salas Portuguesas pelo que se justifica assim a sua atual comercialização.
A história é um thriller psicológico, muito bem interpretado por Noomi Rapace que se tornou conhecida depois do seu assinalável desempenho em “Os Homens que Odeiam as Mulheres” de 2009, primeiro filme da saga “Millennium”, ao que se seguiram outros êxitos. Nesta história ela constrói o personagem de uma mulher divorciada, mãe de uma menina que morreu num incêndio ocorrido no hospital onde nasceu, poucas horas depois do parto.
Estes acontecimentos e os detalhes sobre a tristeza de Lizzie, quem ela é, como se comporta no seu desespero e por quem está de luto vão sendo lentamente revelados no desenrolar da ação, acompanhada por uma paisagem sonora melancólica e sinistra que torna a história sombria e carregada de luto.
Farrant sabe como contar uma história que não se adivinha e Noomi Rapace corresponde bem com uma personagem delicadamente maluca, obcecada pela filha perdida que ela teima em não aceitar a perda, rasgando-se a si própria, à sua identidade, ao seu respeito por si, numa completa escuridão do espirito, sem vontade para rir ou conviver fora da sua obsessão. A tragédia que ela não aceita, custou-lhe a sua sanidade mental, o divórcio do marido que apesar de compreender a sua dor, acha a vida tem de continuar e a custódia do filho mais velho, Thomas (Finn Little) que além de carente, sofre a presença de uma mãe ausente.
A transformação interior de Lizzie ocorre, quando no aniversário de um colega de escola de Thomas, ela vê Lola (Annika Whiteley) e se convence que aquela criança é a sua filha perdida. A partir daí ela torna-se obcecada por Lola, absolutamente fixada na menina, negando a realidade conhecida e começando a exibir um comportamento inadequado em relação a Lola que na sua inocência lhe retribui carinho pelas atenções de que é alvo.
A partir daqui a história toma outra dinâmica mais elétrica, pois Claire ( Yvonne Strahovski ) a mãe de Lola, não permite essa aproximação e faz compreensivelmente tudo para a evitar. O argumento porém, não se preocupa com as eventuais conotações obscenas que essa aproximação possa suscitar no espectador, pois Ferrant apenas pretende mostrar a dimensão da dor da perda de um filho e assim a história passa de sombria a emocionalmente visceral, a uterina, mostrando a competição entre as duas mães pela posse da sua cria e aqui Claire personifica uma resposta adequada a Lizzie, criando um personagem que tenta equilibrar a pena pela morte, com a compreensão da dor e com a raiva provocada por uma situação muito assustadora.
O final é surpreendente e não o devo revelar sob pena de mutilar a obra e retirar o gozo ao espectador, pelo que apenas acrescento que os 98 minutos despendidos no visionamento valem a pena. Muito interessante.

Classificação: 7 numa escala de 10

15 de outubro de 2019

Opinião – “Maléfica – Mestre do Mal” de Joachim Rønning


Sinopse

Nesta continuação do sucesso mundial de bilheteira de 2014, Maléfica e a sua afilhada Aurora começam a questionar os complexos laços familiares que as unem, à medida que vão sendo afastadas por um casamento iminente, aliados inesperados e novas forças obscuras em jogo.

Opinião por Artur Neves

Mais uma vez os “Contos de Grimm” suportam com a sua história mais icónica e mais divulgada em todo o mundo; “A Bela Adormecida” sobre uma princesa de rara beleza que é enfeitiçada por uma invejosa feiticeira (a tal Maléfica) condenando-a a um sono profundo até que um príncipe encantado lhe dê um beijo por amor e quebre o feitiço.
O destaque da “Maléfica” nas histórias atualmente contadas justifica-se por ser a mesma história vista do ponto de vista da feiticeira que a Disney já pôs em filme em 2014, contando os motivos que justificam o endurecimento de relações da vilã com a sua afilhada, bem como, a maldição lançada sobre a princesa Aurora. Por ter constituído um assinalável êxito de bilheteira e os blockbusters têm de ser aproveitados até à exaustão, eis que este ano aparece uma sequela com a temática descrita na sinopse, que é mais do mesmo, suportado na moral vigente e no establishment social.
Neste filme continua a promover-se o amor (que não traz mal ao mundo) o casamento (já nem tanto) com pompa e circunstância, a obediência aos cânones, e uma mensagem oportuna de tolerância e aceitação pelas diferenças entre a espécie humana, considerando que apesar de diferentes todos procuramos a felicidade e o bem-estar, numa clara alusão aos milhares de desalojados dos seus países de origem. O cinema também serve para estas chamadas de consciência e para servir causas.
A relação entre Maléfica (Angelina Jolie) e Aurora (Elle Fanning) tem sido pacata, os maus sentimentos esbateram-se ao longo destes anos e Aurora encontra de novo o amor do seu príncipe. No entanto o ódio entre os humanos e as fadas mantem-se e esta projetada união entre Philip (Harris Dickinson) e Aurora desgosta Queen Ingrith (Michelle Pfeiffer) que não aceita a ligação do filho com a representante do reino das fadas e engendra um plano de guerra para acabar definitivamente com o reino de Moors, o reino das fadas.
Como pode apreciar-se nada de novo; “a sogra detesta a mulher que o filho escolheu para sua nora!…” Para quantas novelas reais e de ficção, telenovelas, dramas de faca e alguidar e histórias de cordel, este argumento já serviu?... Creio que ninguém tem um número certo, mas são de facto imensas e aqui até serve para “esparguetizar” uma história de fantasia contada pelos irmãos Grimm na idade média, pelos idos de 1600.
Para compensar, o suporte e a forma de contar são realmente fabulosos. O filme apresenta-se em IMAX 3D, numa condição particularmente imersiva que nos transporta para o ambiente e para a história, por sofisticados meios audiovisuais. A música e os sons do filme, criteriosamente dirigidos na sala conduzem os nossos sentidos e, se nos deixarmos levar, voaremos pelo reino de Ulstead e pelo seu vizinho Moors em conjunto com fantásticas criaturas aladas, em jardins maravilhosos de flores eternas, ou descendo para ambientes sombrios e profundos, durante cerca de 118 minutos, que para mim pareceu extenso, mas para o espectador, “vítima” do encantamento pelas fadas, saberá inevitavelmente a pouco, apesar da lágrima fugidia que lhe escorrerá pela face.
Como tal, a classificação atribuída a seguir reporta-se somente aos aspetos técnicos do filme, da caraterização dos personagens, do guarda-roupa e da extraordinária imagem IMAX 3D em que o filme se apresenta. Sobre o conteúdo, a cada um sua classificação.

Classificação: 9 numa escala de 10

14 de outubro de 2019

Opinião – “Equipa de Assalto” de Dan Krauss


Sinopse

Quando Andrew Briggman (Nat Wolff), um jovem soldado na invasão americana do Afeganistão, é testemunha da morte de civis inocentes por outro recrutas, sob a direção de um líder sádico - o sargento Deeks (Alexander Skarsgård) - ele considera denunciá-los aos seus superiores - mas o um pelotão cada vez mais violento e fortemente armado suspeita que alguém das suas fileiras se tenha voltado contra eles, e Andrew começa a temer que ele seja o próximo alvo.

Opinião por Artur Neves

Dan Krauss é um repórter de guerra que acompanhou uma missão de soldados americanos no Afeganistão, mais propriamente na cidade de Kandahar e arredores do deserto, com vista à realização de um documentário sobre o conflito; “The Kill Team” estreado em Abril de 2018 no Tribeca Film Festival.
Posteriormente, depois de ter refletido sobre a realidade presenciada, no terreno de guerra e no acampamento entre as tropas americanas, apercebeu-se dos conflitos morais e psicológicos gerados pelo dever, espírito de grupo, lealdade para com os seus pares e a paranoia que se instala quando; o dever, o medo e os valores morais, entram em conflito nos mais profundos pensamentos de um soldado.
Daí nasceu o argumento que suporta este filme, como o mesmo nome do documentário, que se fundamenta no sangue, suor e lágrimas dos seus personagens quando confrontados na sua solidão com os valores que lhe foram inculcados em tempo de paz e que constituem as regras de convivência entre os membros da espécie humana.
De acordo com o resumo descrito na sinopse o filme revela-nos um ambiente de crescente tensão e paranoia, sempre fundamentado em pormenores e pequenos indícios comportamentais de Briggman e dos seus camaradas, sem contudo conseguir elevar a patamares significativos o nível de angústia tradicionalmente sentido em filmes de suspense. Os personagens construídos por Briggman (Nat Wolff) e Deeks (Alexander Skarsgård) são consistentes, muito particularmente este, decorrente da sua experiencia de guerra e da exibição das mortes de que é responsável através de tatuagens de caveiras nas pernas.
Deeks, além de responsável do grupo é um mestre em manipulação e em condicionamento dos comportamentos da sua equipa, fazendo com que eles o admirem, promovendo o culto de personalidade entre os soldados por meio de manifestações de apreço e elogios nem sempre verdadeiros. Todavia ele possui uma agenda e um objetivo próprios e assume que a sua missão é matar, revelada nos seus comentários antes das missões; “Boa caça” e “espero que estejam prontos para se divertirem”. Transmite ainda o conceito de que combater é bom e justo, tomando como exemplo todos os camaradas mortos ou estropiados em ações anteriores.
Com o passar do tempo e das ações em combate, alguns começam a questionar a moralidade subjacente aos atos de guerra, bem como a própria moralidade do seu desempenho embora aceitando-a por ter origem no seu líder. Assim geram-se fraturas no grupo, particularmente em Briggman que não aguenta a tensão, o ambiente com os camaradas que o questionam e os concelhos do seu pai a quem ele, através do Skype, revela as provações do seu espírito.
O filme ao dar relevo a um “pormenor” detetado no documentário, gera uma novidade narrativa que é oposta ao documentário, considerando que este se deve esgotar na objetividade dos factos. O filme ao ficcionalizar um caso concreto, é necessariamente subjetivado em função das conceções do seu autor. Como o autor de ambos é o mesmo, temos aqui um exercício de cinema curioso, que merece ser apreciado pelas múltiplas questões que levanta.

Classificação: 7 numa escala de 10

12 de outubro de 2019

Opinião – “Um Passado em Segredo” de Bart Freundlich


Sinopse

Isabel (Michelle Williams) dedicou a sua vida a gerir um orfanato num bairro-de-lata de Calcutá. O financiamento é escasso, e Theresa Young (Julianne Moore), uma milionária com um império de comunicação, contacta Isabel, pedindo-lhe que viaje até Nova Iorque para lhe apresentar pessoalmente o projeto. Inicialmente revoltada com a exigência de uma potencial doadora que ainda não se comprometeu, ela acaba por ceder e viaja até à cidade da qual tinha escapado há 20 anos atrás.
Uma vez em Nova Iorque, e sentindo-se muito desconfortável, Isabel dirige-se à residência da possível benfeitora. Enquanto Isabel pensa que em breve regressará ao seu querido orfanato, Teresa tem outros planos. Ela insiste que Isabel fique para o casamento da sua filha, na propriedade da família. Mas o alegre evento rapidamente se transforma num catalisador de uma revelação que vem transtornar a vida das duas mulheres e das pessoas que mais as amam.

Opinião por Artur Neves

O filme que hoje temos em apreciação é um remake da obra com que a realizadora dinamarquesa Susanne Bier, quase conseguiu obter o Oscar em 2007 para o melhor filme de língua estrangeira da Academia Americana. Bart Freundlich, realizador americano, casado na vida real com Julianne Moore, concebeu uma alteração de personagens na história original, mantendo todavia o enredo que nos mostra neste filme. Na origem, ambos os filmes têm o mesmo nome (After the Wedding) sendo posteriormente adaptados os “gosto” de cada país, como vem sendo normal em toda a cinematografia que nos chega de fora.
A alteração do género dos personagens principais tem pelo menos o mérito de tornar a atual versão mais aguda do ponto de vista emocional e com isso poder transformar esta versão num melodrama mais profundo no aspeto dos afetos, para os quais contém todos os elementos para ter sucesso, mas… fica-se pela tentativa, depois de ultrapassado o choque da surpresa pelos “segredos” que nos são revelados, fruto de vários twists que a história contém.
Isabel, ao viajar da Índia para Nova Iorque, por solicitação de Theresa Young, não sabe completamente ao que vem, nem esta sonha com o que despoletou, ao requerer a sua presença para ajuizar melhor o destino do donativo que está prestes a conferir-lhe e por dificuldades de agenda, em convidá-la, para o faustoso casamento da filha Grace (Abby Quinn), na casa de família em Long Island.
Tanto Isabel (Michelle Williams) como Theresa Young (Julianne Moore), são competentes no trabalho que desempenham criando personagens credíveis. Os seus diálogos e as suas intervenções recíprocas em diferentes situações e com outros personagens estão adequadas ao contexto embora ajam como “personagens silenciosos” e as consequências dos seus desacordos são sempre leves e cordatas para a gravidade dos factos e intensidade do drama. Parece-me que a história poderia ter sido mais ousada no aprofundamento das consequências de uma relação que se afigura tensa entre Isabel, Theresa e o marido Oscar (Billy Crudup), mas não… se atinge alguma tensão, mais pelo efeito da surpresa das revelações, logo se desmobiliza e fica completamente frouxa na parte final.
Esta história daria para desenvolver relações obscuras e íntimas, diálogos cortantes e ambientes gelados, como os construídos em “Perto Demais” de 2004 por exemplo (uma quadrangulação de relações humanas) mas presumo que o realizador preferiu enfatizar o lado mundano dos personagens citadinos, utilizando uma filmagem com drones para aproximação a uma realidade mais abrangente e o diretor de fotografia Julio Macat preferiu filmagem manual e Steadicam, que permite fotos suaves e estáveis mesmo quando a câmara se move no exterior ou sobre superfícies irregulares, acalmando todos os tumultos. Ainda assim vale a pena ver, a história é boa embora só sumariamente aproveitada.

Classificação: 6 numa escala de 10

10 de outubro de 2019

Opinião – “A Guerra das Correntes” de Alfonso Gomez-Rejon


Sinopse

Ambientado no final do século XIX, a Guerra das Correntes, que foi uma disputa entre Thomas Edison (Benedict Cumberbatch) e George Westinghouse (Michael Shannon) sobre como deveria ser feita a distribuição da eletricidade. Edison fez uma campanha pela utilização da corrente contínua para isso, enquanto Westinghouse defendia a corrente alternada.

Opinião por Artur Neves

“A Guerra das Correntes” foi estreado no Toronto Filme Festival de 2017 mas somente agora chega às salas por ter sido produzido por Harvey Weinstein, principal alvo atingido pelo movimento #Me Too, que caiu precisamente em Outubro de 2017, (foi demitido da sua própria empresa e expulso da Academia de Cinema pelas denuncias de mais de 80 mulheres) justificando assim o “congelamento” do filme durante este intervalo de tempo até à presente data.
Arrefecidos os ânimos pelo bálsamo do tempo e depois do filme ter sido reeditado por Alfonso Gomez-Rejon com adição de cenas e redução da sua duração, eis que nos apresentam a competição desenvolvida entre 1880 e 1893, por Thomas Edison e George Westinghouse para a definição do standard de distribuição da energia elétrica nos USA, sendo o primeiro a favor da corrente contínua (CC) e o segundo, adepto da corrente alternada (AC) sendo esta segunda forma que prevaleceu e que ainda hoje se verifica em todo o mundo.
Este assunto é do foro da especialidade eletrotécnica, com múltiplos problemas técnicos associados que estão distantes do comum dos mortais, pelo que fazer deste tema um filme é pelo menos um trabalho arrojado, que se torna lânguido e arrastado entre discussões legais, jantares chiques e bailes em sumptuosos salões e uma única conversa, por sinal amena, entre os dois competidores quase no fim do filme.
O relacionamento entre ambos comporta-se com uma dinâmica semelhante entre Wolfgang Amadeus Mozart (Thomas Edison) para o seu Antonio Salieri (George Westinghouse) no fabuloso “Amadeus” de Milos Forman, só que com menos melodia, já que a música que enquadra as cenas do filme é rápida e sincopada que soa como um zumbido persistente que por vezes associamos a falha elétrica e só por aí se pode justificar o seu envolvimento.
Benedict Cumberbatch no papel de Thomas Edison constrói um personagem estudioso e concentrado mas arrogante, casado, com filhos com quem fala em código de Morse, ao mesmo tempo que manipula a imprensa com inexatidões grosseiras como por exemplo que a corrente alternada é mais perigosa do que a corrente contínua, apenas por um capricho de preferência que não respeita a verdade técnica revelando uma obsessão doentia pela prevalência da sua ideia. Apesar disso, não se coíbe de projetar uma cadeira elétrica com corrente alternada que resulta num assinalável fracasso.
Todavia, o início da sua derrota está na desistência da colaboração de Nikola Tesla (Nicholas Hoult), engenheiro, nascido na Sérvia que passa a assessorar George Westinghouse nesta demanda. Aliás Tesla é o verdadeiro adversário de Edison, embora o filme não lhe confira a relevância que merece. Por ter ficado à margem na história real também ficou à margem no filme.
Michael Shannon no papel de George Westinghouse constrói um personagem competente, um verdadeiro cavalheiro de indústria interessado em investir nas melhores técnicas, que negoceia com as autoridades e com colegas industriais em ambientes refinados da alta burguesia estabelecendo um nítido contraste entre os mundos dos dois homens.
No seu todo é um filme monótono porque a história não permite maior dinâmica, é o que é, e pode ver-se por mera curiosidade histórica, mas deve ter-se consciência ao que se vai.

Classificação: 5 numa escala de 10

7 de outubro de 2019

Opinião – “O Caso DeLorean” de Nick Hamm


Sinopse
Depois de ser apanhado pelo FBI a contrabandear cocaína no seu avião, Jim Hoffman (Jason Sudeikis) tem como única hipótese trabalhar para aquela agência como informador. Mas apesar disso a vida corre-lhe bem, e é colocado com a família num rico subúrbio de San Diego. Para sua surpresa, descobre que tem John DeLorean (Lee Pace) como vizinho, o ícone da indústria automóvel. Rapidamente cresce uma relação de amizade entre os dois homens, ao mesmo tempo que DeLorean se prepara para lançar o seu novo projeto – A DeLorean Motor Company, no qual Jim se envolve ativamente.
Mas com o FBI a pressiona-lo para denunciar o seu fornecedor, e o projeto de DeLoren a atingir um ponto critico de falta de financiamento, as coisas estão longe de serem idílicas. E quando Jim traz o seu Dealer para o projeto, como novo financiador da DeLorean Company, tudo vai rapidamente ficar pior.
Baseado em eventos reais, O Caso DeLorean conta a incrível, inacreditável e por vezes absurda história que se tornou o escândalo mais célebre dos anos 70.

Opinião por Artur Neves
Mais uma vez o cinema nos trás a teatralização de um caso real, desta vez “O Caso DeLorean” que nos conta a odisseia da constituição da empresa americana DeLorean Motor Company fundada em 1975 por Jonh Zachary DeLorean, que entre 1980 e 1983, ano de falência, produziu o modelo DMC-12 cuja qualidade mais importante foi ter “estrelado” como carro do futuro na trilogia “Regresso ao Futuro” e ter apresentado pela primeira vez o projeto das portas de elevação superior, posteriormente adotado por outras marcas. Como automóvel desportivo ou familiar foi um rotundo fracasso e é essa história que este filme nos conta.
Como resumo desta história pode dizer-se que nos mostra como um homem, Jim Hoffman, algo apático, vaidoso, gabarola, mas sem controlo das situações em que se mete e se deixa arrastar pelos acontecimentos, é apanhado a traficar droga da Colômbia para os USA e para não ser preso nem prejudicar a família, particularmente a mulher; Ellen Hoffman (Judy Greer) que corporiza o espírito feminino americano do way of life da altura, exigente, coquete cuja base filosófica é a crença nos direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade como direito inalienável, não lhe perdoaria se fosse forçada a ir com ele para a prisão na sequencia da sua detenção.
Em toda a história o papel de Jim é ambíguo e comprometido mas as circunstancias de ser vizinho de John DeLorean, ser convidado para festas que o deslumbram a ele e à mulher, entrar num mundo a que nunca pensaram ter acesso, faz com que o plano de entrega do traficante de droga que combinou com a polícia e as necessidades financeiras de John DeLorean se cruzem num misto de aventura, comédia, interesse mútuo e possibilidade de ganhar dinheiro que de outra forma não consegue.
Mais uma vez Jim, não tem plano de fuga, apenas corre num sentido e empurra os problemas coma a barriga até ao final, no julgamento (a história desenvolve-se em flashbacks de acordo com as questões que são levantadas pelo advogado de John DeLorean no julgamento) onde Jim mostra um gesto de justiça para com o seu amigo John, não o salvando todavia das muitas dívidas que possui.

É uma história sobre relações desalinhadas, perfilada por dois personagens da vida real, por vezes antagonistas e adversárias como acontece no mundo que conhecemos. Aqui, porém, é um pouco diferente e apenas se desenvolve acerca de um negócio comum em que ambos estão dispostos a usar os seus argumentos e encanto natural para conseguir os seus objetivos e ficar fora dos problemas. Um por objetivo de vida, o outro por comprometimento. É um filme divertido e bem feito, recomendo.

Classificação: 6 numa escala de 10

4 de outubro de 2019

Opinião – “Branca como Neve” de Anne Fontaine


Sinopse

Claire (Lou de Laâge), uma jovem rapariga de enorme beleza, provoca irreprimíveis ciúmes à sua madrasta, Maud (Isabelle Huppert), ao ponto de a fazer premeditar o seu homicídio quando o jovem noivo de Maud se apaixona por Clair.
Salva in extremis por um homem misterioso que a alberga na sua quinta, Claire decide ficar na aldeia, despertando a comoção nos seus habitantes. Primeiro um, depois dois, em breve sete “príncipes” irão render-se aos seus encantos. Para ela, isto significa o início de uma emancipação radical, tanto carnal como sentimental…

Opinião por Artur Neves

Acerca do filme “Branca de Neve e os Sapatos Mágicos” no mês passado, já teci alguns comentários sobre as origens da verdadeira história da “Branca de Neve” dos irmãos Grimm pelo que me dispenso agora de voltar ao assunto, numa altura em o cinema recebe mais uma história inspirada no mesmo conto realizada por Anne Fontaine, europeia, nascida em 1959 no Luxemburgo, que tem no curriculum “Agnus Dei – As Inocentes” de 2016, uma história verídica sobre a violação forçada de freiras Polacas por soldados soviéticos já no final da segunda guerra mundial, que gerou alguma controvérsia e várias nomeações para prémios de cinema pela ousada divulgação.
Desta vez, a senhora opta por uma adaptação da fábula infantil, totalmente desconstruída, que a torna numa história sensual e erótica que perde sentido, considerando que ao querer respeitar os cânones da fábula no conteúdo e na forma, torna-a ridícula.
A personagem principal Claire, apresenta de facto, uma face atraente com lábios sensuais e gestos infantis que respiram sensualidade sendo inevitavelmente alvo da generalizada cobiça masculina. Maud, a grande senhora Isabelle Huppert que esbanja arte e experiência em todas as cenas, é a madrasta ciumenta do sucesso da enteada perante os homens e planeia a sua morte com uma maça envenenada (para seguir a história original) entre outras tentativas falhadas.
Os sete anões, são os seus pretendentes, cada um com a sua história particular, de acordo com o contexto de cada encontro, de onde a “heroína” escolherá o preferido entregando-se sem limites ou reservas à sua emancipação radical, tanto sentimental como carnal, com uma imensa fome de viver que a paixão determina. Só que a escolha é multifacetada em pessoas e lugares, incluindo bosques e esquilos que espreitam a “febre” do amor, respeitando todas as particularidades inerentes à história original, que só por “carolice” é para aqui chamada.
A história desenvolve-se em ambientes de montanha que a fotografia de Yves Angelo engrandece e respeita com tomadas de vista fabulosas que nos convidam ao retorno aos ambientes bucólicos, à natureza e aos passeios de montanha. Só que, subordinar esta história, que poderia ter a conotação que o argumentista quisesse, ao conto dos irmãos Grimm, sugere-me que representa ainda uma fratura geracional entre os nascidos nos últimos 40 anos e os mais antigos que eles, que por terem vivido antes do despontar da comunicação fácil se reportavam ao livro e à história de contar. Declaro que nada no filme nos conduz a este pensamento e que ele é apenas uma reflexão minha.
Não sei se este filme é simplesmente uma diversão de Fontaine para distorcer um conto clássico numa história provocante com piadas sexuais e tentativas de humor sobre o amor bizarro. A mim pareceu-me um filme estranho, embora tenha apreciado os desempenhos de Isabelle Huppert e de Lou de Laâge, mas isso é pouco.

Classificação: 4,5 numa escala de 10