22 de dezembro de 2016

Opinião – “Custe o que Custar” de David Mackenzie


Sinopse

HELL OR HIGH WATER – CUSTE O QUE CUSTAR! conta a história de dois irmãos no Oeste americano: Toby (Chris Pine), um pai divorciado que tenta assegurar uma vida melhor para o filho, e Tanner (Ben Foster), um irascível ex-presidiário com tendências violentas. Juntos, decidem assaltar sucursal atrás de sucursal do banco que está a penhorar a propriedade da sua família. Com este esquema, eles querem reclamar um futuro que sentem ter-lhes sido roubado por forças maiores. Esta vingança parece ter sucesso até Toby e Tanner se cruzarem com um incansável Ranger texano (Jeff Bridges) à procura de um triunfo final antes da reforma. Assim, ao mesmo tempo que os dois assaltantes planeiam o último roubo para completarem o seu plano, avizinha-se no horizonte um explosivo confronto entre o único polícia honesto do Oeste e um par de irmãos sem nada a perder a não ser a sua família. Para além de um soberbo elenco, este drama conta com David Mackenzie (Starred Up) na cadeira de realizador e tem ainda o argumento assinado por Taylor Sheridan (Sicario - Infiltrado).

Opinião por Artur Neves

É com uma história tipicamente Texana e muito bem relatada que David Mackenzie (realizador nascido na Escócia à 50 anos) nos traz, o ambiente, o tempo atual e a moral subterrânea que justifica em parte, um certo american way of life que optou por eleger a personalidade truculenta de Donald Trump, para quem segue por princípio a filosofia de; “se queres toma-o”…
Nesta história também os dois irmãos assaltam bancos em sequência para satisfazerem os seus desejos de riqueza, no pressuposto que roubam o que já lhes foi anteriormente roubado e esse clima é bem ilustrado no filme pela postura dos banqueiros com quem eles contactam por motivo da herança deixada sob hipoteca pelos seus progenitores.
Toda a história é contada numa toada lenta e suave de acordo com o ambiente que a suporta, belas paisagens selvagens, pôr-do-sol lânguidos e contemplativos, atmosfera seca e acolhedora embora poeirenta que justifica a presença quase constante de cerveja a escorregar pelas gargantas secas pelo ar quente das longas tardes. Toda esta paz só é quebrada pelos assaltos dos dois irmãos e pela tenacidade dos seus perseguidores, com particular destaque para um xerife em vésperas de reforma, mas cuja experiencia acumulada lhe permite vislumbrar todo o plano engendrado por um dos irmãos, embora o menos notado e exuberante nos assaltos já realizados.
Não há propriamente uma investigação mas tão somente a compilação dos factos, o raciocínio simplista do 1 +1 e muita dose de inspiração, “faro” policial e paciência para esperar pelo golpe seguinte, que decorre de acordo com as previsões. Tudo isto é-nos contado sem pressas, sincronizado com o ritmo de vida circundante, entre duas cervejas bebidas em amena cavaqueira entre amigos e colegas de profissão, mostrando que no Texas não há pressa para chegar onde se pretende e enquanto o crude jorrar da terra com a facilidade e os parcos meios técnicos que se vêm no filme, não há aquecimento global que os perturbe e os dólares continuarão a encher os bolsos sem remorsos.
É uma história sobre a América profunda, em que o telemóvel é um quase adorno, a arma uma companhia inseparável e o chapéu de cowboy uma necessidade para proteger daquele sol inclemente. Para quê evoluir se assim se está tão bem e se vive sem preocupações. Um filme a ver para perceber como Manhattan é mesmo uma ilha minúscula naquele imenso país.

Classificação: 8 numa escala de 10

14 de dezembro de 2016

Opinião – “Acerto de Contas” de Gavin O’Connor


Sinopse

Christian Wolff (Affleck) é um génio matemático com mais jeito para lidar com números do que pessoas. Por detrás da sua faceta como revisor de contas numa pequena cidade, ele trabalha como contabilista freelancer para algumas das mais perigosas organizações criminosas. Assim que a Divisão Criminal do Departamento do Tesouro, dirigida por Ray King (J.K Simmons), o começa a investigar, Christian decide aceitar um cliente legítimo: uma empresa de robótica onde uma contabilista, Clerk (Anna Kendrick), descobriu uma discrepância de valores envolvendo milhões de dólares. Mas à medida que Christian encontra novas pistas nos livros e chega mais perto da verdade, o número de mortes começa a aumentar.

Opinião por Artur Neves

Mais uma vez, a somar a centenas de outras vezes, a nomeação em Portugal dos filmes estrangeiros com um nome diferente do original, provoca um desvio do foco da acção nem sempre benéfico para a história que o filme pretende contar. Este é um desses casos em que no original tem o nome de; “The Accountant” (O Contabilista) e pelo nosso mercado de exibição se chama; “Ajuste de Contas”.
No desenrolar da acção ocorre de facto um “ajuste de contas” no sentido mais lato que esta expressão possa ter, todavia a história centra-se na vida e no comportamento social de num homem, com deficiências de cognição compatíveis com sintomas de autismo, grandes perturbações emocionais e hipersensibilidade ao ruído desde a infância, agravadas pela vivencia no seio duma família desestruturada em que a mãe sai de casa e o pai, militar traumatizado com dramas sofridos na guerra do Vietname, assume a educação dos dois filhos, com particular atenção ao desenvolvimento deste, do qual o filme vai-nos mostrar o agravamento das suas tensões internas através de flashbacks que nos apresentam episódios significativos da sua inadequada educação.
É pois a história deste homem, cujo equilíbrio da sua relação social depende de sessões de autoflagelação e de diverso sofrimento autoinfligido na solidão da sua existência diária, que presta o serviço de contabilidade na qualidade de revisor de contas, utilizando a elevada capacidade da sua mente para os números, para a sua fácil memorização e operação nas mais diversas condições e contextos que o conduzem, por vezes sem intenção deliberada, a descobertas imprevistas e surpreendentes.
As coisas complicam-se quando lhe são indicadas à priori, suspeitas, cujas provas ele deve procurar. Estes elementos são-lhe fornecidos por uma mulher que tem o condão de lhe alterar a rotina e de lhe provocar em si mesmo, uma sensibilidade diferente, totalmente desconhecida até então que ele não sabe como manipular. Por outro lado a sua vida dupla, programada, meticulosa, para fazer face às suas alterações incontroladas de humor em caso de contrariedade, são postas em causa de uma maneira que ele não pode permitir e isso vai precipitar toda a acção.
Deste modo Gavin O’Connor realizador americano nascido em 1964, oferece-nos aqui um thriller bem articulado, tocando os géneros de crime e drama em que Christian Wolff (Ben Affleck) desenvolve um personagem psicótico, multifacetado, justiceiro impoluto e executor por conta própria, num argumento bem contado e muito interessante que vale a pena ver.


Classificação: 7,5 numa escala de 10