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26 de outubro de 2017

Opinião – “Tour de France” de Rachid Djaïdani

Sinopse

Far’Hook é um jovem rapper de 20 anos. Depois de um ajuste de contas é obrigado a deixar Paris durante algum tempo. O seu produtor; Bilal, pede-lhe que tome o seu lugar e que acompanhe o seu pai; Serge, a dar uma volta a França, pelos caminhos de Joseph Vernet. Apesar do choque cultural e de gerações, uma amizade improvável vai nascer no decorrer de uma peripécia que os levará a Marseille para um concerto final, o da reconciliação.

Opinião por Artur Neves

O que temos aqui é uma história de contrastes civilizacionais que se vêm forçados a conviver no mesmo espaço e num tempo, que aos mais novos lhes concede o privilégio de reivindicar e julgar os conceitos que lhes permite desfrutar dessa oportunidade.
Serge Desmoulins (Gérard Depardieu) quer seguir o seu sonho de pintar, ele próprio, os quadros do pintor da sua preferência, vistos dos locais onde o pintor os viu e pintou, como forma de identificação “umbilical” com a arte em que se fixou depois de reformado, solitário, em conflito com o único filho e de ter assumido uma atitude de “ermita” na terra e no local onde vive. Ao seu redor, tudo está mal e merece a mais veemente contestação, iniciada verbalmente e continuada fisicamente se a situação o permitir e valer o transtorno. De Gaule é o seu mentor e a França nunca deveria ter abandonado a Argélia como forma de manter os argelinos no seu território, sob pena de se ter transformado na nação atual, multicultural e permissiva a todas as ideias, credos e práticas que nada têm a ver com a sua matriz.
Far’Hook (Sadek) tem como contraponto à sua juventude o estigma da raça e da religião muçulmana que o transforma em rapper, numa terra que o tolera desde que se enquadre nos padrões permitidos que não são necessariamente os assumidos pela sua geração. O seu protesto é declamado com música sincopada que excita o ouvinte, promove a união dos seus pares e estimula a distinção para com o modo de vida da civilização ocidental, bem como entre castas, ou bandas de outros rappers, que para o escopo desta história significa o mesmo.
Rachid Djaidani, Argelino de nascimento, realizador e argumentista deste filme onde ele deve ter colocado muito da sua própria vivência, promove uma viagem através da França com estas duas personagens extremadas que só muito remotamente se envolveriam numa relação social. Á partida, nada os une nem os justifica, exceto a decisão e os meios do primeiro e a necessidade do segundo. Durante a viagem, num carro a cair de podre e depois de muitas verdades sobre a situação global vigente terem servido como arma de arremeço mútuo, depois de muito fel destilado, surge uma centelha de compreensão entre ambos, que se fosse generalizada, promoveria a união, a compreensão e a paz que conduz ao progresso.

Classificação: 4,5 numa escala de 10

24 de outubro de 2017

Opinião – “Rosalie Blum” de Julien Rappeneau

Sinopse

Vincente Machot conhece a sua vida de cor. A sua rotina divide-se entre o salão de cabeleireiro, o seu primo, o seu gato e a sua mãe demasiado intrusiva. Mas a vida reserva por vezes algumas surpresas, mesmo aos que vivem de forma mais prudente. Cruza-se por acaso com Rosalie Blum, uma mulher misteriosa e solitária, convencido de já a ter conhecido antes. Mas onde? Intrigado decide segui-la para todo o lado, na esperança de a conhecer melhor. Não tem dúvidas que esta incursão vai levá-lo a embarcar numa aventura cheia de imprevistos, onde descobrirá personagens tão extraordinárias como comoventes. Uma coisa porém é certa; a vida de Vincente Machot vai mudar…

Opinião por Artur Neves

Esta é uma história de solidão, de ensimesmento de sentimentos quando a realidade se nos afigura difícil e quando por nenhum motivo ou condicionamento mental não ousamos sair da nossa zona de conforto, não dizemos que existimos e mostramos a nós próprios e aos outros que estamos preparados para as normais vicissitudes da vida, sem receio de falhar.
Vincente Machot (Kyan Khojandi) é um homem metódico para quem os dias são isentos de surpresa e as horas antecipadamente previstas cumprem-se com a regularidade do movimento da terra. É essa previsibilidade que lhe permite reconhecer-se nos atos e nas ações que diariamente se incumbiu de cumprir e seguir um percurso sem sobressaltos. Condicionado por uma mãe austera, crítica, interesseira e castradora que evidenciando uma suposta dependência e necessidade de apoio próximo e frequente, transforma vida de Vincente no marasmo insipiente que a história nos mostra, todavia, no seu íntimo a natureza agita-se, os pensamentos fermentam e os sonhos lembram-no da outra realidade que ele não tem coragem para enfrentar.
Como sempre, é a vida que nos acorda e com ele também assim aconteceu na figura de Rosalie Blum (Noémie Lvovsky) uma mulher de sorriso perene numa cara doce, sem ser bela, mas que se torna agradável no desempenho desta personagem enigmática que Vincente julga conhecer, embora sem saber de onde nem quando. Esta “memória” porém, é suficiente para perturbar o equilíbrio da sua pacata vida, da sua rotina, fazendo-o agir de forma tendencialmente anónima, cozido com as sombras da cidade, julgando-se invisível na busca que acendeu os seus embotados sentidos.
Segue-se posteriormente uma história de enredo pueril, ao nível da personalidade de Vincente, mas que nos prende, quanto mais não seja pela curiosidade de se saber como tudo aquilo irá acabar. Porem o realizador; Jullien Rappeneau, autor de “36” de 2004 e de outros filmes menos conhecidos não nos desaponta com as diatribes por que faz passar Vincente e a sua perseguida, justificando e clarificando todas as perguntas que implantou no nosso espírito nesta comédia romântica com tons dramáticos, que se vê com agrado pela estruturação de uma história improvável com personagens ímpares.

Classificação: 6 numa escala de 10

21 de outubro de 2017

Opinião – “Monsieur & Madame Adelman” de Nicolas Bedos

Sinopse

Como é que Sarah e Victor se conseguiram suportar durante mais de 45 anos? Quem era, afinal, esta mulher enigmática que vivia na sombra do seu marido? Amor, ambição, traições e segredos alimentam esta odisseia de um casal fora do normal, que nos acompanha nesta história do século passado.

Opinião por Artur Neves

Esta é uma história de amor, de amor real com todos os ingredientes das pessoas reais que amam, que se deixam amar, que detestam as condições a que se submeteram para conquistar e manter o seu amor e não o querem perder porque amam, partilham esse amor, rejeitam o que não vêm como parte do amor, deprimem porque amam, choram para não perder, rasgam-se para não maltratar, humilham-se porque são amadas e vivem assim um amor esdruxulo.
Sarah (Dora Tillier) e Victor Adelman (Nicolas Bedos), realizador do filme e argumentista em conjunto com Dora Tillier escalpelizam os contrastes da defeituosa alma humana real, de todos e de cada um de nós, à sua maneira e feitio, contrapondo duas pessoas que nada têm em comum, origens, cultura, objetivos, mas que por acidente, primeiro, e depois por teimosia obstinada, juntam os seus destinos para viver o amor das suas vidas.
O fruto desta relação são dois filhos que tendem mais em afastá-los do que a aproximá-los considerando as particularidades das suas personalidades conflituosas por vocação, interesseiros, jogadores e até malignos, tornam-se elementos de desunião e de afastamento do casal para os quais o amor que os une constitui o único farol que ilumina o percurso das suas existências tão conflituosas como apaixonadas.
Só o amor é eterno, as pessoas não e por isso separam-se, odeiam-se com todo o amor e legalizam a sua separação até que o afastamento imposto se torne insuportável pelo amor que prevalece e se afirme como uma maldição. Agora noutro contexto e com outra idade o amor toma a forma de uma amizade profunda, que cuida, protege e ampara a falta de segurança do corpo e de nitidez da mente e tudo se transforma embora o amor subsista naquela ligação esgotada pelo tempo mas não pelo sentimento.
Esta é uma história da tempestade da vida, magistralmente congeminada por dois atores argumentistas que transformaram a sua própria loucura criativa num filme louco que nos prende e fixa durante os 120 minutos da sua duração. Ambos estão bem adequados ao papel e completam-se na evidência das diferenças dos seus personagens, que nos mostram a vivência de um amor sem reservas, por vezes incongruente e cruel mas sempre dedicado ao objeto do seu amor. A cena final, perpetrada sem piedade nem remorso, corporiza a demonstração maior desse amor total e eterno. A ver, recomendo vivamente, pela qualidade da história e pela loucura benigna que nos transmite.

Classificação: 8 numa escala de 10

Opinião – “L’Economie du Couple” de Joachim Lafosse

Sinopse

Depois de quinze anos de vida em comum, Marie e Boris separam-se. Foi ela que comprou a casa na qual eles vivem com os seus dois filhos, mas foi ele que a remodelou completamente. Obrigados a coabitar temporariamente devido aos parcos meios de Boris, na hora do acerto de contas, nenhum dos dois quer deixar aquilo que julga ser seu por direito.

Opinião por Artur Neves

Não conhecemos Marie (Bérénice Bejo) nem Boris (Cédric Kahn), nem como chegaram ali, encontramo-los em plena crise matrimonial, na fase de saturação pela simples presença do outro, tendo previamente assumido a sua incompatibilidade mútua e decidido a separação de facto para que cada um possa, ou melhor, deva seguir o seu caminho, só que as contas ainda não estão feitas e nessa fase, para aquelas pessoas que nunca vimos anteriormente, não se trata somente de contabilidade doméstica de deve e haver.
Digo que não conhecemos Marie nem Boris porque nada na história nos elucida como chegaram aquela situação depois de 15 anos de matrimónio e de dois filhos, que devido à sua pouca idade oscilam e vacilam entre a preferência por um ou por outro, o que torna mais constrangedor o nosso olhar e o convite à nossa consideração sobre uma disputa que nos é apresentada sem qualquer informação do passado daquela relação, que no intervalo que nos é mostrado está recheada de questionamento mútuo.
Pelo desenrolar das constantes discussões, propostas mutuamente recusadas, acusações veladas e diretas, e simulacros de paixão algo incompreensíveis, vamos inferindo um percurso que não deve ter sido pacífico nem recomendável, mas nada nos leva a optar por qualquer das partes pelo que a aritmética de divisão de bens que pretendem concluir nos passa um pouco ao lado. Para complicar, a mãe de Marie; Babou (Marthe Keller) presumidamente conhecedora de toda a história, defende mais o genro do que a filha, que a destrata na sequência dos seus conselhos e para ali ficamos a olhar para a história sem qualquer opinião que se forme no nosso espírito.
O título Inglês para este filme belga é, “After Love” e para mim está mais adequado do que o nome original que lhe foi dado, considerando que perante os eventos dramáticos que nos são apresentados a aritmética dos bens tem um caracter absolutamente secundário em toda esta história realçando apenas o comportamento mesquinho de ambos os contendores.
Apesar de viverem um drama, ambos os personagens não apresentam estatura, nem densidade emocional que nos convença, construindo apenas um esboço dos destroços humanos que pretendem representar e que o guião do filme lhes permite. No final, perante um juiz, alcançam a desejada separação e vão cada um para seu lado e nós metemos a “viola no saco” e vamos para casa, algo encabulados por termos papado aquilo.

Classificação: 4 numa escala de 10

20 de outubro de 2017

Opinião – “K.O.” de Fabrice Gobert


Opinião – “K.O.” de Fabrice Gobert
Sinopse
Antoine Laconte é um homem de poder arrogante e dominador, tanto no seu meio profissional como na sua vida privada. Depois de um dia particularmente stressante, fica em coma. Quando acorda nada é como era antigamente; sonho ou realidade? Será uma conspiração contra ele? Ele está K.O.
Opinião por Artur Neves
Classificado como thriller, este filme apresentado em antestreia na Festa do Cinema Francês 2017, traz-nos uma história que dificilmente interpretamos como pertencendo à classificação atribuída, estabelecendo mais uma vez as significativas diferenças entre as cinematografias europeias e americanas, que o nosso mercado tem tendência em nos servir.
Laconte (Laurent Lafitte) é um gestor de topo numa empresa de comunicações que age discricionariamente com todos os subordinados na perseguição voraz do sucesso absoluto que ele pretende alcançar para a empresa e para si próprio como objectivo último da sua passagem pela vida. Na sua vida privada, escassa e frugal, replica o mesmo comportamento reunindo-se de bens materiais avultados, onde desfruta de uma caricatura de vida sentimental, parca de afetos, na companhia da sua mulher, Solange (Chiara Mastroianni) que deambula solitária pela casa com muito pouca ligação com ele e com as suas necessidades, que ele satisfaz onde calha.
Porém, há sempre um dia em que tudo muda, e esse dia acontece quando na sequência de um enfarto ligeiro ele entra em coma e o seu cérebro letárgico reverte todos os conceitos estabelecidos fazendo-o “viver” uma vida oposta da que está convencido que é a que detém por direito, confrontando-o com a “vida” dos outros que ele subjuga.
Imobilizado na cama do hospital, o outrora poderoso Laconte, “faz-se” sofrer das dificuldades normais que provoca aos outros, como que vivendo a sua vida num espelho, que transforma a imagem simétrica do seu contrário, na realidade que ele é agora forçado a viver, coabitando e relacionando-se com todos os personagens da sua vida real, mas num patamar de igualdade que lhe é completamente estranho.
Trata-se pois da luta interna deste homem, agora fragilizado pelo acidente vascular que sofreu, sendo confrontado com a sua fraqueza e normalidade humana que ele sempre recusou, que ele sempre escondeu sob o manto diáfano do despotismo em benefício de um bem maior, que subitamente, através de evento violento o despoja das suas premissas e o confronta com uma vida e uma realidade que totalmente desconhece, embora sempre tenha vivido nela mas noutro contexto. Trata-se no fundo, do confronto connosco próprios para que possamos progredir para um nível superior de existência, se soubermos aprender e aceitar a oportunidade de redenção.
Bem interpretado, escorreito no argumento, sem deixar pontas soltas e com uma história interessante eis aqui um bom exemplar da cinematografia francesa. Recomendo.
Classificação: 7 numa escala de 10

19 de outubro de 2017

Opinião – “Compte tes Blessures” de Morgan Simon


Sinopse

Cantor carismático de uma banda hard rock, Vincent, de 24 anos, já tatuou metade do seu corpo. Calmo e de olhar incandescente, o mundo pertence-lhe.
A chegada de uma nova mulher na vida do seu pai vai trazer tensões.
Vincente não consegue conter a sua cólera nem o seu desejo.

Opinião por Artur Neves

Na mitologia grega existe a fábula de Phedra, esposa de Teseu rei de Atenas, que se apaixona perdidamente por Hipólito, filho de Teseu no seu primeiro casamento com Antíopa, uma Amazona que tinha raptado e desposado secretamente, por se ter perdido de amores. O resultado desta paixão não pode ser edificante e a morte de ambos foi o final coerente para tamanho sacrilégio segundo a moral da época.
Na nossa história de agora é o filho; Vincente (Kévïn Azais) que se apaixona por Julia (Monia Chokri), namorada de Hervé (Nathan Wilcox), seu pai, que este traz para sua casa, partilhada com Vincente. A recusa inicial do filho, por macular a memória da mãe, depressa se transforma numa paixão avassaladora pela promitente madrasta, decorrente da semelhança de idades e de cultura, numa sociedade profundamente marcada pela identificação com valores e convenções que provoquem a rotura com as práticas anteriores.
O cinema europeu e particularmente o cinema Francês, sempre soube abordar com profundidade os dramas sociais e da alma humana quando contrariada nas suas profundas aspirações de desejo e de felicidade. Vincente é um jovem revoltado com a sua existência exprimindo essa incompatibilidade nas suas performances de vocalista hard rock que mais parecem um insulto geral a toda a sociedade que o “condenou” a mascarar-se com imagens tatuadas na ansia de ser diferente e de trazer algo de novo a um dia-a-dia insípido e vulgar. O desempenho do ator é convincente, bem como a sua transmutação quando se encontra com o objeto da sua paixão que lhe causa ódio contra o pai, outrora sua referência e companheiro de trabalho na faina do mar a que ambos se dedicam.
É pois neste caldeirão de sentimentos emergentes e nunca sentidos que Hervé se apercebe da paixão entre os dois amantes genuínos, porque próximos e culturalmente semelhantes, e que numa primeira instancia luta pela mulher que lhe arrebatou o coração, mas depressa reconhece ser uma batalha perdida. É aqui que o filme mais se afasta da fábula de Phedra, pois o pai, sem ânimo nem coragem para lutar, abdica do seu papel de macho alfa e desiste num desfecho que me parece que a história não merecia. Interessante pelo argumento e pelo desempenho dos atores.

Classificação: 5 numa escala de 10