31 de julho de 2019

Opinião – “Síndrome de Estocolmo” de Robert Budreau


Sinopse

Baseado na história real que originou a “Síndrome de Estocolmo” em 1973. Um dos assaltos mais famosos de todos os tempos.
Como será ser mantido refém de um assalto a um banco durante 6 dias e criar laços afectivos com o assaltante e sequestrador? Foi o que aconteceu em 1973 num banco em Estocolmo.
Lars Nystrom, um ex-condenado, mantém reféns os funcionários de um banco de Estocolmo enquanto negocia com a polícia – além do dinheiro, o assaltante exige a libertação de um companheiro de crime.
Este filme é baseado numa história verdadeira: o assalto de seis dias ao banco sueco Kreditbanken. Ocorrido em 1973, tornou-se um dos mais falados de sempre e deu origem ao termo “Síndrome de Estocolmo”, o qual define o estado psicológico de alguém, submetido a um tempo prolongado de intimidação que passa a ter simpatia pelo agressor.

Opinião por Artur Neves

Tal como descrito na sinopse sobre o significado da “Síndrome de Estocolmo” este filme conta como correu o assalto ao Kreditbanken em Estocolmo em 1973 realizado por um cidadão que se barricou no cofre-forte do banco durante quatro dias, sequestrando três funcionários e requisitando a ajuda de um outro malfeitor seu amigo de infância, que na altura cumpria pena numa prisão Sueca.
O assalto, o sequestro, a atitude da polícia e do governo Sueco, cujo primeiro-ministro era o famigerado Olof Palme, posteriormente assassinado num segundo mandato, foi completamente errática e absurda de ambos os lados, tendo-se praticado erros gritantes tanto pelo assaltante que se apresenta disfarçado de um famoso assaltante de bancos, Jan-Erik Olsson, como da polícia e de toda a organização de segurança que nunca foram capazes de apresentar uma estratégia credível para conter os danos ou neutralizar o assaltante.
É pois neste ambiente caótico, em que Lars Nystrom (Ethan Hawke) igualmente sem qualquer plano ou estratégia para perpetrar o assalto, demonstra mais cuidados e atenções para os três sequestrados, comparativamente com a atitude da polícia donde só vêm atitudes avulsas de consumo de tempo, em colaboração com o governo que não privilegia a segurança dos sequestrados, que se acende a centelha do amor entre Lars e Bianca (Noomi Rapace) uma das sequestradas, mãe de dois filhos que verifica sentir mais confiança com o seu captor do com as atitudes irracionais da polícia que não hesita em procurar soluções que só complicam a situação dos sequestrados.
Na realidade a história é de tal modo confusa e surreal, que não pode ser levada a sério nem pelos seus próprios intervenientes dando lugar ao desenvolvimento de outros sentimentos por parte dos sequestrados, não só com artifício psicológico para criar uma ilusão de segurança que apazigue a sua ansiedade intrínseca, como pela constatação que a gentileza dos sequestradores é mais atenciosa e amistosa do que a total inépcia da polícia.
Deste modo, todas as tentativas de libertação são interpretadas como ameaça, considerando que no ambiente do banco não se vive drama, violência ou tensão, excetuando a profunda atrapalhação de Lars que não sabe mais como sair daquela situação.
O cinema já tem abordado esta temática por outro prisma onde se torna menos aceitável a manifestação desta síndrome, mas aqui, no evento onde surgiu o conceito, a sua ocorrência parece-me linear e óbvia numa história que se vê com agrado, tem graça pelo absurdo e que acaba com os sequestrados a protegerem com o seu corpo, o sequestrador, dos atiradores da polícia. Interessante e divertido.

Classificação: 7 numa escala de 10

30 de julho de 2019

Opinião – “NOMIS” de David Raymond


Sinopse

Lara, uma adolescente, e Cooper (Ben Kingsley), um homem de meia-idade, formam uma equipa improvável, dando caça a predadores sexuais. Lara é o isco, Cooper atua depois.
Contudo, quando um dos predadores os engana e consegue raptar Lara, Cooper é obrigado a incluir o Detetive Walter Marshall (Henry Cavill) e os recursos da polícia na caça ao homem. Com esta ajuda, eles conseguem localizá-la e prender o raptor louco, Simon, que insiste que tudo aquilo é um “jogo” que estão todos a jogar.
Quando desaparecem mais duas raparigas e Simon consegue fugir da esquadra, Marshall e Cooper terão de se unir numa luta contra o tempo para encontrar as vítimas e tentar descobrir a verdade escondida… verdade essa que esteve sempre diante dos seus olhos.

Opinião por Artur Neves

“Nomis” também designado na origem por; “Night Hunter” e que pode ser traduzido por; “Caçador da Noite” é um thriller psicológico que junta na sua história diversos aspectos já abordados individualmente no cinema em diferentes filmes, como o recente “Glass” de 2019 de M. Night Shyamalan, que é em si mesmo uma sequela de; “Fragmentado” de 2016, em conjunto com “O Protegido” de 2000 também de M. Night Shyamalan. Não é que isso tenha algum mal, os bons temas devem ser recriados, se isso for possível, acrescentando-lhes outros elementos que valorizem a história inicial no aspeto da manutenção do interesse do espectador e dentro de certos limites este filme consegue isso embora com algumas fragilidades.
A história centra-se me torno dos predadores sexuais, das suas taras, dos seus métodos de atuação, das suas motivações imediatas e remotas que os levam aos comportamentos desviantes que constituem o desenvolvimento da acção. Este filme não foge à regra do suspense, do condicionamento psicológico, da acção policial na perseguição dos suspeitos, só que adiciona elementos novos na constituição do principal suspeito que introduz alguma renovação ao tema.
Todavia, por falta de orçamento ou de rasgo por parte do realizador as cenas mais empolgantes são criadas sem que para isso sejamos avisados da totalidade da acção e encontramo-nos a pensar “como teria sido possível, isto ou aquilo”…
Então na cena final, para que a morte dos culpados possa assumir-se como castigo divino dos elementos naturais, considerando que até eles estão contra os criminosos, os heróis têm de assumir uma completa inépcia na ação que antes não foi evidenciada aquando da perseguição e caça dos suspeitos. As provas que conduzem aos responsáveis são sempre obtidas em última instancia, de modo absolutamente fortuito e casual, pese embora a parafernália informática ao dispor dos investigadores que só encontram a solução quando uma inspiração, vinda não se sabem bem de onde, lhes ilumina a mente.
David Raymond é um realizador inglês nascido em 1979, em Londres, mas com pouca experiência no meio a julgar pelos filmes que lhe são atribuídos no seu curriculum, a maior parte deles como autor do argumento e menos como realizador, consegue todavia nesta obra, contar uma história coerente, com diversos twists mal suportados mas que ainda assim mantêm uma trama interessante e o interesse do espectador durante todo o visionamento. Vê-se com agrado sem se tornar cansativo.

Classificação: 6 numa escala de 10

23 de julho de 2019

Opinião – “Adeus Professor” de Wayne Roberts


Sinopse

Quando Richard (Johnny Depp), um professor universitário, é confrontado com um diagnóstico inesperado, decide livrar-se de quaisquer pretensões ou convenções e viver tão livremente quanto possível.
Com um sentido de humor cortante, comportamentos irresponsáveis e um toque de loucura, Richard experimenta todos os vícios – álcool, tabaco, sexo e insultar qualquer pessoa que o irrite, o que lhe dá mais prazer do que qualquer coisa em anos.
À medida que Richard vê o seu tempo diminuir, descobre que o seu corajoso ataque ao status quo o leva a aceitar a verdade e a valorizar as pessoas que realmente ama. E é isto que vai fazer num último grito de glória antes do fim.
Adeus, Professor é uma hilariante e intensa comédia dramática sobre o modo como um homem decide viver a vida ao máximo no momento em que encara o fim da sua viagem.

Opinião por Artur Neves

Para mim pareceu-me interessante ver Johnny Depp fora do registo do “Pirata da Caraíbas” seja qual a for a sequela que se considere, encarnando aqui o personagem de um professor universitário com um cancro no pulmão em fase terminal que lhe confere pouco tempo de vida, ou por outro lado, uma data previsível para a sua finitude que o leva a reconsiderar toda a sua existência, tudo o que fez e tudo o que não fez e gostaria de fazer, bem como, mais importante ainda, os condicionamentos que impôs á sua vida para chegar até ali com mais desejos do que realizações.
É pois sobre a derradeira altura de balanço de vida, que o realizador Wayne Roberts quis construir uma narrativa que em meu entender se apresenta frouxa e parca, focalizada em conceitos comuns algo ultrapassados, como fumar maconha, muito embora apresente momentos que justificam plenamente o personagem transformado em animal rebelde, tão ao jeito do ator que o representa.
Curiosamente, este filme foi inicialmente intitulado de; “Richard Says Goodbye”. Consultando a filmografia deste realizador apenas encontramos em 2016 outro filme com o nome; “Katie Says Goodbye”, não estreado em Portugal, sobre uma rapariga que se prostitui para realizar os seus verdadeiros sonhos de vida, o que parece indiciar que Wayne Roberts só faz e escreve filmes de “adeus”, vá-se lá saber porquê ou como despedida de si próprio.
No presente caso, Richard (Johnny Depp) é suficientemente carismático com o seu destino interpretando um desespero elegante (se é que isso existe) filosofando pausadamente sobre a sua existência, que vai piorando ao longo do tempo em que ele se esforça por não perder a face, embora a sua tristeza se acentue revelando a dicotomia em que está mergulhado.
A sua relação familiar não é exemplar, muito embora isso já pouco o afete e o facto da filha se revelar gay e a mulher ter um caso com o diretor da universidade, só lhe serve como pedra de arremeço para conseguir um ano sabático que lhe permita viver (morrer) longe e em paz.
O que temos é pois um homem em afundamento em si, decorrente na inevitabilidade do seu futuro que ele extravasa em aridez, atitudes patéticas e ofensas públicas mas que nenhum outro personagem parece notar, não só porque ele não se revela, mas apenas porque se mostra como uma piada de mau gosto de si próprio. É uma mensagem sobre o fim anunciado da vida, desta feita com data marcada, mas apesar da demonstração da sua rebeldia e das revelações sinceras que pronuncia o filme sabe a pouco e deixa uma sensação de inconseguimento.

Classificação: 5 numa escala de 10

17 de julho de 2019

Opinião – “DOMINO – A Hora da Vingança” de Brian de Palma


Sinopse

Neste thriller frenético, Christian (Nikolaj Coster-Waldau), um polícia de Copenhaga, procura justiça pelo assassinato do seu parceiro às mãos de um membro do Estado Islâmico, Tarzi Ezra.
Num mundo assolado pelo terror e pela suspeita, Christian e Alex (Carice van Houten), colega e amante do seu falecido parceiro, partem numa missão para capturar Ezra, mas são involuntariamente apanhados num jogo de perseguição com um agente duplo da CIA (Guy Pearce), que usa Ezra para aprisionar outros membros do EI.
Das cidades geladas da Escandinávia às paisagens ensolaradas de Espanha, desenrola-se uma batalha de forças opostas, tecida pela experiência do realizador Brian de Palma (“Missão: Impossível”, “Scarface - A Força do Poder”, “Os Intocáveis”)

Opinião por Artur Neves

Brian de Palma é um realizador com pergaminhos cinematográficos dos quais destaco o excelente “Vestida para Matar” de 1980, “Testemunha de um Crime” de 1984 ou “Mulher Fatal” de 2002, assumindo aqui uma clara discrepância com as referências indicadas pelo autor da sinopse que no meu entendimento não são os mais relevantes, muito embora reconheça que “Missão Impossível” de 1966 possui o argumento melhor arquitetado de toda a saga. Seja como for, Brian de Palma possui boas construções cinematográficas em filmes com boas histórias, suspense intenso e credibilidade na ação, mas essas caraterísticas não se encontram no presente filme.
O argumento apresenta elementos estranhos para o género, construído como um melodrama entre dois polícias dinamarqueses, que entre a caça a terroristas e trabalhos de polícia, têm um caso entre si que vai dar “frutos” em nove meses e justificar um divórcio… tudo bem, isso poderia acontecer, mas numa história de terrorismo do Daesh, com mártires bombistas, decapitações de jornalistas utilizando imagens reais e a CIA numa missão dupla, uma love story dos agentes de segurança é no mínimo insólita.
O argumento parece amputado de alguns elos de ligação que dariam maior entrosamento a toda a história, talvez por imperativos de duração. Por outro lado, sendo a produção dinamarquesa e os dinamarqueses tão explicitamente de esquerda é normal que a história insira crítica política, numa altura em que os USA atravessam o período conturbado da presidência de Trump, mas não parece que Brian de Palma se preocupe muito com isso porque o foco em que ele se centra é na filmagem subjetiva dos eventos que nos mostra.
Veja-se por exemplo a cena do assassinato na passadeira vermelha do Festival de Cinema da Holanda. Nós vemo-lo como se estivéssemos a assistir ao festival, com a tela dividida em duas partes, em que numa temos o assassinato e na outra a reportagem. Para mim significa que matar infiéis é objetivo dos terroristas, mas assustar as pessoas que vêm o festival pela TV é um terror ainda maior. Creio que Brian de Palma só está a refinar o terror transmitido em “Testemunha de um Crime”, só o ambiente é que é outro.
A cena em que Christian, impotente, assiste à morte iminente do seu parceiro de equipa, considerando que ele é corresponsável pelo seu estado encerra o desamparo e a solidão decorrente do seu imperdoável esquecimento e isso só tem paralelo em “Mulher Fatal”, relembrando todavia outros momentos de; “A Fúria”, ou “Explosão”, de 1978 e 1981 respetivamente, mas não sendo pormenores relevantes para este filme que se deveria centrar em questões mais abrangentes e motivadoras da ação.
Não vou falar do mártir na tourada, em que o seu sacrifício é filmado por um drone e rejubilado pelo seu fanático mentor, cujo objetivo deveria ser o seu suicídio com as consequências previstas e não o contratempo para a sua realização. São estas questões que fazem com que Domino nunca se sinta como um filme inteiro. De tudo isto ressalta um filme algo esdruxulo, com pormenores interessantes, sim, mas que depende de um ato de vontade para ser visto.

Classificação: 4 numa escala de 10


11 de julho de 2019

Opinião – “Plano de Fuga 3” - de John Herzfeld


Sinopse

Na sequela plena de ação desta saga de grande sucesso, Ray Breslin (Sylvester Stallone) e Trent DeRosa (Dave Bautista) juntam-se a Hush (Curtis “50 Cent” Jackson), para resgatar um dos membros da sua equipa foi feito refém numa prisão conhecida como Estação do Diabo, local de onde ninguém consegue escapar…

Opinião por Artur Neves

Voltamos a uma nova sequela de “Plano de Fuga” de 2013, desta vez a terceira, pois em 2018 tivemos a segunda, bem pior do que esta, valha-nos isso, mas ainda assim insuficiente do ponto de vista conceptual da história.
Esta sequela pelo menos tem história, porque as duas anteriores eram meros exercícios de exibição tecnológica de um especialista em fugas, Ray Breslin (Sylvester Stallone) que se divertia a aceitar desafios para escapar de prisões de alta segurança, com a ajuda de um companheiro do mesmo calibre.
Desta vez o homem lá arranja uma história de um rapto em Chicago, da filha de um magnata de Hong Kong e envolve a sua namorada no lote para despertar mais emoção. Ele até nem queria que ela se envolvesse no salvamento da chinesa, mas a coitadinha insistiu e ele condescendeu que ela integrasse a equipa. Teve azar!… foi apanhada pelo vilão que por vingança cortou-lhe o pescoço. Mas é tudo uma sensaboria, um déjà vue, uma sucessiva criação de situações para permitir a exibição de artes marciais, que se torna confrangedor.
Para que não se estranhe, os chineses são apresentados como elegantes, afinadinhos, dedicados, deslocando-se em jato particular enquanto que Ray Breslin e os seus colegas funcionam numa cave húmida, num escritório com aspeto apocalítico, trajando fatos de couro sujos e gastos, embora exibam equipamento de localização de ultima geração e um canhão portátil entregue a Trent (Dave Bautista), deixando todavia a parte de leão da interpretação a Shen (Jin Zhang) e Bao (Harry Shum Jr.) respetivamente o anterior e o atual guarda-costas de Daya Zhang (Melise) quando esta foi raptada, para as cenas de maior exibição de luta.
John Herzfeld que realiza e é coautor do argumento já nos deu melhores provas de qualidade, como em; “15 minutos” de 2001, tenta introduzir uns floreios visuais nos decors da prisão para onde o vilão levou a sequestrada, mas nada que perturbe a monotonia pois este é uma filme para os fans de “porrada” e é desse assunto que temos de tratar, deixando para o final o derradeiro ajuste de contas entre Stallone e Sawa (Daniel Bernhardt), o grande vilão, numa cena em que se notam as dificuldades físicas de Stallone, para quem os tempos de Rambo já passaram á muito.
Fica-nos a música de fundo que pretende acentuar o suspense, embora sem o conseguir, pois, onde fica o suspense de uma história previsível desde a primeira imagem. Enfim nada de novo de uma obra que não teve (ainda, digo eu) estreia nos cinemas dos USA e foi enviada para a Europa, porque da terra do “Tio Sam” vem muita coisa como esta.

Classificação: 3 numa escala de 10

6 de julho de 2019

Opinião – “RAN – Os Senhores da Guerra” de Akira Kurosawa


Sinopse

Este grandioso filme de Akira Kurosawa adapta a peça Rei Lear aos temas e ambientes do Japão Medieval, com o episódio de um velho guerreiro que decide repartir as suas terras pelos três filhos, desencadeando uma luta de poder entre os irmãos, que termina de forma trágica. Da mestria de Kurosawa resulta uma extraordinária e excêntrica fusão entre um dos maiores clássicos literários do ocidente e um estudo minucioso da história do Japão do século XVI.
Para fazer da peça de Shakespeare um detalhado fresco de uma época histórica, Kurosawa não só lhe introduz diversos elementos estilísticos do teatro Nô, como se apropria do seu enredo e o radicaliza tornando-o muito mais extremo que o original, demostrando assim a verdadeira universalidade deste clássico.
Ao longo de 10 anos, Kurosawa estudou de forma minuciosa aquela época – os gestos, o vestuário, os adereços, a arquitetura – para os transpor para o filme e, antecipando o agravamento da sua perda de visão, preparou um storyboard detalhado, a partir do qual a sua equipa soube exatamente como filmar cada cena de RAN. Esta grandiosa produção, pela forma tão cuidadosa e precisa como foi pensada e realizada, resulta num inesquecível espetáculo visual, rico na sua dramaturgia e detalhes, e foi amplamente premiada, nomeadamente com o Óscar para melhor figurino e vários BAFTA.

Opinião por Artur Neves

Em boa hora o Cinema Ideal, pela mão da distribuidora Midas Filmes, vai repor em versão restaurada 4K o filme RAN de Akira Kurosawa que foi estreado em Portugal em Novembro de 1986 e nos permitiu apreciar uma obra de arte da “Terra do Sol Nascente”, que é o que literalmente significam os carateres identificadores do Japão, na língua japonesa.
Tal como a sinopse largamente descreve, RAN conta a tragédia Inglesa escrita em 1605 por William Shakespeare, em que o idoso rei da Bretanha enlouquece, depois de ter sido traído por duas das suas três filhas, após ter legado em vida, o seu reino e de se ter despojado dos seus direitos e poder, de uma maneira gratuita e insensata.
A obra foi escrita para teatro e o grande mérito de Kurosawa reside no trabalho de investigação e adaptação à cultura japonesa de um trabalho inspirado em antigas lendas britânicas, escrito para o rei Jaime I de Inglaterra, Escócia e Irlanda.
Este facto é importante porque comprova a semelhança de comportamentos, ambições e desejos comuns à espécie humana, oriundos de culturas profundamente diferentes e com diferentes códigos sociais, com diferentes formas de procurarem atingir os seus objetivos em contextos tão diferentes como o Japão imperial e a Inglaterra monárquica.
A Kurosawa coube então a arte e o engenho de caracterizar e justificar os atos relatados na peça ao contexto da época imperial, revestindo-a e valorizando-a com os detalhes de conduta nas relações sociais da época, bem como, com as sangrentas batalhas entre os irmãos desavindos, embora seguindo regras rígidas de confrontação em combate, pautadas por convenções de ética e de honra que nos espantam.
Por incompatibilidade de agenda e para grande pena minha, não assisti ao visionamento do filme restaurado e para o recordar, servi-me do meu velhinho DVD, e extrapolei mentalmente o que deve ser, em termos de espetáculo, o upgrade para o formato 4K, não só no detalhe da imagem como na coloração do vestuário. Em qualquer dos casos é um filme imperdível que recomendo com veemência.

Classificação: 8 numa escala de 10

5 de julho de 2019

Opinião – “Na Sombra da Lei” de S. Craig Zahler


Sinopse

Na Sombra da Lei é um intenso thriller policial sobre Brett Ridgeman (Mel Gibson) e Anthony Lurasetti (Vince Vaughn), dois agentes da Polícia que acabam suspensos depois de um vídeo com as suas táticas duras ser divulgado por um canal de televisão. Com pouco dinheiro e sem opções, os amargurados agentes descem ao submundo do crime para procurar justiça, mas acabam por encontrar à sua espera mais do que desejavam.

Opinião por Artur Neves

O modo como esta história é contada faz-nos recuar ao tipo de cinema que era frequente no século passado, ou seja, um longa-metragem, neste caso com 159 minutos, desenvolvido em meio urbano, com temática criminal, protagonizado preferencialmente por anti-heróis que usam meios ilícitos para fazer justiça e com um visual de elevada densidade utilizando o contraste de cores claro/escuro, muito ao jeito do pintor barroco Caravaggio. Outra nota interessante deste filme, que não quero deixar de mencionar, é que o nome atribuído em Portugal está mais adequado ao argumento do que o nome original e isso não costuma ser muito frequente.
Assim, os dois polícias mandados para casa pelo seu superior hierárquico, interpretado por Don Johnson numa pequena, mas excelente e convincente aparição, começam a fazer contas à vida sobre o modo como irão sobreviver durante o tempo de suspensão e Ridgeman serve-se de contactos antigos para encontrar uma solução, para a qual conviva o seu parceiro Lurasetti igualmente com problemas de liquidez financeira.
Eles não sabem ao que vão, mas sabem que têm de fazer qualquer coisa para satisfazer os seus compromissos, embora a sua noção de cumprimento da lei os constranja nesta atividade proscrita e durante o tempo de vigilância, para afinar os pormenores do ato, sentados no interior de um carro, dão-nos as melhores cenas desta história, em que Ridgman (Mel Gibson) apresenta-nos o seu melhor desempenho, com uma voz áspera e pesada, refutando ou justificando as alegações do seu colega Lurasetti (Vince Vaughn), sobre a posição deles na sociedade e sobre a objeção de consciência que o assalta. Embora relutante, Lurasetti concorda com os termos e ambos avançam para a aventura.
Craig Zahler, realizador americano de ascendência judia, nascido em 73 na Florida, não tem muitas realizações em seu nome, repartindo a sua atividade com a de argumentista, mas do que se conhece sabe-se que a sua construção é lenta, os personagens começam a juntar-se, apresentando-as separadamente no início e enquadrando-as nas suas vidas e atividades que justificam o seu cruzamento posterior. Quando isso acontece já as conhecemos, já sabemos o fundamental sobre elas e isso confere à história, credibilidade e fluidez. É uma construção de camada sobre camada, com diálogos que excedem o essencial mas que desenvolvem um crescendo de violência e de suspense, cujo custo se reflete no tempo de duração, mas creia caro leitor, vale a pena.
Como anteriormente referi, é um filme de anti-heróis e não vou revelar o seu desfecho, mas informo que durante a sessão somos levados a pensar onde tudo isto irá parar, pois a história está bem arquitetada, muito pormenorizada, ocorrida no tempo atual mas sem tecnologias sofisticadas que na vida real nunca funcionam como nos mostram, exibindo apenas os desejos e as fraquezas humanas que fazem andar o mundo, pausadamente, sem pressas, ao sabor das ocorrências que nos são apresentadas e posso garantir-lhe que ao chegar ao fim não vai ficar desapontado. Recomendo.

Classificação: 8 numa escala de 10