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5 de junho de 2016

Opinião - "Aconteceu no Oeste" de Sergio Leone


 
Sinopse:
Em virtude das terras que possuía serem futuramente a rota da estrada de caminhos de ferro, um pai e todos os filhos são brutalmente assassinados por um assassino profissional. Entretanto, ninguém sabia que ele, viúvo há seis anos, se tinha casado com uma prostituta de Nova Orleans, que passa ser a dona do local e recebe a protecção de um hábil atirador, que tem contas a ajustar com o frio assassino.
 
Opinião por Marta Nogueira
"Aconteceu no Oeste" é um raro filme - raro por diversos motivos, o menor dos quais é quase caricato - o facto de ser um filme sobre o Oeste americano da responsabilidade de um italiano. Imagino que na altura - 1968 - os criadores do celuloide do outro lado do Oceano Atlântico se tenham roído de inveja, raiva e pura surpresa (não necessariamente por esta ordem) com esta obra primíssima. Porque a sua raridade recai ainda noutras duas características ímpares: a osmose perfeita entre técnica e narrativa, entre forma e conteúdo; e a superioridade da dita técnica.
Cada plano deste filme é uma obra de arte pensada ao mínimo detalhe e cada detalhe de cada plano deste filme é uma obra de arte pensado ao ínfimo pormenor. Como quadros, como sinfonias, como ovos de Fabergé cuidadosamente talhados nas suas minúsculas peças mecânicas que funcionam eternamente. Se piscarmos os olhos corremos o risco de perder milésimos de fita preciosíssimos carregados de jóias cinematográficas. E não estou a exagerar. Desde o primeiro segundo ao último.
E não é assim que todos os filmes deveriam ser?, perguntamo-nos, ao percebermos pela primeira vez na vida que até termos visto "Aconteceu no Oeste" nunca tínhamos visto o cinema no verdadeiro desabrochar de todas as suas potencialiadades e que apenas vislumbráramos fagulhas de uma gloriosa chama para a qual tínhamos sido completamente cegos e surdos.
A cegueira é uma boa analogia para um filme que vive também dos olhares magnéticos de três actores - os azuis rasgados, perspicazes e intocáveis do durão mais duro do cinema Charles Bronson; os azuis de um azul tão puro que quase doem, límpidos e puros do herói Henry Fonda que foi pela primeira vez escolhido para mau da fita e pela primeira vez também no cinema que um mau da fita foi o protagonista; e os castanhos nostálgicos e perdidos de Claudia Cardinale. É curioso pensar que o papel principal tinha sido recusado por Fonda, que depois foi convencido e que o papel de Bronson poderia ter calhado a Clint Eastwood que também recusou e não voltou atrás.
Embora tenha tido um começo pouco auspicioso, é hoje em dia justamente considerado uma obra-prima e uma influência incontornável para realizadores como Tarantino, Scorsese ou Lucas. E de facto basta ver os primeiros segundos de filme para nos lembrarmos imediatamente de Tarantino e de como ele deve ter visto o filme centenas de vezes enquanto trabalhava no seu videoclube há décadas atrás, antes de se aventurar nos meandros de Hollywood. Com professores destes era difícil não ter feito a carreira que teve. Justiça lhe seja feita por ter reparado nestes mestres algo esquecidos. Tarantino pode ter modernizado Leone, mas se quisermos a fonte pura, o clássico, o verdadeiro sabor então teremos de ver este filme. Não vê-lo, é como não conhecer os girassóis de Van Gogh ou a 9ª Sinfonia de Beethoven. Não conhecer "Aconteceu no Oeste" é um crime e merecemos levar com um balázio à boa maneira do velho Oeste.

25 de janeiro de 2016

Opinião – “O Padrinho” de Francis Ford Coppola

 
Sinopse:
Baseado no romance best-seller de Mário Puzo, o filme acompanha o patriarca da família mafiosa Corleone e toda a ascensão do clã siciliano e da sua quase perda de poder na América. Retrato da vida familiar e do negócio criminoso dos Corleone.
 
Opinião por Marta Nogueira
"A man who doesn't spend time with his family, can never be a real man."
Don Vito Corleone (Marlon Brando)
 
Para falar d' O Padrinho poder-se-ia escrever uma tese (como decerto já alguém se terá lembrado de fazer). Material não faltaria. As conotações são múltiplas. O espectro de história coberta também. O Padrinho atravessa várias culturas (não apenas a americana), várias tribos sociais (não apenas a Máfia) e centra-se na trave mestra sustentadora de qualquer sociedade, que é universal - a família, os laços de consanguinidade, a fidelidade (ou infidelidade) fraterna.
Para começar, poder-se-á afirmar que O Padrinho é uma saga trágica moderna, à maneira da tragédia grega clássica, com todos os ingredientes daquela transpostos para a actualidade.
A história d'O Padrinho é muito simples, percorrendo uma linha com princípio, meio e fim, muito fácil de resumir: Vito Corleone (Robert De Niro como jovem Vito, depois Marlon Brando como o patriarca Vito) emigra da Sicília para os EUA, onde constrói um poderoso negócio mafioso e se torna numa das famiglias que comandam o submundo do crime nova-iorquino. Vito tem 4 filhos - o irascível Sonny (James Caan), o doce Fredo (John Cazale), o corajoso patriota Michael (Al Pacino) e a única mulher Connie (Talia Shire - irmã de Coppola) e ainda um quinto filho adoptivo, Tom (Robert Duvall), o advogado da família. É suposto que seja Sonny o sucessor de Vito, o que tem mais fibra e garra e que parece seguir as pisadas do seu pai em todos os aspectos. Fredo é demasiado mole, Michael demasiado honesto (na verdade, ele nunca quis ter nada que ver com os negócios pecaminosos da famiglia), e Connie é mulher, arredada portanto, por género, da corrida. Mas Sonny é também o que mais pêlo na venta tem e essa ira terá como consequência a sua morte prematura, num assassínio vingativo que ficou para a história do Cinema como a morte com o maior número de balas jamais atirado sobre um só homem.
E é então que o reticente Michael, o filho pródigo que combateu pelo país na Guerra, porque a famiglia e os seus laços clamam mais forte, assume o papel de novo Padrinho, sucedendo ao seu pai defunto. À frente da família, Michael irá revelar uma personalidade de ferro, oposta a tudo o que a maioria dos cépticos preconizava como um falhanço total e conduzir a famiglia por negócios ambiciosos e prósperos.
Os dois primeiros capítulos da saga estão resumidamente contados. No terceiro capítulo, Michael tenta, em vão, legitimar o negócio, com ligações ao Vaticano e ao próprio Papa, desesperado por recuperar a sua família perdida - a mulher Kay (Diane Keaton), que de si se divorciou e a filha Mary (Sofia Coppola - filha de Coppola), prestes a perder-se irremediavelmente numa relação incestuosa com o seu primo direito, Vincent (Andy Garcia), filho ilegítimo do defunto tio Sonny. Vincent, por sua vez, personifica a amálgama das personalidades dos 4 irmãos juntos e será ele o sucessor de Michael.
No final, o sacrifício supremo - a bala que estava destinada a Michael, atravessa o corpo da filha e aquele perde tudo, para sempre.
A história, como as antigas tragédias gregas, é simples. A sua riqueza, o seu corpo, a sua complexidade e sumo, como nas antigas tragédias gregas, reside na intrincada teia de relacionamentos tecidos entre cada um dos seus personagens e no caldeirão de emoções habilmente esculpidos pelo mestre Mario Puzo (o escritor e argumentista), pintadas pelo mestre Francis Ford Coppola (argumentista e realizador) e animadas pelo fabuloso ensemble de actores reunidos nesta saga.
Finalmente, O Padrinho conta ainda com um ingrediente extra, difícil de superar - Marlon Brando, o extraordinário joker (como se lhe referiu Coppola quando com ele filmou mais tarde Apocalipse Now), um actor capaz de impossíveis extraordinários como o de transformar o corpo de um homem de 40 anos no de um decano de 60 e muitos, com tiques carismáticos que têm sido imitados por dezenas de outros actores e em dezenas de outros filmes e séries e que os verdadeiros mafiosi aplaudiram como a mais fiel e digna representação de si próprios no grande écran, ou em qualquer outro écran. Tudo isto sem transformar o personagem numa caricatura ridícula e inverosímil, mas conferindo-lhe a dimensão profundamente humana que sempre, sempre, em tudo o que fez, oferecia aos personagens a que dava vida (o pormenor do gato que acaricia em algumas cenas foi sua proposta, como muitas outras, e é, para mencionar apenas este, um toque de génio absoluto - estamos o filme inteiro à espera que aquele pescoço seja torcido, sem que isso aconteça jamais e por mais vezes que vejamos o filme, este receio nunca desaparece). Quando morre, provavelmente a melhor cena cinematográfica que um actor jamais representou no grande écran - todos choramos por ele. Porque aquele homem se nos entranhou na pele, a cinzel. Tivemos medo dele, assustou-nos, rimo-nos com ele, tivemos pena e identificámo-nos consigo. Ele enterneceu-nos, maravilhou-nos, odiámo-lo e amámo-lo, mas jamais lhe ficámos indiferentes. Quando morre, acreditamos realmente que morreu, não apenas porque a representação realista da sua morte é magistral, como sobretudo porque toda a história que construiu até àquele momento sustenta tudo o que sentimos.
O Padrinho é um mosaico extraordinariamente bem construído da máfia americana e dos seus tentáculos que se estendem pelas seis décadas da história moderna.
O Padrinho é um mosaico riquíssimo da história de uma única família, dos seus amores, das suas paixões, das suas lutas, dos seus negócios, das suas tempestades, dos seus laços e das suas tragédias.
O Padrinho é a história de um homem e do seu percurso desde a pequena vila de Corleone na Sicília, até ao rendilhado de pedra e aço da metrópole americana.
E O Padrinho é uma obra-prima de representação, construída com a maturidade, a paixão e a inesgotável jocosidade do Mestre dos Mestres da representação - Marlon Brando.
Por tudo isto, O Padrinho é uma obra incontornável, para qualquer espectador, cinéfilo ou não.

29 de novembro de 2015

Opinião - “Senna” de Asif Kapadia


Sinopse: 
 Junho de 1984, GP do Mónaco de Fórmula 1. Seis actuais ou futuros campeões mundiais estavam na pista, mas as atenções ficaram voltadas para um jovem que partira em 13º lugar e estava apenas na sua sexta corrida. Ultrapassando um a um, ele alcançou seu primeiro pódio e apenas não venceu devido a uma questão técnica. O seu nome era Ayrton Senna. A trajectória do tricampeão mundial, contada desde a ascensão no automobilismo até à sua morte em pleno GP de San Marino, em 1994, passando pela rivalidade com Alain Prost e os problemas enfrentados nos bastidores da Fórmula 1. 

Opinião por Marta Nogueira
"Quando morreu, eu disse que senti que uma parte de mim também tiunha morrido, porque as nossas carreiras tinham estado tão interligadas. E senti mesmo isso, mas sei que certas pessoas julgam que eu não fui sincero. Bom, tudo o que posso é tentar ser o mais honesto possível."
Alain Prost 

Há quem não goste de Ayrton Senna. Para muitos, ele era louco e imprudente, sem medo, sim, sem limites, sim, mas também imaturo, sem olhar a meios para atingir a vitória e quase naïve na forma como conduzia e como conduzia a sua vida dentro dos autódromos. Para muitos pode não ter sido, como pensa o grande Niki Lauda, o melhor piloto de todos os tempos. Foi, de certeza, o mais apaixonado de todos. Porém, a paixão, como todos sabemos, pode ferir irremediavelmente.
Assim foi quando o vimos imóvel, a cabeça tombada para um lado, enfiado no cockpit do seu Williams que acabara de embater a 218 quilómetros por hora numa barreira de cimento.
Aconteceu. É claro que a teoria mais defendida hoje em dia é a de que havia um grave problema com o carro e que Ayrton não conseguiu controlar a máquina, ele que as conhecia como mais ninguém. Com ou sem avaria mecânica, não importa, Ayrton morreu onde "deveria" ter morrido, porque conduziu o seu destino até àquele momento no tempo e no espaço. Se lhe perguntássemos onde gostaria de terminar os seus dias, talvez tivesse respondido na pista, a voar dentro de um Fórmula 1.
Essa, a Fórmula 1, acabou para muitos, quando Ayrton morreu. E quando Prost se reformou. E quando Mansel abandonou. E quando Shumacher começou o seu reinado frio e calculista. E quando a segurança, depois do que aconteceu naquele fatídico Grande Prémio de San Marino, foi reforçada num dos desportos mais perigosos do mundo, retirando-lhe grande parte da emoção que nos tinha oferecido durante décadas.
Porque não eram as máquinas que nos moviam. Eram as emoções das pessoas que as conduziam. A rivalidade mítica entre os dois melhores pilotos do mundo naquela época alimentava todos os Domingos uma multidão ávida. Prost e Senna, dois lados de uma mesma moeda, digladiavam-se todas as semanas nos circuitos mundiais a velocidades incríveis, mantendo-nos colados ao écran. Um, jovem, apaixonado, rápido e sedento de vitórias, o outro, maduro, experiente, racional, contido, jogador dentro e fora da pista. Duas formas de pensar e de agir totalmente opostas, ambas puras e viscerais. Recordo outras palavras do mesmo Niki Lauda, que se ajustam na perfeição a estes dois senhores: "Há pilotos puramente egoístas, como foi o meu caso, que só pensam em ser o melhor do Mundo, e há pilotos que fazem política para fortalecer a sua posição na equipa."
O documentário sobre a carreira de Ayrton Senna transporta-nos de regresso a essa década gloriosa da Fórmula 1 e reaviva todas as emoções adormecidas na nossa memória e que descobrimos estarem ainda muito presentes. Porque "Senna" não é apenas sobre Senna. É também sobre "o tempo de Senna". E é sobre a nemesis de Senna - Prost. É sobre a melhor época da Fórmula 1 e sobre uma parte das nossas próprias vidas, os que estávamos lá a assistir a tudo. E é sobre dois homens que se respeitavam profundamente e se admiravam secretamente.
Há quem não goste de Ayrton Senna. Mas a Fórmula 1 nunca mais foi a mesma sem ele. Senna pode não ter sido o melhor piloto do mundo, mas foi sem sombra de dúvida o mais apaixonado de todos. E Senna nunca teria sido Aquele Senna se Prost não existisse.