23 de outubro de 2019

Opinião – “Vitalina Varela” de Pedro Costa


Sinopse

Vitalina Varela, 55 anos, cabo-verdiana, chega a Portugal três dias depois do funeral do marido. Há mais de 25 anos que Vitalina esperava o seu bilhete de avião.

Opinião por Artur Neves

A autenticidade desta história valeu-lhe a distinção conferida pelo Leopardo de Ouro do Festival de Cinema de Locarno (Suíça) 2019 que também premiou com o Boccalino d’Oro a atriz principal, Vitalina Varela tendo assim sido distinguida com o prémio de melhor atriz do festival.
Vitalina Varela é assim a protagonista que responde por ela própria num argumento escrito em coautoria com o realizador Pedro Costa, que ela desempenha com autoridade, competência e uma demonstração de força humana assinalável considerando que se trata de “defesa em causa própria”. Tendo sido abandonada pelo marido quando este emigrou para Lisboa á procura de melhorar a vida, foi ela que aguentou tantos anos a casa da família que construiu com ele em Figueira das Naus na pobre ilha de Santiago, onde trabalhava a terra em busca do seu sustento. Quando finalmente em 2013, com 55 anos, ela consegue o desejado bilhete de avião, aterra em Portugal (num aeroporto irreconhecível como sendo o de Lisboa) e se dirige ao bairro das Fontainhas, onde a história decorre, Joaquim Varela já tinha sido enterrado há 3 dias.
O resumo descrito anteriormente é-nos fornecido ao longo da narrativa (e complementado por leituras adicionais) em que Vitalina interage com outros imigrantes que se posicionam estáticos na cena, imóveis, em posições predefinidas, sentados ou em pé, que debitam os diálogos de modo pausado, no tom mais monocórdico possível sem revelar qualquer emoção, para lá do abandono e da miséria em que vivem e da autocomiseração pelo seu estado e pela morte do companheiro que partiu.
O ambiente em que a maioria dos diálogos se verifica é o interior do casebre em que Joaquim vivia, filmado com pouca luz e produzindo acentuadas sombras negras que se confundem com a pele dos personagens, ressaltando somente os olhos que os identificam como pessoas, naquele negrume sombrio, pobre e que se adivinha fétido. Esta técnica do chiaroescuro, que se define pelo contraste entre luz e sombra na representação de um objeto, foi utilizada com êxito na pintura renascentista do século XV, (Ugo da Carpi, Giovanni Baglione ou Caravaggio) mas quando transposta para o cinema durante mais de 120 minutos a enquadrar ambientes opacos e diálogos estáticos, cansam o espectador e desmotivam a sua atenção do assunto em apreço.
Os ambientes mudam com as cenas que se sucedem, mas os personagens são os mesmos e a dinâmica do filme é sempre igual; parada… muito parada… plasmada mesmo, num objeto ou numa rua, sempre escura e indefinida, impondo uma fotografia que tresanda à escola de Manoel de Oliveira. Para lá dos diálogos, o som do filme permite intuir um ambiente externo descontraído com crianças a brincar e homens e mulheres a falar e a rir, que acentua o contraste com aqueles quadros de dor, solidão e tragédia intimista que questiona o aqui e o agora daquelas vidas.
Devemos considerar também que este é um cinema que se pode considerar “artesanal”, filmado em formato 4 x 4, com baixo orçamento, em que os atores e a própria Vitalina não são profissionais, são pessoas reais que se prestaram à representação, que representaram um texto que foi filmado por Leonardo Simões, mas por mais boa vontade que tenhamos, não posso aceitar que cinema seja confundido com teatro filmado.
A salvar toda esta pasmaceira temos a protagonista, que apesar das suas expressões paradas enquanto fala, enquanto longamente olha para o vazio ou enquanto desenvolve algumas ações que carecem de alguma justificação no contexto, enfim, a autenticidade da sua presença alivia a “punição escura” que o filme nos impõe, embora que para mim, não chegue para mais do que mostra a classificação atribuída. Compreende-se a mensagem, mas não gostei da forma e o cinema Português continua a ser para mim uma arte estranha.

Classificação: 3 numa escala de 10

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