29 de março de 2018

Opinião – “O Ultimo Retrato” de Stanley Tucci


Sinopse

De visita a Paris, em 1964, James Lord (Armie Hammer), um escritor americano e amante das artes, é convidado pelo reconhecido artista Alberto Giacometti (Geoffrey Rush) a pousar para um retrato. Giacometti assegura a Lord que o processo demorará apenas alguns dias. Lisonjeado e curioso, Lord concorda em posar. Assim começa não só a história de uma peculiar amizade, mas também uma exploração, através do olhar de Lord, sobre a beleza, frustração, profundidade e ocasional caos do processo artístico. “O Último Retrato” é o retrato de um génio e de uma amizade entre dois homens profundamente diferentes, que vão ficando cada vez mais próximos um do outro, através de um singular e sempre mutável ato de criatividade.

Opinião por Artur Neves

Alberto Giacometti destacou-se no século XX como um escultor procurado e apreciado nas suas obras que distorciam a forma do corpo humano, estendendo-a desproporcionadamente como se quisesse ilustrar a distorção da alma humana que ele identificava no seu modelo, sempre minuciosamente observado e condicionado na sua opção de pose para modelo da sua obra. Giacometti manipulava a superfície e a textura dos materiais, profundamente deformados na constituição da sua obra de arte como a personificação material da corrente existencialista da época e do seu principal mentor, Jean-Paul Sartre com quem ele mantinha uma relação filosófica muito chegada.
Cada obra não tem qualquer relação com a seguinte, impregnando-as de uma individualidade distintiva, acentuada pelas suas deformações particulares, perseguindo obcessivamente um contínuo aperfeiçoamento nunca alcançado, conduzindo mesmo à destruição do trabalho feito, para através de um novo recomeço tentar o aperfeiçoamento da sua representação.
É esta personalidade doentiamente genial que Stanley Tucci, ator conhecido por várias interpretações de relativo sucesso, veste aqui a pele de argumentista e diretor, com base no livro do escritor James Lord, que descreve os últimos tempos da vida conturbada e caótica de Giacometti, sendo a pedido deste que ele se transforma em modelo para um retrato, durante um tempo muito para lá do inicialmente anunciado pelo artista, mas que serve de catarse para ambas as personalidades em confronto que passam a conhecer-se mais intimamente do que inicialmente esperariam.
É óbvio que não é um tema fácil para passar a filme, considerando que incide num tempo particular da vida de Giacomtti, que embora querendo refletir um resumo da sua biografia esbarra no tempo e no espaço em que a ação (monotonamente) se desenrola, 19 dias particularmente arrastados, sem qualquer rasgo dramático, repetitivo nos gestos e lugares como a essência da obra de Giacometti.
Todo o filme é pastelão, lento e previsível, provocando alguns bocejos pela espera da novidade que não acontece, mas ainda assim, para os mais interessados, permite apreciar a construção do personagem de Giacometti por Geoffrey Rush que revela o excelente trabalho do ator que aceitou esta “empreitada”, bem como, de James Lord por Armie Hammer, depois da sua intensa e competente interpretação de Oliver no recentemente oscarizado filme; “Chama-me pelo teu Nome”, já comentado neste blogue.
Apesar de todas as fraquezas apontadas rever estes dois atores é um motivo suficiente para justificar o visionamento deste filme, que decorre quase em “piloto automático” como não se pretende que seja apanágio da indústria cinematográfica.

Classificação: 4 numa escala de 10

25 de março de 2018

Opinião – “Peter Rabbit” de Will Gluck


Sinopse

Peter Rabbit, o adorado personagem das histórias infantis, chega ao cinema numa irreverente e contemporânea comédia cheia de atitude.
A disputa entre Peter Rabbit e o Sr. Gregório (Domhnall Gleanson) pela horta aumenta quando ambos passam a rivalizar pela atenção da bondosa vizinha Bea (Rose Byrne). Peter, com a ajuda do seu primo Casimiro e das suas irmãs trigémeas Flopsi, Mopsi e Rabinho-de-Algodão, vão meter-se em divertidas aventuras.

Opinião por Artur Neves

A utilização da plácida figura do coelho bravo, destemido e sagaz, nas histórias infantis não é recente, nem única. Bugs Bunny, quiçá o mais famoso coelho do cinema, (e o mais produtivo do ponto de vista de receita de bilheteira) “nasceu” em 1938 pela mão de Leon Schlesinger da Warner bros. Cartoons e fez carreira em curtas-metragens incluídas na série Looney Tunes e Merrie Melodies ainda na lembrança de muitos leitores desta crónica.
Posteriormente conciliou-se o desenho animado com figuras humanas onde se atingiu um significativo ranking com o filme “Quem tramou Roger Rabbit” de 1988, com a parceria entre a Touchtone Pictures e Amblin Entertainment de Steven Spielberg numa história de filme noir passada em 1947 e tendo obtido um significativo sucesso.
Desta feita, no caso de “Peter Rabbit”, uma versão atualizada dos personagens clássicos de Beatrix Potter, temos uma fábula tradicional bucólica, de rivalidade entre a cidade e o campo onde uma família de coelhos, encabeçada por Peter, procuram obter a sua subsistência á custa da horta do vizinho McGregor, coronel reformado, que lhes dá renhida luta, sem contudo evitar a pilhagem da sua horta por Peter Rabbit e restante pandilha, protegida e acarinhada por Bea, a vizinha defensora da natureza.
Com a morte do velho McGregor, entra em cena o seu sobrinho herdeiro Thomas McGregor, que se vê obrigado a abandonar a cidade de Londres, onde faz carreira no Harrods mas que vê a sua vida transformada ao reconhecer os benefícios da vida no campo e ao sucumbir aos encantos de Bea, pintora de tempos livres e amante da natureza, para quem Thomas, igualmente deixa de ser um estranho da cidade.
O filme é realizado em formato live action / animação computacional, utilizando meios sofisticados que permitem conciliar a confrontação entre atores humanos e animais reais sendo estes posteriormente tratados digitalmente em todas as suas ações e diálogos assegurados por atores convidados que emprestam aos coelhos a sua voz e as suas emoções.
Inicialmente o primeiro trailer do filme não foi bem aceite pela crítica, por algumas cenas contrariarem o espírito da história de Beatrix Potter, mas o segundo, mais ameno e coerente com os valores da vida ao ar livre, deu início a uma carreira mundial que até agora já arrecadou cerca de US$150 milhões e se espera que continue na senda do sucesso. Compreende-se que pode não agradar a todos, mas tem de se reconhecer que em tempo de Páscoa, coelhos e ovos, (embora sem qualquer relação entre si) são adequados à quadra e como tal podem constituir um divertimento agradável para os mais pequenos em férias escolares.

Classificação: 5 numa escala de 10

16 de março de 2018

Opinião – “Gringo” de Nash Edgerton


Sinopse

Harold Soyinka (David Oyelowo) trabalha para a Cannabax Technologies Inc, uma empresa que desenvolveu o "Weed Pill", a maconha medicinal que foi simplificada em uma pílula. Harold conhece o rumor de que a empresa vai avançar com uma fusão, mas é negada por seu chefe, que também é seu amigo. Os chefes de Harold, Elaine Markinson (Charlize Theron) e Richard Rusk, (Joel Edgerton) viajam com ele para o México para lidar com a fabricação do produto. Ele também sabe que sua esposa o deixou enquanto está tendo um caso com Richard. Enquanto está bêbado, Harold acaba sendo sequestrado pelo cartel, que mantém reserva contra os patrões de Harold e sua empresa, por esta os eliminar dos seus planos na criação da pílula de erva daninha. Richard contrata seu irmão Mitch, (Sharlto Copley) que é um ex-mercenário, para resgatar Harold de maneira a que ambos acabem por sobreviver a uma situação ultrajante para todos inclusive para a própria empresa nos USA.

Opinião por Artur Neves

Pela leitura da anterior sinopse pode inferir-se que “Gringo” não é um filme sem surpresa, ação, história dinâmica recheada de twists no argumento, com todos os ingredientes portanto, para constituir um agradável espetáculo de fim de dia em que se precise de descansar e esquecer a pressão do trabalho. Nash Edgerton, Australiano de nascimento e irmão de um dos atores desta história constrói neste filme um enredo multifacetado, bem concebido, recheado de ação que se aceita sem esforço e com um desenlace que aponta para um romance improvável mas sincero, como que prometendo-nos que a vida real não é tão catastrófica como ele a pinta nesta aventura alucinante de 112 minutos.
Joel Edgerton, irmão do realizador, já nos ofereceu bons desempenhos noutras obras para o qual já tem uma nomeação para um Oscar, apresenta-se nesta história como o cabecilha da trama que pretende trapacear a empresa á custa no nosso herói, Harold Soyinka, trabalhador pacato, de boas maneiras e bom trato que não imagina o que se está a formar nas suas costas e à sua custa para benefício exclusivo de terceiros que só pretendem tirar disso vantagens.
A história não é previsível e mantém o espetador interessado durante todo o visionamento mantendo a expectativa em todas as situações mesmo em cenas em que se pode julgar ser o fim das surpresas mas que novo twist no argumento reacende o interesse e a expectativa para uma solução final que não se vislumbra.
A ação é suficiente, bem desempenhada sem ser demasiada ou demasiado forçada aceitando-se sem muita resistência como razoavelmente plausível. O argumento não deixa “pontas soltas” numa história sequencial que se vê com agrado e em que Charlize Theron está igual a si própria. Recomendo, como sendo quase duas horas de bom divertimento.

Classificação: 7 numa escala de 10

14 de março de 2018

Opinião – “Pequena Grande Vida” de Alexander Payne


Sinopse

Um grupo de cientistas noruegueses descobre uma forma de encolher seres humanos e assim perspetivar uma mudança global em 200 anos que poria fim à ameaça de extinção de recursos. É assim que Paul Safranek e a sua esposa Audrey decidem abandonar as suas vidas stressantes, em Omaha, para se tornarem mais pequenos e mudarem para uma comunidade encolhida – uma escolha que irá mudar as suas vidas.

Opinião por Artur Neves

Antes da apreciação desta peregrina história julgo necessário elucidar o leitor sobre um risco a que todos estamos sujeitos decorrente do aquecimento global, provocado pela acumulação nas altas camadas atmosféricas de gases de efeito estufa. Esse aquecimento tem provocado o degelo da calote gelada do Artico e com ela a redução de espessura da camada gelada subterrânea designada por permafrost, que contém no seu interior elevadas quantidades de biomassa em fase de putrefação, geradora de metano, um gás por excelência causador do efeito estufa, que se libertado na atmosfera por rutura do seu contentor iria elevar drasticamente a temperatura na terra conduzindo-nos inevitavelmente ao extermínio e ao fim da existência tal como a conhecemos.
Considerando esta ideia, Alexander Payne conta-nos uma história com objetivos ecológicos, tendente a reverter esta calamidade através da redução de dimensão da espécie humana à altura individual de cerca de 12 cm justificando que assim produziríamos em 4 anos os detritos que atualmente produzimos em cerca de uma semana, reduzindo assim a tendência de poluição ambiental que todos conhecemos. Não resisto a comparar pela negativa esta ideia com aquela frase que diz: “se todos fosse-mos mais gordos vivíamos mais unidos” numa clara referência à utopia da união através o aumento de volume físico.
Contendo ainda outras complicações do foro sentimental, para compor o ramalhete como filme a história agrupa estes “heróis” da salvação do mundo numa congregação de liberdade, paz e amor e culto ao sol, do qual se despedem para “hibernar” numa caixa guardada nas entranhas da terra à espera que o cataclismo esperado lhes restitua o tempo de redenção e de retorno como catalisadores de um novo princípio e de uma nova ordem, como seres pequenos e mais inócuos à contaminação ambiental.
O que mais me espanta é que Alexander Payne é a mesma pessoa que já nos deu obras excelentes, tais como; “Nebraska” em 2013, e “Os Descendentes” em 2011, ou “As confissões de Schmidt” em 2002 e esse magnífico road movie que é “Sideways” em 2004 e apresenta-nos aqui esta aberração mental durante 136 minutos que desde cedo me levou a pensar nas razões desta história e a concluir inevitavelmente que Alexander Payne passou-se!...
Classificação: 3 numa escala de 10

2 de março de 2018

Opinião – “Proud Mary – A Profissional” de Babak Najafi


Sinopse

Taraji P. Henson é Mary, uma assassina profissional que trabalha para uma família de crime organizado em Boston.
A vida de Mary muda radicalmente depois de conhecer um rapaz com quem se cruzou num dos seus golpes profissionais que correu mal.

Opinião por Artur Neves

Costuma dizer-se, numa descrição simplista da atividade cinematográfica que: “o cinema dá o que a vida tira”. No contexto da frase, “o que a vida tira”, ou melhor o que se vai perdendo ao longo da vida; é a inocência, a crença num bem maior, a beleza das pequenas coisas e dos pequenos gestos das pessoas. Ora neste filme tudo isso é recuperado através da vivência na tela durante a duração do mesmo, embora se trate duma ficção sem laivos de contacto com qualquer realidade deste mundo, exceto no que concerne á violência dos atos e atitudes dos seus personagens.
A história desenvolve-se no mundo do crime, das famílias de criminosos traficantes de droga que combatem entre si pela disputa das áreas de intervenção e de controlo de distribuição e venda do produto através dos passadores que são os seus escravos e os “donos” dos viciados que deles dependem. É pois neste meio que Mary (Taraji P. Henson) desempenha o papel de assassina profissional e agente de cobranças difíceis, a mando da família de Benny (Danny Glover) que a adotou e lhe ensinou os segredos da “arte”, e do seu filho Tom (Billy Brown) principal executivo das tarefas inerentes ao negócio da família.
Mary é portanto uma competente assassina a soldo que se sensibiliza pelo filho Danny (Jahi Di’Allo Wiston) de uma das suas vítimas, depois de sem qualquer contemplação ter morto o pai do rapaz. Segue-lhe os passos, toma conta dele, dá-lhe um sentido para a vida e protege-o, por remorso, por instinto maternal, ou por outra virtude que o leitor interprete da história, quando vir o filme.
Apesar destas contradições, a história tem ação bem desempenhada, daquelas em que muitos vilões, com muitas armas disparam sem ferir ninguém e Mary com tiros certeiros de pistola mata todos, sofrendo apenas ligeiros arranhões. Bons automóveis que depois de esburacados como um passador continuam em movimento como que saídos do stand, e cenas de pancadaria e de tortura capazes de eliminar os mais fortes mas que ali servem apenas para os neutralizar temporariamente.
Todavia, a história contém ainda outros twists que embora não sendo imprevisíveis através do desenrolar dos acontecimentos, vão tentando dar corpo e esta ficção improvável e de alguma maneira divertindo o espetador, que pode tomar para si outros pontos de vista da essência da história, diferente do que eu lhe descrevo nestas linhas, estando aí o seu mérito, embora reduzido á expressão mais simples da eterna luta entre o bem e o mal. Diverte, tem muita ação e permitirá ao espetador optar pela justificação que mais lhe agradar.

Classificação: 4 numa escala de 10

1 de março de 2018

Opinião – “Fidelidade sem Limite” de Michael R. Roskan


Sinopse

Em “Fidelidade sem Limite” quando Gino (Matthias Schoenaerts), conhece Bibi (Adèle Exarchopoulos), é a paixão. Total e incandescente. Mas Gino tem um segredo. Daqueles que colocam tanto a sua vida como a vida dos que o rodeiam em grande perigo. Gino e Bibi terão de lutar contra tudo e todos: contra a razão e contra as suas próprias famílias para se manterem fiéis ao seu amor.

Opinião por Artur Neves

Viciados que estamos no cinema de romance e aventura vindo do outro lado do Atlântico é comum à maioria do público cinéfilo alguma suspeita sobre os filmes europeus do género thriller, muito particularmente quando falados em idioma Francês, normalmente mais aceites em comédias românticas com alguma (ou mesmo muita) “pimenta” à mistura. Pois bem, temos neste filme uma história que quebra esses padrões pré-estabelecidos, com muita ação bem desempenhada, a enquadrar um caso de amor total, completo e infinito para lá da finitude do objeto desse amor.
A história desenvolve-se no ambiente abastado do desporto automóvel da fórmula 1 onde se concretiza a paixão de Gino por Bibi, uma menina de família que pilota os carros F1 do pai, com o sucesso suficiente para se destacar no meio. Esse amor improvável consuma-se em cenas de amor escaldante em que ambos estão muito bem, construindo as sementes de uma união que os vincula um ao outro para lá do que seria expectável, considerando a sua diferença de estrato social e pressão familiar de Bibi.
Gino (também conhecido por Gigi) desenvolve uma atividade paralela de assaltos a bancos e a carros de valores, com os seus companheiros de infância pobre e tumultuosa, amigos com temperamento revoltado e espírito vingativo para uma sociedade que lhes foi madrasta no princípio das suas vidas. Gigi, porém, consegue ter a sensibilidade para arrebatar o coração de Bibi pretendendo através desse amor a redenção dos seus atos e a correção do seu destino que lhe é negado mais uma vez pela sociedade que justamente não perdoa os seus anteriores atos que incluem crimes muito graves.
Só nos romances de cordel é que o amor tem o poder redentor absoluto e esta história é uma ficção sobre a vida real, seus dilemas e castigos que vêm na forma do sofrimento pessoal através do sofrimento da pessoa amada. Eles são realmente dois seres sem rumo, ela por lhe ter sido dado tudo, ele por nunca ter tido acesso a nada, nem mesmo ao amor filial durante a infância recheada de nada e de abandono.
O amor que os une empurra-os para soluções cada vez mais complicadas na faixa mais sombria da escala social e o realizador consegue dar-nos a imagem de um mundo que existe, dissimulado entre os negócios de fachada para encobrir atividades ilícitas que o dinheiro tudo compra com a crueza e o realismo adequados. No final, no fim da existência de um dos amantes, quando já nada tem valor, o outro fica, fiel ao amor (“Le Fidele” no título original). Recomendo, vê-se com agrado.
Classificação: 6,5 numa escala de 10