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23 de março de 2022

Opinião – “Flee – A Fuga” de Jonas Poher Rasmussen

Sinopse

Amin era menor quando chegou à Dinamarca sozinho, vindo do Afeganistão. Hoje, com 36 anos, é um académico de sucesso e está noivo do seu namorado de longa data. Mas esconde um segredo há mais de 20 anos, que começa a ameaçar arruinar a vida que construiu para si. Amin, pela primeira vez, partilha a sua história com um amigo chegado.

Opinião por Artur Neves

A história deste filme é uma ficção baseada numa amizade de escola entre o realizador Poher Rasmussen e um seu colega que desde cedo lhe causa grande curiosidade, saber como foi possível que Amin, (nome falso) um ilustre investigador universitário com inegável sucesso nas suas investigações, de pele morena, homossexual assumido e muçulmano, conseguiu fixar-se na Dinamarca e construir uma vida a todos os níveis normal e impensável para a maioria dos refugiados que aquele país aceitou ao longo do tempo. Rasmussen teve conhecimento da história e reunindo-se com vários intérpretes das vozes nos diferentes estágios da vida de Amim e construiu este documentário que nos remete para uma reflexão sobre o mundo e a política, numa altura em que a realidade da guerra á nossa volta nos acorda para uma verdade que pensava-mos não poder existir de novo.

O filme desenvolve-se durante uma conversa entre amigos em que Amin vai contar ao amigo Rasmussen as suas memórias pessoais numa viagem através do tempo anteriormente vivido em forma de um thrilher de suspense para o qual não só as revelações, mas os fragmentos noticiosos da época conferem autenticidade às revelações que nos são transmitidas.

Desde a sua infância que Amin vivendo com os seus pais, duas irmãs e um irmão no Afeganistão sentia um prazer indefinível em vestir-se com uma camisola comprida, ou com os vestidos da sua irmã mais nova e embora no fundo estranhasse com essa indescritível sensação não sabia como encará-la nem tinha nas suas relações alguém com quem falar. Essa sensação continuou no ensino médio e nas suas folgas em frente à televisão em que se sentiu apaixonado pelo ator Jean-Claude Van Damme, que lhe piscava o olho sempre que ele o contemplava num filme. O tempo em que isto se passa é na última fase da guerra afegã-soviética, nos finais da década de 80 que gera a necessidade de abandonar o país como aliás aconteceu para muitos cidadãos, nomeadamente o seu próprio pai que foi levado de casa pelas forças afegãs e até hoje ele não sabe o que verdadeiramente lhe aconteceu.

Amin vive mais uns anos com o resto da sua família até chegar a altura de pensarem também em deixar o país. A sua mãe está fragilizada com a idade e fugir com ela e os seus irmãos só se torna possível para a Rússia que apenas os aceita temporariamente. Logo que o período de validade dos seus vistos se esgota eles tornam-se clandestinos no país e mesmo escondidos em casa, sem uma única saída eles continuam sendo uma presa fácil da polícia que em vez de os ajudar, ficam-lhe com as magras rendas que conseguem angariar. É conveniente lembrarmo-nos que a década de 80 representa o fim do comunismo na Rússia com todas as convulsões sociais que a alteração do regime provocou. Como tal, se anteriormente a Rússia já não aceitava os refugiados, aquele tempo de transição só veio piorar a situação.

Com muito pesar primeiro saem as irmãs e só depois ele e a mãe à custa do trabalho desenvolvido pelo irmão mais velho. Amin foi sozinho para Dinamarca em condições precárias, muito embora o irmão tenha contratado um traficante honesto para as necessidades da época porque a queda no tráfico humano já era frequente naquelas andanças. Ao reunir a família na Dinamarca foi com um amigo que Amin é convidado a frequentar um bar homossexual e a encontrar lá o seu companheiro para a vida com quem está prestes a casar depois de sem medo se assumir como é realmente numa europa progressista e moderna.

Com 3 nomeações aos Óscares em 3 categorias de destaque - Melhor Animação, Melhor Documentário e Melhor Filme Estrangeiro - "Flee – A Fuga", foi também um dos grandes vencedores do Festival de Sundance em 2021. É, sem dúvida, um dos filmes de relevo de 2021 e, como se já esperava, uma das obras mais curiosas, verdadeiramente inspiradoras que consegue chegar ao público a um nível verdadeiramente emocional e tocante considerando a múltipla realidade com que temos sido confrontados nos dias de hoje. Recomendo sem reservas.

Tem estreia prevista em sala dia 7 de Abril

Classificação: 8 numa escala de 10

 

16 de março de 2022

Opinião – “Cordeiro” de Valdimar Jóhannsson

Sinopse

A rotina de María (Noomi Rapace) e Ingvar, (Hilmir Snær Guðnason), um casal que vive na Islândia rural, é interrompida quando descobrem um bizarro recém-nascido no seu curral de ovelhas. Este evento leva o casal a tomar uma decisão que desafia as leis da natureza, com a perspetiva inesperada de uma vida familiar poder trazer-lhes muita felicidade… antes de começar a destruí-los.

Opinião por Artur Neves

Este filme, que caberá na classificação de suspense e fantasia, apesar da qualidade da interpretação dos seus intérpretes, comedido, fundamentalmente usando imagens que valem pelo que significam, com poucas falas, pode entediar-nos se não tivermos conhecimento da figura mitológica de “Pã”, o deus grego dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores assumindo um comportamento maioritariamente protetor, embora possa ser vingativo para quem não cuida da natureza e destrói a flora e a fauna. É representado com orelhas longas e chifres, tronco humano e pernas de bode, andando em duas patas e carregando consigo um flauta. Os caminhantes noturnos dos bosques, que andam sem destino, possuídos por solidão que os predispõem a terrores súbitos sem causa aparente, podem ser acometidos de pânico, ou seja: medo de “Pã”.

O livro “O grande Deus Pã” escrito por Arthur Machen dá-nos uma visão algo diferente, não tão bucólica, mas antes destruidora e maligna, cheio de desejo sexual insaciável, sem escrúpulos, que está mais de acordo com o papel que lhe cabe nesta história, porque ele encarna uma tendência comum a todo o universo.

O filme começa por nos apresentar o casal que vive numa casa no meio de nada. Eles estão equipados para as suas necessidades, com motocultivadores e um carro para deslocação à vila, familiarizando-nos com o ambiente frio, a paisagem sempre coberta de neve e eles fazem o que é necessário debaixo de chuva e de vento, porem, apesar de se entreajudarem e colaborarem em todas as tarefas o seu semblante é monótono, triste e sem vida. As cenas são interpretadas pelas ações dos personagens, cumprindo o calendário da vida no local, com pouquíssimos diálogos, mostrando-nos os grandes planos da região vazia, montanhosa, embora bela e envolvente. Os olhares silenciosos entre Ingvar e Maria deixam transparecer um luto dolorido por continuarem sós, os dois estão isolados naquela imensidão geográfica e vivem sem interferências externas e estão preparados para eventos inexplicáveis, que nós, tal como eles, esperamos que aconteçam.

Uma das tarefas realizadas pelos dois é a alimentação dos cordeiros e a ajuda aos partos que ocorrem. Numa dessas alturas um acontecimento bizarro ocorre quando o terceiro filho de uma ovelha apresenta uma forma hibrida entre animal e humano a que ela batiza imediatamente por Ada e toma-a no colo sem que nós vejamos declaradamente a sua forma particular. É aqui que temos de pensar que a aceitação imediata da filha de um sátiro, de Pã, ou seja lá de que pai deu à vida aquele nascimento. A história não está nem um pouco interessada em teorizar a essência do seu aparecimento, mas antes o facto de a sua existência provocar alterações dos relacionamentos entre humanos e com criaturas de outra natureza o que pressupõe que essa coabitação entre partes diferentes da natureza não pode ser apaziguadamente entronizada.

Desde o início daquele nascimento, as coisas complicam-se quando a mãe natural, a ovelha que a pariu, reclama a sua presença, balindo continuamente para reclamar a sua posse. Maria resolve as coisas matando a mãe natural, reconhecendo assim uma falha da natureza e assumindo o papel da ovelha que matou. Curiosamente é de Maria que depende todas as decisões e Ingvar aceita placidamente todos os acontecimentos seja em que sentido for.

Ficamos a saber que Ingvar tem um irmão que subitamente chega ao lugar, como que introduzindo um fator desiquilibrante na relação entre os dois. Pétur (Björn Hlynur Haraldsson) tem dificuldade em aceitar Ada, aquele ser hibrido que ele não consegue classificar como pessoa ou animal. Mais uma vez é Maria que o põe fora de casa levando-o á paragem do transporte e dando-lhe algum dinheiro para que ela não volte. Ele não pertence aquela história nem tem lugar ali. Só nos resta agora dar corpo às sombras, aos passos furtivos, ao horror mitológico que de súbito se revela para levar o que lhe pertence. Só Maria fica viva, não somente para ver quem leva a sua filha, mas também para chorar a morte do marido e para sentir a completa solidão por ter mandado embora o seu cunhado.

Este filme é a primeira longa metragem de Valdimar Jóhannsson, um realizador Islandês que até agora só tinha sido responsável de efeitos especiais e conseguiu com este argumento de horror mitológico manter um elevado grau de imprevisibilidade, um bom suspense dramático com uma história simples embora complexa, que justifica ficarmos atentos aos seus próximos trabalhos. Muito interessante.

NOTA: O poster publicado não é o oficial do filme, mas eu escolhi-o por representar com mais propriedade os dois elementos fundamentais da história.

Tem estreia prevista em sala dia 31 de Março

Classificação: 7 numa escala de 10

 

21 de novembro de 2021

Opinião – “Oldboy” de Park Chan-Wook

Sinopse

Num dia em 1988, Dae-su, um homem casado e com uma filha, é raptado e aprisionado num quarto de hotel sem qualquer explicação. Quinze anos depois é libertado, é-lhe dado dinheiro, um telemóvel e um fato novo. Desorientado, ele luta para descobrir porque foi preso. Mas o seu raptor ainda tem planos para ele e envia-lhe mensagens que o incitam à vingança.

Opinião por Artur Neves

Oldboy é um filme Sul Coreano realizado em 2003 que foi distinguido com o Grande Prémio do Festival de Cinema de Cannes em 2004, tendo recebido rasgados elogios de Quentin Tarantino que à data era o presidente do júri, pelas suas sequências de ação e de luta que o classificaram como um dos melhores filmes neo-noir de todos os tempos e incluído na lista em construção dos melhores filmes do século XXI. Foi a seu tempo um campeão de bilheteira tendo compensado com larga vantagem o seu custo de produção. A história foi baseada numa trilogia mangá japonesa, “The Vengeance Trilogy” da qual este título constitui o segundo episódio.

Em boa verdade a história que o suporta, sumariamente descrita na sinopse, está bem desenvolvida através de um enredo forte que prende o espectador até ao fim pela dissimulação bem conseguida sobre os motivos que justificam a detenção de um homem durante 15 anos num quarto fechado, para o qual lhe omitem qualquer razão para o seu estado. O homem é Dae-su Oh (Choi Min-sik) um empresário coreano que em 1988 foi preso no dia do aniversário da sua filha de quatro anos, por conduta imprópria devido a embriaguez na via pública. Imagine-se agora o desespero dessa pessoa após recuperar o equilíbrio mental perturbado pelo álcool, sentir-se presa num quarto, atrás de uma porta fechada na qual somente se abre um postigo junto ao chão para receber um tabuleiro com comida às horas das refeições, sem que qualquer palavra seja proferida da parte do entregador dos alimentos.

Este isolamento durante um tempo tão prolongado provoca inevitavelmente insanidade que Dae-su responde como pode, vendo televisão, fazendo atividades físicas, destruindo os móveis do quarto, fazendo desenhos, tentando a fuga através da destruição das paredes que resistem bem às suas investidas, construindo respostas para as perguntas que nunca o abandonam e desenvolvendo uma filosofia que partilha com o espectador em off e que há de servir de sustentáculo para todas as suas ações após sair do cativeiro a que foi sujeito, igualmente sem uma justificação, sem uma palavra, sem um destino, tendo-lhe apenas sido entregue um fato e algum dinheiro.

Julgo também importante avisar o leitor, que para lá da excelente qualidade do argumento e da boa interpretação dos personagens, estamos perante uma cultura diferente da cultura ocidental o que muda tudo relativamente aos comportamentos que estamos habituados a experienciar em situações semelhantes. Começando pela linguagem, com a sua dicção brusca e abrupta em todas as situações que nos faz estranhar o seu comportamento e onde não encontramos emoções que corroborem a sua equivalência ocidental. Por outro lado, as ações individuais provocam decisões que aos nossos olhos são tomadas sem a natural ponderação que é habitual assistir no ocidente, assim como, as expressões emotivas denotando uma urgência e uma inevitabilidade a que não estamos habituados e que nos é estranho. Considere-se ainda ser um filme realizado em 2003, numa fase em que a presença oriental no ocidente estava no seu início e essa cultura milenar existia ainda muito fechada dentro dos seus limites.

Todavia, depois de aceitar as suas peculiaridades e caraterísticas intrínsecas de amor, ética, moral e forma de executar uma vingança, afinal é disso que se trata a história do filme, fica-nos o devido espaço para apreciar um enredo que se desenvolve numa mente ferida, à procura de provocar idêntico sofrimento no causador de um suicídio. Só no fim saberemos tudo e durante os 122 minutos de duração do filme vamos sendo lentamente informados, com fugazes indícios, sobre os motivos que residem por detrás das ações dos personagens. Muito interessante a todos os níveis, gostei e recomendo sem reservas.

Tem estreia prevista em sala para dia 25 de Novembro

Classificação: 8 numa escala de 10

 

13 de setembro de 2021

Opinião – “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental” de Radu Jude

Sinopse

Vencedor do Urso de Ouro no 71º Festival de Berlim, este filme centra-se na professora Emi que vê a sua carreira e reputação ameaçadas depois de uma “sex tape” pessoal realizada com o seu marido, ir parar acidentalmente à Internet. Forçada a enfrentar os pais dos seus alunos que exigem a sua demissão, Emi recusa-se a ceder à pressão exercida por estes.

Em “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental”, Radu Jude materializa uma sátira social não convencional, incendiária, com humor irreverente e comentários mordazes sobre a hipocrisia e preconceito na atual sociedade Romena. Realizado em plena pandemia, sem ensaios físicos e dentro de todas as normas de segurança, é um filme controverso que vai ficar para história como uma prova documental dos nossos tempos.

Opinião por Artur Neves

Este é um filme a todos os níveis surpreendente, não porque a sua temática seja inovadora ou extraordinária mas porque os primeiros 3 minutos do filme são totalmente preenchidos com o tal vídeo de sexo explícito publicado na Internet, referido na sinopse, para que os espectadores tomem conhecimento factual do assunto em discussão. Não há outra maneira de dizer isto, é um vídeo hardcore legítimo, com todos os ingredientes das variantes sexuais disponíveis, apimentado com o linguajar erótico inerente a quem está dedicadamente imbuído na função.

O filme é dividido em três partes que aparecem bem definidas por separadores informativos que se sucedem após o impacto do deboche inicial. Nessa primeira parte saberemos que Emilia (Katia Pascariu) é professora num colégio particular frequentado pelos filhos da classe nobre da cidade, e praticou em casa com o seu marido todos os atos que foram filmados e que agora pululam no espaço digital para quem os quiser ver, crianças e jovens em formação incluídos, o que pôs em polvorosa os pais dos alunos que frequentam o referido colégio. Sabendo Emília que tem de comparecer na reunião proposta pelos pais, ela pretende antecipadamente falar com a diretora Claudia Leremia, pelo que se desloca a pé pela cidade até sua casa. No caminho, a câmara informa-nos sobre a cidade da Bucareste, mostrando-nos lindas fachadas, casas em ruínas que ameaçam desastre, cartazes publicitários antigos e modernos como ainda detém-se a escutar altercações entre transeuntes para nos documentar a pulsação da cidade e a tensão latente com que se vive no dia-a-dia. Somos guiados por um cicerone conhecedor que nos informa e nos pergunta subliminarmente se gostaríamos de viver naquela cidade. Chegando à casa da diretora, o ambiente de tensão continua e de tudo o que se vê, nada nos agradaria mais do que sair dali para fora. Emi quando sai, depois de uma reunião prévia inconclusiva, continua a deambulação pela cidade que só nos reforça a ideia anteriormente transmitida.

A segunda parte reporta-se ao repertório ideológico da Roménia, aos valores, às tradições, aos provérbios coletado provavelmente na Wikipédia e noutras publicações da Internet que nos provocam um riso amargo pelas situações que nos são narradas sobre os mais variados aspetos sociais como, educação, saúde, trabalho, o estado e muitos outros aspetos, como a referencia a um jornal de 1944, quando a Roménia decide abandonar as tropas do eixo, em que a primeira página foi feita em duplicado podendo ler-se numa “Viva Estaline” e na outra “Viva Hitler” aguardando somente as ordens de última hora, mostrando-nos o lodo social, os princípios vazios e a verdade sob a qual aquela sociedade se pauta. Aparece tudo em flashes, com poucas palavras sobre uma imagem ilustrativa por si própria.

A terceira parte evoca a reunião para o despique com a professora onde estão representados os estereótipos sociais anteriormente referidos, o intelectual palavroso, o militar de carreira nacionalista by the book, os encarregados de educação de uma classe burguesa hipócrita, as senhoras que não falam para não se comprometerem com tamanho desaforo, a diretora que só quer é realizar uma votação para não ficar com o ónus da decisão. Todos em confronto com a professora Porno, como já lhe chamam, que apenas alega o direito de autoria do filme com o seu marido, como coisa íntima e pessoal que inadvertidamente ou maldosamente foi publicitado as redes sociais. Da discussão, emergem todos os defeitos sociais anteriormente apontados com o filme a olhar para a situação dando-nos a oportunidade de opção numa atitude saudavelmente provocadora das nossas convicções mais secretas.

Radu Jude é um realizador e escritor Romeno, nascido em Bucareste em 1977 com uma longa carreira internacional de realizações, que nos desafia sem reservas nem meias palavras com um filme provocatório, politicamente incorreto, sobre costumes e sociedade. Este é o seu filme de estreia no nosso país e provavelmente terá poucos aderentes em Portugal. Pelo meu lado confesso que gostei do modo cru, direto, irreverente e ousado com que aborda um tema tão sensível e tão atual como este, pelo que o recomendo.

Estreou nos cinemas em 9 de Setembro

Classificação: 7 numa escala de 10

 

17 de novembro de 2019

Opinião – “Mulher em Guerra” de Benedikt Erlingsson


Sinopse

Halla, uma ecologista de 50 anos de Reiquiavique decide enfrentar a indústria do alumínio num ato de justiça solitária, em prol da defesa do ambiente e contra o aquecimento global.
Começa então a sabotar as linhas de alta tensão para paralisar a fábrica, mas a notícia de que foi aceite para adoção de uma criança na Ucrânia abala os seus planos.

Opinião por Artur Neves

Benedikt Erlingsson não faz a coisa por menos, constrói um filme estranho, sem género definido, sobre uma história eco-terrorista e mistura nela, com alguma habilidade, diga-se, suspense, drama familiar, comédia sombria e realismo fantástico, apresentando um grupo de três músicos – tuba, acordeão e bateria – e um pianista errante, que acompanham um coro tradicional de cantores Ucranianos. Conjunto este, fora do real das cenas, ninguém os pode ver, apenas porque eles são propriedade do espírito de Halla (Halldóra Geirharðsdóttir) e acompanham-na em todas as situações tensas, acentuando essa tensão no início e posteriormente contribuindo para o seu desanuviamento, se assim se vier a verificar.
O grupo de músicos e o coro não fazem parte da ação, exceto no espírito de Halla que antecipando as dificuldades das ações que vai cometendo, excessivas em relação aos motivos que as justificam, assim as vai caraterizando ao longo do desenrolar da história, como que de um oráculo numa tragédia grega se tratasse, aparecendo nos momentos de risco a comunicar-nos e a envolver-nos nos seus atos heroicos.
As razões que Halla apresenta são a proteção da paisagem natural da Islândia, do funcionamento de uma refinaria de alumínio pertencente ao grupo Rio tinto, que ela diz ser um atentado à beleza natural do seu espaço rural, gloriosamente filmado por Bergsteinn Bjorgulfsson, diretor de fotografia.
Para o defender, ela mune-se de um arco e flechas para provocar um curto-circuito nas linhas de abastecimento de alta-tensão à fábrica de purificação de minério e posteriormente, numa massa explosiva de Semtex para destruir um dos postes de suporte da linha, interrompendo por mais tempo a alimentação de energia à refinaria.
Ninguém suspeita da alegre Halla, com cerca de 50 anos, simpática e participativa na comunidade, cujo trabalho normal é dirigir um grupo coral de adultos de pendor religioso, nem mesmo a sua irmã gémea Asa (também interpretada por Halldóra Geirharosdottir) que vive feliz, ocupada na sua elevação espiritual através da meditação e da prática de yoga e que tal como ela se propuseram em conjunto para adoção de uma criança em que Halla seria a mãe de acolhimento e Asa o garante de retaguarda para o caso de acontecer alguma coisa a Halla.
As coisas alteram-se quando Halla recebe uma carta informando-a que o seu pedido foi atendido e que ela poderá tornar-se mãe de uma menina ucraniana, Mika, apresentada numa fotografia em que toda a gente reconhece nítidas parecenças com ela.
Não caro leitor, a menina não é filha de um qualquer relacionamento anterior de Halla, ou de Asa e o filme é claramente anódino em matéria de erotismo ou esclarecedor sobre a orientação sexual de ambas. Um completo vazio.
A história foca-se somente na ecologia e na defesa da natureza e serve-se de um turista andarilho latino-americano, que é sempre conotado pelas autoridades e pelos midia como o responsável pelos atentados; Juan (Juan Camillo Roman Estrada) que assume a particularidade de estar sempre na hora errada no sítio errado, evidenciando uma certa discriminação negativa, algo incompreensível no contexto, quanto aos não nativos da Islândia.
O argumento é pois minimalista, sem subterfúgios nem twists, valendo-se apenas da beleza paisagística constituída por uma variedade de espaços abertos, grandiosos na sua diversidade geológica, maravilhosamente captados por um diretor de fotografia competente, avisando-nos para o futuro dramático que pode invadir aquela terra. Nada mais.

Classificação: 5 numa escala de 10