27 de dezembro de 2019

Opinião – “The Grudge: A Maldição” de Nicolas Pesce


Sinopse

“The Grudge: A Maldição” é protagonizado por Andrea Riseborough Demián Bichir, John Cho, Betty Gilpin, Lin Shaye e Jacki Weaver. Baseado no filme “Ju-On”, escrito e realizado por Takashi Shimizu, “The Grudge: A Maldição” é produzido por Sam Raimi, Rob Tapert e Taka Ichise.

Opinião por Artur Neves

The Grudge, que significa realmente maldição tornou se um franchise de terror desde 2002, data em que foi realizado por Takashi Shimizu o primeiro filme com o nome “Ju-On”. Seguiram-se duas sequelas em 2004 e 2006, realizadas pelo mesmo autor e com um argumento muito semelhante, considerando que a maldição desperta em todos os locais onde se consuma um assassinato com raiva e se manifesta como uma criança demoníaca.
Em 2009 apareceu uma versão americana da autoria de Toby Wilkim e agora em 2020 (ano de estreia) aparece esta versão também americana realizada por Nicolas Pesce que está em apreciação nesta crónica. Adicionalmente, com origem também nos USA, apareceram dois filmes com o mesmo argumento do “The Grudge”, batizados de “The Ring” (O Anel) o que significa que esta história tem os seus admiradores fiéis em pessoas que procuram uma exaltação constante de medo e surpresa.
É o que se passa neste filme. A história começa pelo anúncio de um crime numa casa também envolvida num assassinato semelhante anos antes. Esse crime, ainda não resolvido provocou sequelas psicológicas nos detetives envolvidos na investigação, um dos quais, Officer Michaels (Bradley Sawatzky) foi apanhado pela maldição, o que lhe causou perturbações mentais ao ponto de ter sido substituído pela Detective Muldoon (Andrea Riseborough) uma agente que perdeu o marido recentemente e procura nova vida para ela e para o filho noutra cidade, um novo recomeço, pensava ela, antes de lhe entregarem e ao companheiro de equipa, Goodman (Demián Bichir) este caso que lhes motiva a visita á casa dos mortos com elevada relutância de Goodman.
Muldoon, na tentativa de vencer este novo desafio posto no seu caminho, voluntaria-se para efetuar a visita à casa, onde encontra Faith Matheson (Lin Shaye, a veterana atriz da série de filmes “Insidious”, 1, 2 e 3, que prova que isto anda tudo ligado) e o cadáver do seu marido já em prolongado estado de decomposição como só o cinema sabe fantasiar e produzir.
Segue-se a descoberta de um automóvel batido contra uma árvore à beira da estrada, onde jaz um corpo indefinível, também em elevado estado de decomposição, bem como, rostos ensanguentados no escuro, ou através do seu reflexo em espelhos, ou movendo-se na sombra, criando no espectador estupefação e surpresa por parecerem eventos isolados e desconexos e são nos realmente, até o realizador porfiadamente os ligar através de flashbacks que compõem meticulosamente a linha do tempo e da história que lhe deu origem sem deixar pontas soltas.
É pois terror de bom nível ao estilo tradicional, suportado por bons efeitos especiais de caracterização, bom ritmo de surpresa e capaz de entusiasmar os mais jovens que ainda se prendem nestas histórias de fantasmas e de mortos que procuram a luz para cativar os vivos para o seu mundo. Vale enquanto dura e a memória dissipá-lo-á com a mesma vertigem com que entrou, recordando-se apenas que com aquele fim é mais do que certo que nova sequela já está em gestação.

Classificação: 4 numa escala de 10

26 de dezembro de 2019

Opinião – “The two Popes” de Fernando Meirelles


Sinopse

Por trás dos muros do Vaticano, o conservador Papa Bento XVI e o futuro liberal Papa Francisco devem encontrar um terreno comum para criar um novo caminho para a Igreja Católica.

Opinião por Artur Neves

Este é terceiro filme da plataforma Netflix que coleta 6 nomeações na categoria de melhor filme para os Golden Globe Awards de 2020, realizado por Fernando Meirelles, realizador brasileiro que já nos deu “Cidade de Deus” em 2002 e “Ensaio sobre a Cegueira” em 2008.
Desta vez apresenta-nos um drama biográfico baseado na obra teatral de Anthony McCarten; “O Papa” de 2017, que foi adaptada para cinema pelo próprio autor e que relata um encontro fictício no Vaticano entre Bento XVI e o então cardeal Mário Bergoglio, futuro papa Francisco I, em que são abordados os atuais problemas da fé, por dois homens que se apresentam como pessoas comuns, com dúvidas, fraquezas e vacilações.
A narrativa que nos é apresentada sobre a conversa entre os dois homens, pode considerar-se uma visão criativa do estado atual da igreja católica, onde a fé já não se aceita como o dogma inspiracional que deu origem a essa crença que deve ser seguida sem questionamento nem prova, numa altura em que são revelados crimes tão zelosamente guardados pela oligarquia do poder espiritual, numa desesperada atitude de manutenção do status quo que os protege.
Entre outros assuntos, nessa conversa, o Papa Bento XVI, Cardinal Ratzinger (Anthony Hopkins) revela o seu desejo de resignação do cargo por "falta de força da mente e do corpo" devido à idade, ao cardeal Jorge Mario Bergoglio (Jonathan Pryce) que o incentiva a continuar na função, referindo-lhe ser o primeiro papa em quase 600 anos de vida da igreja que usa esse argumento para deixar de ser o representante de Pedro na terra.
A igreja de Bento XVI está pejada de escândalos e ele não sente capacidade para os denunciar ou reverter, as pressões são demasiadas para as suas débeis forças. Bergoglio assume-se como crítico da gestão de Bento XVI e para não entrar em choque com ele solicita licença para aposentação, que não lhe é concedida. Desse diferendo resulta uma série de discussões e discordâncias filosóficas sobra a natureza do dogmatismo da fé, do pecado e do perdão e em que direção a igreja deve seguir para manter a relevância da sua atividade num mundo que parece estar apostado em prescindir dela.
O êxito do filme assenta na exímia performance dos dois atores que defendem duas personagens ostensivamente opostas. Bento XVI é um teólogo conservador, fechado na sua torre de marfim, avesso às questões mundanas que desviem o seu pensamento da academia da fé e que falhou ao permitir o encobrimento de alegações de abuso sexual de crianças por alguns clérigos. Bergoglio, pelo contrário é um cardeal do povo, que o filme mostra em vários flashbacks quando jovem e na década de 70 na Argentina, quando foi acusado de mostrar alguma aceitação pela ditadura militar responsável pela morte de milhares de pessoas. Todavia, ele vive entre o povo e com o povo e desmultiplica-se por variadas ações de cariz social e ecuménico que lhe conferem idoneidade e presença.
Em última análise Anthony Hopkins e Jonathan Pryce posicionam-se como os atores de uma comédia de amigos incompatíveis e são extraordinários nos seus papéis. Hopkins constrói um Bento arrependido por nunca se ter aberto ao mundo o que contradiz a sua retórica conservadora tradicional, da igreja católica e Pryce oferece-nos um personagem encantador, expressando provocação e inteligência desafiadora das premissas de Bento. Para o excelente desempenho de ambos vai toda a classificação indicada a seguir.

Classificação: 9 numa escala de 10

20 de dezembro de 2019

Opinião – “Dark Waters: Verdade Envenenada” de Todd Haynes


Sinopse

Baseado numa história verdadeira e um forte candidato aos Óscares. Robert Bilott (Mark Ruffalo) é um advogado de defesa que confronta a empresa química DuPont para expor um horrível segredo de poluição ambiental.

Opinião por Artur Neves

Este filme conta uma história verdadeira e atual que ainda continua em tribunal na discussão do valor de indemnização a pagar às vítimas da intoxicação provocada por contaminação da água dos rios e da água distribuída aos habitantes da pequena cidade da Virgínia Ocidental durante décadas. O argumento foi baseado no artigo do New York Times; “O advogado que se tornou o pior pesadelo da DuPont” e reporta-se à luta entre “David e Golias” em que a figura central é o advogado Robert Bilott (Mark Ruffalo) que empenhando a sua própria carreira, a sua estabilidade financeira e a sua saúde, desenvolve um processo contra a gigante da química, DuPont, em busca da justiça e da verdade, que a empresa conhecia mas ocultava, na busca do lucro.
O filme conta assim uma perturbadora história de horror sobre a má conduta corporativa da DuPont, permitindo a Todd Haynes construir um thriller de direito e tribunal, dando ênfase à promiscuidade existente entre os grandes monopólios industriais e os governos que pactuam dissimuladamente com as suas atividades.
A história começa pelo pedido de intervenção de Wilbur Tennant (Bill Camp), um fazendeiro proprietário de uma quinta na vizinhança da casa da sua avó, para que o defenda na luta contra a empresa que ele crê ser a responsável pela estranha morte de centenas de cabeças do seu gado. Os animais adoecem lentamente, tornam-se vacilantes, por vezes violentos, atacando sem razão o fazendeiro, que em algumas situações é obrigado a matá-los para sua própria defesa.
Tennant possui um registo videográfico do comportamento dos animais doentes e vários órgãos completamente anormais dos animais mortos, após a autópsia a que ele os submeteu. Com base nessas evidências, Robert Bilott desenvolve a investigação, confronta a DuPont obrigando-a a ceder a documentação relativa aos seus parâmetros de produção e conclui que o problema é mais vasto do que inicialmente previra, considerando que as pessoas da cidade são igualmente afetadas pela intoxicação.
Robert Bilott (Mark Ruffalo) tem um desempenho sóbrio como o advogado que embora sem discursos teatrais, cumpre zelosamente a sua tarefa, porfiando os indícios e coletando provas que exibe discretamente mas com firmeza em tribunal, mesmo contra a vontade dos sócios do seu escritório, encabeçados por Tom Terp (Tim Robbins) que constrói um personagem inteligente e árbitro, entre a justiça e o interesse dos sócios, que receiam não conseguir entrar no circulo restrito dos contratados da grande indústria.
Sarah Bilott (Anne Hathaway) no papel de esposa de apoio de Robert, desempenha com competência o que lhe mandam fazer e mais não faz porque o argumento não lhe dá essa oportunidade. Temos assim uma história que combina drama com biografia e jornalismo, apresentada de uma forma escorreita que nos mostra os perigos que desconhecemos e a que estamos sujeitos, bem como, que apesar de vivermos em sociedade e pagarmos impostos, estamos entregues a nós próprios.

Classificação: 6,5 numa escala de 10

18 de dezembro de 2019

Opinião – “O Irlandês” de Martin Scorsese


Sinopse

O Irlandês conta a história de Frank Sheeran "The Irishman", um sindicalista e veterano da Segunda Guerra Mundial que se torna num assassino a soldo para a máfia. Agora velho, e incapacitado numa cadeira de rodas, Sheeran começa a refletir sobre os eventos que definiram a sua carreira no mundo do crime organizado, no seu envolvimento com a família Bufalino, e nas suas escolhas e ações que tiveram um papel decisivo no desaparecimento do seu amigo de longa data, o líder trabalhista Jimmy Hoffa.

Opinião por Artur Neves

Mais um filme que só pode ser visto na plataforma de streaming Netflix. Até agora já conseguiu 5 nomeações ao prémio de melhor filme na categoria de “drama”. No conjunto de 3 das suas realizações para a cerimónia 77º dos Golden Globe Awards, de 5 de Janeiro 2020, conta já com 17 nomeações para a mesma categoria, sendo o terceiro filme; “The two Popes” a estrear em 20 de Dezembro no Reino Unido, merecedor de 6 nomeações. Isto pode significar uma mudança de paradigma para a indústria da sétima arte, que não é um mal em si mesmo, mas que exige alguma adaptação dos espectadores e de outros meios técnicos para usufruir de idêntica qualidade de visionamento numa sala de cinema.
A história é contada como sendo as memórias de Frank Sheeran (Robert de Niro) no final da sua vida, retido numa cadeira de rodas numa casa de repouso, em que ele se confessa a um padre ou fala para si, não interessa, porque o importante é o facto dele, agastado pela idade e sem interesse em ser considerado como herói ou vilão, recorda a sua vida duma maneira que compreendemos que interferiu na vida de todos os americanos sem que na altura eles se tivessem apercebido.
Como certa crítica internacional tem referido, este é o filme cúpula da obra de Scorcese, ao que eu me permito discordar, considerando antes a ilustração do prazer perverso que ele tem em mostrar o pecado humano, bem como, a sua consequência na alma humana, (veja-se “Taxi Driver”) construindo inexoravelmente um ato final assombrado pela velhice, pela incapacidade física e pelo arrependimento, com a mesma indiferença com que cometeu os atos agora recordados.
A história do filme decorre durante uma viagem de Sheeran e Bufalino (Joe Pesci) com as suas esposas para um casamento em Detroit em 1975, enquanto em longos flashbacks e paragens em lugares significativos para ambos, conhecemos a lenta ascensão de Frank Sheeran na irmandade mafiosa em que Bufalino era o seu mais destacado representante. O filme conduz-nos como observadores discretos ao longo da vida destes dois homens, dando-nos todos os elementos significativos, sem sobressaltos nem violência excessiva, mostrando-nos também a facilidade com que Martin Scorcese manipula com suavidade os elementos do cinema, tornando a narrativa totalmente absorvente.
É fácil imaginar que ambas as linhas da história hão de encontrar-se algures, mesmo após a entrada de Jimmy Hoffa (Al Pacino) o chefe dos Teamsters Union (sindicato dos motoristas dos USA e Canadá) que comportamentalmente se situa nos antípodas de Frank e Sheeran. Hoffa é truculento, excessivo, extrovertido, fácil de irritar tanto por amigos como por inimigos e todavia muito chegado a eles. É Frank que estabelece uma ponte de ligação com o sóbrio Bufalino (como o poster do filme pretende representar) apesar de ter estabelecido com Hoffa uma sólida amizade baseado no respeito mútuo e na entreajuda.
A história baseia-se no livro "I Heard You Paint Houses", de Charles Brandt (Eu ouvi você pintar casas) que se refere à primeira conversa entre Frank Sheeran e Hoffa, que segundo um código da máfia significa; “ouvi você matar pessoas” sendo a “tinta”, as pingas de sangue nas paredes resultantes do disparo de balas contra um corpo. Todavia, Scorcese não está muito interessado em contar-nos o desenrolar desses eventos que tiveram uma investigação detalhada no caso do assassinato de Jimmy Hoffa e um processo legal longo, mas antes mostrar-nos o apagamento lento da humanidade do personagem “O Irlandês” (Frank Sheeran) e dos seus colegas de organização do crime, homens sem consciência que dificilmente merecem a classificação de homens. Isso é magistralmente conseguido neste filme por Frank que, de zeloso e competente encarregado de missões de morte, se transforma num ser mecânico obediente, sem alma, sentido crítico ou humanidade. Muito bom, recomendo vivamente.

Classificação: 9 numa escala de 10

16 de dezembro de 2019

Opinião – “Mais Um” de Jeff Chan, Andrew Rhymer


Sinopse

Já todos chegaram (ou vão chegar) a um ponto das suas vidas em que os seus amigos decidem casar-se, aparentemente todos ao mesmo tempo.
Para Alice (Maya Erskine) e Ben (Jack Quaid), essa hora chegou, só que eles ainda estão de parte, à espera da sua vez.
Alice acabou recentemente com o seu namorado de há sete anos.
Ben tem vivido grande parte da sua vida como um solteiro de relativo sucesso.
Para sobreviverem a um verão de febre dos casamentos, Ben e Alice, amigos de longa data, aceitam ir juntos a todos os malditos casamentos para os quais são convidados.

Opinião por Artur Neves

Normalmente não dou muita atenção a filmes românticos, perdoem-me pela minha franqueza, mas neste caso em que se fala abertamente de relacionamentos de diferentes tipos e com toda a normalidade, em que nos mostram a dificuldade transversal, de falar sobre os nossos sentimentos e de a esconder sobre um manto de sarcasmo em vez de lidar com ela, apresentando isso com graça, oportunidade, abertura mental e com uma sessão de sexo num cemitério, sou forçado a mudar de atitude e a apreciar condignamente a história.
Não se pode dizer que os casamentos tenham uma significativa aderência na juventude atual, muito embora já tenham tido piores dias. Por outro lado estão longe do tempo em que Hugh Grant, em “Quatro Casamentos e um Funeral” de 1994, proclamava numa cerimónia, com a solenidade britânica que lhe é peculiar; “Fico espantado e perplexo com quaisquer pessoas que assumam esse tipo de compromisso” referindo-se aos votos clássicos do casamento.
Ben e Alice são dois colegas de universidade que estão a ser convidados para uma maratona de casamentos de  colegas seus a que eles combinaram ir juntos. Não têm um caso, não namoram, apenas gostam da companhia um do outro e não têm problemas em conversar sobre qualquer tópico como fazer xixi no chuveiro, depilação com cera ou dar a utilização apropriada ao "boom shaka laka" como se fossem um casal.
Eles também entendem os detalhes que levaram muitos colegas à decisão do casamento e como tal concordam que essas uniões são parte de uma piada espirituosa, esclarecida, astutamente concebida, embora genuína, o que faz desse evento emocional uma mudança da vida de duas pessoas e como tal merece uma grande festa que reúna amigos, família e outros convidados que talvez nunca mais se vejam.
Para complicar ainda mais eles têm membros das suas próprias famílias, a irmã mais nova de Alice e o pai de Ben, que o convidou para padrinho, em vias de estabelecer novas famílias. A pressão é muita, mas reconhecer os seus sentimentos um pelo outro, entender como a vida, a loucura do dia a dia, o drama e o romance implícito em cada casamento, podem ser maravilhosos, sobretudo para duas pessoas que apreciam ir juntas a todos esses eventos. Claro que o desfecho é inevitável e conhecido, e aí, nesta como em outras comédias, não há surpresas.
Só que “Mais Um” foi dirigido por duas pessoas que apresentam uma nova perspetiva, criando entre os dois um ambiente sadio e engraçado, utilizando frases peculiares e assuntos debatidos sem compromisso nem convenções, ao ponto de se poder estar na cama, de “conchinha” sem que isso signifique mais do que o conforto e apoio da respetiva posição.
A narrativa por vezes descamba para os clichés do género, mas no seu todo é o que se pode considerar uma versão progressista da fórmula clássica da comédia romântica, com graça segura e piadas inteligentes que conseguem manter o espectador interessado durante toda a duração do filme. Interessante.

Classificação: 6,5 numa escala de 10

12 de dezembro de 2019

Opinião – “És Capaz de Guardar um Segredo?...” de Elise Duran


Sinopse

Pensando que se vão despenhar, Emma Corrigan (Alexandra Daddario) conta os seus segredos a um desconhecido, num avião. Pelo menos, ela achava que era um desconhecido… até conhecer Jack (Tyler Hoechlin), o novo CEO da empresa onde ela trabalha, que agora sabe todos os pormenores humilhantes sobre ela.

Opinião por Artur Neves

A história a que assistimos é de uma comédia romântica made in USA concebida com todos os defeitos e virtudes que carateriza este género.
Quanto a defeitos, são muitos e variados desde um argumento pouco verosímil, situações improváveis, personagens pouco credíveis e ligeiras que apenas lá estão para cumprir as falas do argumento e darem “corpo” à história, situações artificialmente criadas para provocarem sorrisos ou lágrimas consoante a situação e sempre, mas sempre incluindo um conjunto de lamechices para satisfazer os amantes do género. Valha a verdade que neste ultimo aspeto esta comédia nem é das piores.
Quanto às virtudes, refiro-me à capacidade de alegar situações reais da vida corrente, normalmente inacessíveis no nível de relacionamento da convivência cerimoniosa. Nesta história são abordados assuntos de algum melindre, embora de forma ligeira e superficial, (trata-se de uma comédia) mas com um grau de abertura suficiente para os banalizar retirando-lhe a carga pejorativa que frequentemente lhes é atribuída.
Baseado no romance de Sophie Kinsella, o seu primeiro livro independente com o mesmo nome, após o sucesso dos guiões escritos para a série “Louca por Compras” que passou em Portugal em 2009, é uma adaptação de comportamentos centrados em mulheres que assumem desempenhos de liderança e constroem uma imagem de independência para lá das limitações de género, muito embora continuem femininas e desejáveis.
Com a história resumida na sinopse, acrescento o facto da insatisfação que ela sente no trabalho por ser de uma área financeiramente instável. Do seu relacionamento amoroso com o namorado Connor (David Ebert) que é pouco mais do que idiota, embora lhe satisfaça todos os desejos. Da monotonia da sua vida na casa que partilha com duas amigas. Ela precisa desesperadamente de uma mudança radical que se dá acidentalmente no voo de regresso a Nova Iorque depois de uma desastrosa apresentação comercial que ela foi fazer a Chicago.
A surpresa começa quando ela encontra o desconhecido do avião, Jack Harper (Tyler Hoechlin), na empresa gerando-se uma situação embaraçosa e desnivelada, ela é uma assessora de marketing, ele o novo administrador delegado, foi a ele que ela se revelou os mais ínfimos detalhes da sua intimidade com o namorado e com as amigas, apenas pelo terror de morrer de desastre de avião e aqui começa o imbróglio que inevitavelmente os há de unir no final do filme. Estamos numa comédia romântica, as coisas são o que são e esta só pode acabar em amor.
Para compor o ramalhete Jack é um brincalhão que explora as vulnerabilidades que Emma partilhou e embora a aceite e procure a sua presença, não sente á vontade para partilhar as suas próprias neuroses e segredos pessoais que só posteriormente viremos a saber serem de Polichinelo. Todavia é o suficiente para vermos que a centelha do romance já se acendeu entre ambos e agora é só deixar fluir.
No geral, a história pode encarar-se como uma brincadeira aceitável para quem procura filmes baseados numa ficção pós feminista, embora sem alcançar o nível de “Na sua Pele” de 2005 ou “ O Diabo veste Prada” de 2006, evitando os aspetos tóxicos de uma narrativa demasiado sexista. É um filme para a família em tempo de Natal, que se entrar alegre vai sair satisfeito e a pensar na próxima ocupação.

Classificação: 5 numa escala de 10

11 de dezembro de 2019

Opinião – “Marriage Story” de Noah Baumbach


Sinopse

‘Marriage Story’, é um filme protagonizado por Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson) que mostra o processo de divórcio de um jovem casal, um diretor de teatro e uma atriz, bem sucedidos nas sua carreiras profissionais, mas incapazes no seu relacionamento pessoal.

Opinião por Artur Neves

Consta que este filme, somente acessível através da plataforma Netflix, corresponde em traços gerais ao desfecho da relação entre o realizador Noah Baumbach e a sua ex-mulher; Jennifer Jason Leigh em 2013, ao fim de oito anos de casamento. O filme tem seis nomeações na categoria de Drama, para o 77º Golden Globe Awards, que terá lugar em 5 de Janeiro 2020 na NBC e que costuma ser um evento premonitório do que se passará alguns meses mais tarde na cerimónia dos Óscares de Hollywood.
Numa palavra, pode dizer-se que este filme é abrasador no aspeto documental da desconstrução de uma relação que tinha (e teve) tudo para dar bem. Ele conta a história de um divórcio e da subsequente disputa dos direitos de parentalidade sobre o filho do casal, entre duas pessoas que se amaram, ainda nutrem sentimentos de pertença um pelo outro, mas que as questiúnculas espúrias, mal resolvidas do seu relacionamento os arrastou para uma espiral de desavença que inibe a reversão para o estado inicial do relacionamento.
O modo de contar a história é outro aspeto relevante deste filme, por inovador. Os personagens apresentam-se ao espectador através de monólogos sobre o que cada um pensava do outro no início da relação, através da leitura de textos que ambos escreveram nesse tempo e constitui o único elemento que nos descreve os “dias felizes”. Dá-nos logo à partida a noção do que foi perdido e mais importante ainda, o conteúdo daquilo que ele sentem que perderam durante o tempo que viveram até ali, de que sentem falta e assumem como tão irrecuperável que os leva à separação.
A maior parte dos 136 minutos reporta-se ao mecanismo jurídico do divórcio que inicialmente foi falado entre os dois para ser amigável, mas ao cair no campo litigioso, por conselho de uma amiga de Nicole que lhe recomenda a contratação de Nora Fanshaw (Laura Dern), a separação perde a oportunidade para a manutenção da amizade porque os advogados de ambos apenas estão interessados em ganhar e receber os seus honorários. Os clientes apenas pretendem resolver a situação com o mínimo de dor e secretamente alimentam a hipótese de reconciliação, mas o “combate” perde as regras de compostura e tudo serve para denegrir as imagens um do outro, até aos seus próprios olhos, quando apresentadas sob o prisma justicialista de influenciar negativamente um juiz.
Por outro lado, o objetivo dos superiores interesses da criança apresentam-se como pedra de arremesso para obter a “vitória” e Henry (Azhy Robertson), não passa de um peão no meio de uma teia social que ele não controla nem compreende. Ambos os pais declaram que o seu bem-estar é a coisa mais importante, todavia não se coíbem de gastar com os advogados o dinheiro depositado com o objetivo de custear as despesas com a universidade, ganhando em troca migalhas de direitos, que eles até nem tinham reivindicado.
Nesta área, a cena mais risível de todo o filme, concentra-se na visita da avaliadora parental (o equivalente a uma assistente social, presumo) com o objetivo de inspecionar o ambiente habitacional e relacional com Henry de cada um dos pais. A personagem criada surpreende pela inépcia, inação e impreparação que apresenta na visita. Uma verdadeira anedota, que não deve ter sido por acaso que foi incluída.
Embora a situação se fundamentei num caso real e as emoções daí decorrentes sejam universais, os personagens não são pessoas comuns. Eles habitam uma “bolha” social restrita onde os seus problemas, reais para eles, podem parecer algo banais para todos os que vivem vidas menos privilegiadas. Isso resulta dum certo snobismo intelectual de Noha Baumbach que torna difícil sentir por eles um nível empático mais profundo, apesar de mostrar grande sensibilidade ao descrever as emoções universais motivadas por um divórcio. Todavia não tira valor ao imenso drama afetivo que é banalizado em ninharias pela ação dos advogados. Recomendo vivamente, é um “Kramer vs Kramer” atual e sem lamechices.

Classificação: 8,5 numa escala de 10

9 de dezembro de 2019

Opinião – “Jumanji: O Nível Seguinte” de Jake Kasdan


Sinopse

Em “Jumanji: O Nível Seguinte”, o gang está de volta, mas o jogo mudou. Quando regressam a Jumanji para resgatar um deles, descobrem que nada é como estavam à espera. Os jogadores terão de enfrentar lugares desconhecidos e inexplorados, desde os áridos desertos às montanhas nevadas, para escapar do jogo mais perigoso do mundo.

Opinião por Artur Neves

“Jumanji” é uma história iniciada em 1995 que relata a descoberta de um jogo de tabuleiro encantado, por uns miúdos que acidentalmente o encontram e iniciam o jogo. Esse facto liberta um homem, Alan Parrish (Robin Williams, já falecido) aprisionado no interior do tabuleiro que liberta com ele todos os perigos de que ele se escondia há décadas, por não ter conseguido terminar o jogo.
Tudo poderia ter ficado por aqui e ficaria muito bem. Na altura não era um filme natalício, foi estreado em Portugal em Março de 1996 e mostrava uma boa dose de efeitos especiais que encantaram miúdos e graúdos e principalmente, revelou para o género de comédia um ator em ascensão chamado Robin Williams que pela sua qualidade nos deu excelentes desempenhos em personagens trágico-cómicos com grande conteúdo emocional e ainda hoje apreciáveis.
O problema começa quando a Sony em 2017, “desenterra” o assunto, alterando o conceito inicial, transformando um jogo de tabuleiro num vídeo jogo de consola e os miúdos em matulões, que por motivos nunca completamente explicados se envolvem em aventuras loucas, justificando a utilização de sofisticados meios técnicos computorizados numa história de perseguições sobre perseguidos, que fogem e são apanhados, para depois serem novamente libertados para manter o enredo, em peripécias cada vez mais mirabolantes com o intuito de fascinação circunstancial gratuita, mas sem qualquer objetivo específico que não seja acabar o jogo provisoriamente, para o continuar no ano seguinte, ou dois anos depois como é o presente caso.
Aqui chegados, cá temos mais uma sequela em 2019, agora em calendário natalício para aproveitar as férias escolares, que é mais do mesmo, com os mesmos matulões, efeitos ainda mais sofisticados e com um enredo ainda mais forçado que o anterior, tendo com única razão fazer o grupo voltar ao jogo que tinha sido destruído no filme anterior. But, the show must go on e os pedaços em que ficou o videojogo têm de ser recuperados para que a turma se volte a perder e encontrar em novas aventuras.
Considerando que este género de filmes é só para ver e esquecer de seguida, os argumentos são sempre muito simples. Neste caso temos uma troca de identidades, melhor, uma rotação de identidades que me dispenso de enumerar, pois transformam-se todos em avatares de todos sem razão objetiva e tornam-se incapazes de enfrentar os desafios em que o jogo os envolve para apanharem uma pedra roubada por um rei bárbaro.
Para cumprir esta história, seguem-se perseguições com todas dificuldades que se possam imaginar, provas de dificuldade crescente, diálogos de graça duvidosa e quase no final, uma referência a “Jumanji” 1995 que tem sabor a agradecimento e homenagem mas que não salva a sandice geral que pulula por todo o filme.
Os miúdos estão de férias, é preciso ocupá-los pelo menos temporariamente e nesse campo este filme cumpre o propósito, em todos os outros aspetos é duma pobreza franciscana que nem os efeitos especiais de bom nível compensam… Receio que para o ano tenhamos mais!...

Classificação: 3 numa escala de 10

IMPOSSÍVEL AO VIVO Luis de Matos de regresso a Portugal






Depois de uma digressão internacional de 6 meses, que passou por 21 cidades de 14 países, Luis de Matos está de regresso a Portugal com algumas das suas mais recentes ilusões. O espectáculo IMPOSSÍVEL ao Vivo estreou em Dezembro de 2018 no Teatro Tivoli BBVA, tendo sido aplaudido por um número recorde de 24.000 espectadores em apenas 16 dias de apresentações. Escrito e dirigido por Luis de Matos, o mais premiado mágico português, e um dos mais respeitados do mundo, o espectáculo que se manteve durante 3 semanas no primeiro lugar do top de vendas da Ticketline volta em Dezembro numa nova versão ainda mais surpreendente, para além de chegar a Coimbra e Faro. Luis de Matos trará consigo um novo e extraordinário conjunto de convidados oriundos dos quatro cantos do mundo: Alemanha, Austrália, Coreia do Sul e Inglaterra.
Em Lisboa de 12 Dezembro a 5 de Janeiro, Coimbra de 10 a 12 de Janeiro e em Faro de 17 a 19 de Janeiro, IMPOSSÍVEL ao Vivo é um espectáculo que vai querer ver muitas vezes com família e amigos!


O mais jovem bicampeão mundial da história da magia, Topas, chega-nos da Alemanha e é um dos mais criativos e contemporâneos mágicos da actualidade, aliando um incomparável virtuosismo a uma comicidade desconcertante. Os seus espectáculos, impecavelmente encenados, são sempre de uma originalidade e espectacularidade absolutamente singulares.


Raymond Crowe vem da Austrália e é um verdadeiro poeta do entretenimento, sendo que considera que a palavra que melhor o descreve é “Unusualist” de tão distinto que é o seu trabalho. É presença habitual em programas como o Tonight Show, nos Estados Unidos da América, ou Royal Variety Performance, no Reino Unido, actuando regularmente nas mais consagradas salas de espectáculo do mundo inteiro.


A Coreia do Sul está novamente representada neste espectáculo. Desta vez com An Halim, o mais recente campeão mundial na categoria de manipulação. Em permanente digressão pelo mundo, mudou drasticamente a imagem da magia e afirmou-se como uma das mais surpreendentes referências da actualidade.


De Inglaterra, temos James More, estrela de espectáculos em digressão mundial, como “The Illusionists” e “Now You See Me”, e presença constante nos circuitos da monarquia e das grandes marcas multinacionais. Magia de grande impacto com um indiscutível toque de modernidade, a sua reputação está em constante crescimento. Com mais de 100 milhões de visualizações no Youtube, foi o primeiro ilusionista do Reino Unido a actuar na Broadway.


Luís de Matos, o mais premiado mágico português, distinguido três vezes pela Academia de Artes Mágicas de Hollywood e o mais jovem mágico a receber o Devant Award, do The Magic Circle, foi o mágico principal da digressão europeia do grupo "The Illusionists", composto por artistas premiados no mundo da magia.

5 de dezembro de 2019

Opinião – “Frankie” de Ira Sachs


Sinopse

Frankie, uma famosa actriz francesa, descobre que só tem alguns meses de vida.
Para as suas últimas férias, reúne toda a gente em Sintra, Portugal.

Opinião por Artur Neves

Frankie, a atriz francesa Françoise Crémont, (Isabelle Huppert) recebe a notícia do seu médico de recidiva do tumor canceroso combatido dois anos antes e que agora lhe concede poucos meses de vida.
Para pôr as “contas em dia” com todos os que lhe são mais próximos; o marido atual Jimmy (Brendan Gleeson), de quem tem um filho Paul (Jérémie Renier) de temperamento instável, o primeiro marido Michel (Pascal Greggory) com quem tem uma filha Sylvia (Vinette Robinson) que está em processo de divórcio do seu marido Ian (Ariyon Bakare) que ainda a ama e resiste à separação, bem como o seu círculo restrito de amigos donde se destaca; Ilene (Marisa Tomei) amiga de longa data, confidente, e suporte emocional nos momentos mais difíceis da sua doença, convida-os para umas férias em Sintra – Portugal, onde ela pretende fazer a sua despedida da vida social e mostrar como todos os seus parentes mais queridos podem aprender a viver juntos… sem a sua presença.
Possui ainda um plano secreto de aproximar a sua amiga de sempre, do seu filho Paul mas que se revela impraticável, considerando que Ilene, atriz em Nova Iorque, governa bem a sua vida, tem ideias bem definidas sobre si própria e do que quer no campo sentimental. Resiste à declaração amorosa de seu colega de filmagens Gary (Greg Kinnear) e não aceita a sugestão de Frankie de “escolher antes de procurar”, como esta lhe recomenda, no papel de mãe que pretende deixar o filho acompanhado.
É assim neste ambiente constrangido pela gravidade do anúncio de Frankie que se desenvolvem aquelas “férias”, onde a terceira geração da família encontra uma experiencia de mudança de vida numa ida à Praia das Maçãs com Bento (Máximo Francisco) como escape para as frequentes desavenças com Sylvia, sua mãe.
Este problema com tantas variáveis não tem solução fácil e Ira Sachs, realizador americano que dirige este projeto, procurou dar-nos a conhecer todos os personagens com suficiente profundidade para que possamos ajuizar a complexidade subterrânea destas relações onde todos e cada um à sua maneira, sofrem de uma acédia temporal que lhes provoca apatia e torpor durante toda a narrativa. Sofrem isolados e Ira Sachs sabe “mistura-los”, sem contudo conseguir amenizar o seu desconforto. Sofrem por Frankie e por eles próprios, por não conseguirem concretizar os seus anseios. Todos querem o que não alcançam!...
O filme está bem articulado, não obstante as incongruências inerentes a cada um dos personagens, o drama está apresentado de modo credível e os 100 minutos de duração passam agradavelmente por entre a paisagem rural de Sintra.

Classificação: 6 numa escala de 10

PS: Este filme é uma produção Franco – Portuguesa, coproduzida na parte nacional pela produtora “O Som e a Fúria” e pelo ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual IP) em que os atores principais são estrangeiros, incluindo o realizador e os atores secundários são todos nacionais, onde se destaca Carloto Cotta, o jovem ator já anteriormente referido e muitos outros que compõem o ambiente rural de Sintra, filmado na Quinta da Regaleira e na Peninha, como se de um postal turístico se tratasse. 
Toda a equipa técnica é igualmente portuguesa, não somente na captação de imagem mas também nos outros aspetos acessórios inerentes à filmagens, bem como na edição, o que significa que nós somos capazes e que o cinema português apresenta um potencial de qualidade que tem estado invisível em muitas das recentes realizações.
Na minha opinião falhamos nos argumentos, demasiado novelescos e com dramas de “cordel”, bem como na representação de primeiro nível em que nos deixamos arrastar pela lamechice, suportada por uma representação teatral de que ainda não nos livrámos. Somos uns tristes!...

4 de dezembro de 2019

Opinião – “Apocalypse Now – Final Cut” de Francis Ford Coppola


Sinopse

Apocalypse Now – Final Cut é a terceira e derradeira versão de um dos grandes marcos da história do cinema, e que este ano comemora 40 anos sobre a sua estreia no Festival de Cannes, onde venceu a Palma de Ouro. Francis Ford Coppola considera naturalmente esta versão como a melhor e a definitiva para o seu filme, cujo restauro em 4K acompanhou de perto, nomeadamente ao nível do som.
A partir de Coração das Trevas, de Joseph Conrad. Durante a Guerra do Vietname, um jovem capitão americano recebe como missão procurar e assassinar um coronel americano desertor que se escondeu na selva e passou a comandar guerrilheiros no Camboja, onde é adorado como um semi-deus.

Opinião por Artur Neves

Esta é a atual versão (se é a derradeira não sabemos!...) do mais emblemático filme que foi produzido sobre a guerra do Vietname, não por ser um filme de guerra no sentido clássico do termo, mas antes, um filme que evidencia o horror da guerra, a maldade gratuita, a loucura que induz a alienação dos atos de guerra, não em função de uma estratégia, mas sim de acordo com os medos, as obsessões e os interesses pessoais dos seus intervenientes, também eles sem força, nem razão, para resistirem emocionalmente aos efeitos de um meio e de um ambiente, que lhes são desconhecidos e hostis.
“Apocalypse Now” teve a sua primeira apresentação em 1974 com uma duração de 147 minutos, á qual se seguiu uma sequela em 2001 com o nome “Apocalipse Now – Redux” com 197 minutos em que foi acrescentado o encontro do Captain Benjamin L. Willard (Martin Sheen) com uma família de colonos franceses resistentes ao ambiente de guerra que corporiza o único momento de amor da história, bem como, logo na primeira cena, com maior duração para se poder ouvir na íntegra a música dos The Doors: “The End” e evidencia-se a dependência efetiva do álcool que Martin Sheen sofria na altura das filmagens. Esta versão atual com a duração de 183 minutos, estreada em 2019, “encolhe” o encontro com os colonos e remove as evidências de alcoolismo de Martin Sheen. Em tudo o mais o filme é absolutamente fiel ao argumento original. Todavia, considerando que as versões apresentadas em VHS, DVD ou Laserdisc, ao longo do tempo, sempre foram objeto de pequenas alterações nunca pode saber-se se este fnal cut será mesmo final, como é normal entender-se.
Todo o filme é um portento de desumanidade. A história desenvolve-se ao longo da viagem de Willard na subida do rio Nung num barco patrulha, com a missão de eliminar o coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando) que desertou do exército dos USA e atravessou a fronteira do Cambodja com um punhado de militares que o seguem cegamente e endeusaram a sua liderança, para realizar missões de ataque e fuga contra os Viet Cong. As autoridades americanas estão convencidas que o coronel Kurtz enlouqueceu e por esse motivo querem eliminá-lo.
Á medida que o barco patrulha se desloca, a loucura aumenta por todo o lado. Começa na devastação sanguinária com bombas de napalm ao som da partitura clássica “A Cavalgada das Valquírias” de Wagner, que o Tenente-Coronel Bill Kilgore (Robert Duvall) leva a cabo numa praia, apenas para fazer surf com um dos elementos incluídos na missão de Willard. Segue-se o medo inerente, na viagem que estão a empreender num território que serve de abrigo aos Viet cong e donde sofrem ataques constantes. É a chegada a um aquartelamento de tropas americanas, numa altura de recreio, com um espetáculo de variedades totalmente insano e despropositado para o lugar, que termina abruptamente no meio de um ataque. É o assassínio aleatório de um barco de pescadores suspeitos de apoiarem os Viet Cong por uma tripulação esgotada, demente e alienada pelas drogas que consome. A cena do encontro com os colonos franceses decorre tensa, embora socialmente correta é contaminada pelo elevado consumo de droga que distorce as relações e a visão dos acontecimentos. No final, o encontro com o coronel Kurtz corporiza a loucura da guerra pelos motivos que a justificam, o ambiente em que todos vivem, a escuridão e a morte que os circunda em todos os locais do acampamento.
Embora com o mesmo argumento, a remasterização em UHD 4K refina todos os contornos da imagem, enfatiza as cores da selva e valoriza este filme de culto que ocupa um lugar de destaque na curta lista das minhas preferências. Sem dúvida a ver… ou a rever!...

Classificação: 9 numa escala de 10