24 de maio de 2018

Opinião – “Terminal” de Vaughn Stein


Sinopse

Dois assassinos de aluguel (Max Irons e Dexter Fletcher) embarcam uma missão suicída, encomendada por uma pessoa misteriosa. Até que surge uma mulher perigosa, Annie (Margot Robbie), que está mais envolvida nessa história do que aparenta.

Opinião por Artur Neves

Vaughn Stein, realizador e autor do argumento desta história não linear recheada de mistério, apresenta elevado ecletismo no seu curriculum cinematográfico como realizador que não o indiciaria á partida como autor completo deste filme que nos traz Annie, (e Bonnie) uma femme fatale interpretada em bom nível por Margot Robbie, atriz multifacetada de muitos recursos, atualmente muito requisitada no meio e nomeada nos Oscares de 2018 para melhor atriz no filme; “I Tonya”, embora não tendo conseguido a desejada estatueta.
A história de “Terminal” é muito simples e breve, a magia reside na forma como nos é contada num cenário de fantasia, onde uma mulher, ora sedutora, ora frágil, ora pérfida e misteriosa seduz as suas vítimas num terminal de comboios abandonado para cumprir uma vingança de sangue que só no final compreenderemos, se para tal tivermos a necessária paciência que o desenvolvimento da história requer.
A forma de contar apresentada neste filme tem semelhanças com “Sin City” de 2005, embora sem a banda desenhada que o caracterizou, apresentando diálogos bem definidos e cenas de acordo com esses mesmos diálogos criando ligações entre os personagens que o realizador deliberadamente esconde o seu verdadeiro sentido deixando ao espetador a possibilidade de criar a sua razão e fundamento para tais atitudes que não têm direta relação com o eixo da história, mas tão somente um artifício para uma vingança que quanto mais fria se servir melhor será o seu sabor.
O ambiente onde a acão decorre é sombrio e pejado de sombras, vultos, esquinas e recantos que conferem mistério pelo que ocultam em si mesmo, e menos pela sua necessidade figurativa e cénica, contrastando com outras de um brilho excessivo que literalmente nos cega pela habituação à escuridão geral. Tal como na iluminação é um filme de excessos visuais que se veem com curiosidade, suspense e alguma incredulidade por durante a maior parte do tempo andarmos em círculos em busca de um sentido. Todos os personagens são solitários e apresentam traços de uma solidão tão densa como a escuridão que os envolve.
Lenta e porfiadamente as “pontas” começam a ligar-se e então tudo será compreendido e justificado. É o tempo em que a história ganha contornos de conto infantil, embora “gore”, considerando o abandono a que as meninas foram votadas numa altura em que a infância precisa de carinho e cuidados maternos para medrar saudavelmente. Quando tal não acontece o resultado pode ser surpreendente e permanecer latente até à consumação da vingança. Não é um filme comum, contado na sequência normal dos eventos que reporta e nessa caraterística reside o seu maior interesse.

Classificação: 5 numa escala de 10

16 de maio de 2018

Opinião – “ANON” de Andrew Nicool


Sinopse

Sal Frieland (Clive Owen) é um polícia confrontado com uma série de assassinatos que parecem interligados. Como qualquer detetive, propõe-se a encontrar o assassino, mas no futuro próximo ele tem uma vantagem distinta: nesta sociedade, a vida de todos é registrada ao microssegundo e guardada numa rede chamada The Ether, não havendo espaço para o anonimato. Quando, durante a investigação, Frieland se cruza com uma jovem (Amanda Seyfried) que não está associada a qualquer identificação, encontra a primeira pista de que a segurança da The Ether foi comprometida, e que alguém conseguiu editar registros de vida e, assim, encobrir os crimes. Frieland entra assim numa missão para encontrar uma mulher que não existe e desmascarar uma conspiração que vai muito para além do esperado.

Opinião por Artur Neves

“ANON”… de ANÓNimo ou de ANONimato, conta-nos uma interessante história passada num futuro próximo, (considerando a exponencial evolução informática) em que todos os seres de uma cidade, de uma empresa, ficam ligados entre si através de implantes cerebrais que possibilitam a visualização instantânea de todos os dados identificativos de cada individuo apenas pela proximidade entre eles e pelo acesso que essa proximidade reciprocamente confere à rede neuronal de controlo centralizado nas autoridades que os “conhecem” a todos.
Numa sociedade com estas características a privacidade não existe e o sigilo individual é uma metáfora. O problema surge quando na visualização com alguém com que nos cruzamos não nos são oferecidos quaisquer dados sobre essa pessoa, o que indicia uma de duas coisas; avaria do sistema ou edição dos dados para alteração, substituindo-os por um conteúdo conveniente de acordo com as necessidades individuais, o que é estritamente reservado, constituindo uma grave violação da lei.
É pois neste ambiente futurista, incluindo a informação em tempo real sobre todas as nossas ações, que Andrew Nicool desenvolve um denso thriller policial de um detetive a tentar identificar o autor de um assassinato para o qual os elementos descritivos da sua ocorrência foram apagados da base de dados, criando com isso um novo crime e um criminoso mais letal na pele do hacker que conseguiu essa proeza. O sistema não pode permitir tal intrusão.
O filme desenrola-se num ambiente verde-escuro que contamina todas as outras cores, conferindo um secretismo grave e uma solidão a todos os intervenientes que se torna espessa e tangível em muitas situações criadas. A cidade é nua de vida como a conhecemos, organizada, severa em todos os pormenores de relação social e os personagens estão bem defendidos pelos atores a que foram confiados. Em todos os seus contactos os afetos foram banidos e a ausência de privacidade é um dado significativo da sua relação.
O realizador Neozelandês Andrew Nicool é experiente na criação de histórias “fora da caixa” tais como; “Gattaca” de 1997 sobre a procriação in vitro, “Sim0ne” de 2002 sobre a criação de uma pessoa digital, “O Senhor da Guerra” de 2005 sobre as questões morais associadas ao tráfico de armas, “Sem Tempo” de 2011, “Nómada” de 2013 e “Morte Limpa” de 2014 sobre o remorso dum piloto de drones na guerra do Afeganistão, talvez o seu filme menos criativo mas ainda assim surpreendente pala abordagem que nos apresenta. Por tudo isto, e pela perspetiva da sociedade que nos é apresentada, ANON é um filme a ver, recomendo.

Classificação: 8 numa escala de 10

4 de maio de 2018

Opinião – “O Meu Belo Sol Interior” de Claire Denis


Sinopse

Isabelle é uma artista parisiense, mãe divorciada, em busca do amor, o amor ideal por fim.

Opinião por Artur Neves

Isabelle (Juliette Binoche; em minha opinião, a Meryl Streep europeia no que concerne á qualidade de representação) apresenta-nos neste filme um personagem agitado, seguro dos seus objectivos de busca do amor e simultaneamente fraco e vacilante, embora por motivos diferentes, quando em presença dos desafios que ele mesmo procura e não consegue segurar por falta de enquadramento com as suas aspirações de pureza.
Esta atriz com 54 anos não receia as cenas de nu que a história implica, embora com um virtuosismo subtil, considerando que tudo o que nos é mostrado situa-se no âmbito do decoro e da decência que o cinema Francês de culto nos habituou, indiciando uma sensualidade moderada que remete para a normalidade duma intimidade privada, tornando assim essas cenas anti eróticas. Esta abordagem só acentua a candura da personagem nos momentos em que a acção se torna dolorosa pela brusquidão dos seus pares.
A realização é da responsabilidade de Claire Denis, francesa, nascida em 1946 em Paris e com provas dadas como o demonstram “Uma Mulher em África” de 2009 e “35 Shots de Rhum” de 2008, investe agora neste género intimista de exploração dos desejos íntimos de mulheres que não aceitam falhar na sua vida amorosa e se lançam na procura do amor, sem receios e falsos pudores, mas tão-somente apresentando-se despidas dos inerentes subterfúgios do seu género para captar o que lhes falta. Isabelle, porém não pertence a esse grupo e Claire Denis consegue transmitir-nos isso através dos mais inofensivos diálogos onde se esconde uma sombra de dor ou de genuína solidão que mantem o espetador igualmente inquieto durante todo o desenrolar da história motivando-lhe uma atenção de pormenor.
A história que nos é contada inspira-se vagamente na obra “Fragmentos de um discurso amoroso” de Roland Barthes e justifica a forma como Isabelle procura o amor duma forma mais analítica do que emocional, embora sofra o desajustamento do seu preferido em compreendê-la, aproxima este filme mais de uma reflexão literária sobre os meandros da escolha amorosa do que duma experiencia cinematográfica próxima da comédia romântica onde o filme pretende inserir-se.
Sem menosprezar todos os outros intervenientes o trunfo deste filme chama-se claramente Juliette Binoche que ao interpretar esta “Isabelle” confere-lhe uma autenticidade singular integrando em todos os seus comportamentos, falas e atitudes os conceitos de análise dos diferentes amores que nos são mostrados servindo para ilustrar questões abstractas de um modo muito concreto. O melhor exemplo desta afirmação é o dialogo de Isabella com uma amiga na casa-de-banho em que ela assume diferentes facetas do relacionamento actual passando do tom jocoso para um desespero choroso com a maestria de uma grande diva. A sua excelência performativa é significativamente digna de registo.
No final temos que reconhecer que não conhecemos Isabelle, como talvez nem ela se conheça a si própria, considerando as experiencias falhadas ao longo da história em que tudo o que vimos foi somente um intervalo fugaz e efémero na vida de uma mulher. Gostei e recomendo.

Classificação: 7 numa escala de 10