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27 de janeiro de 2016

Opinião – “Os Homens Preferem as Loiras” de Howard Hawks


Sinopse:
Duas dançarinas, Lorelei (Marilyn Monroe) e Dorothy (Jane Russell), embarcam num cruzeiro rumo a Paris, a pedido do milionário noivo de Lorelei. O pai do noivo contrata um detetive (Elliott Reid) para segui-las e conseguir provas de infidelidade da sua futura nora, criando uma série de confusões em alto-mar.
 
Opinião por Marta Nogueira
Como dizia recentemente um jornal sobre uma comédia musical, que interesse tem a história quando o espectáculo é soberbo? O que se aplica ao caso. Que interesse tem o facto deste filme não ter pés nem cabeça, quando temos uma Marilyn Monroe cantando “Diamonds are a girl’s best friend” como ninguém, uma Jane Russell hilariantemente picante e um naipe de secundários deliciosamente à altura destas duas divas? Nenhum!
Não interessa pensar que na vida real ninguém entra em quartos alheios daquela forma e muito menos sai deles daquela outra maneira, ou que ninguém despeja água de um jarro para cima das calças de alguém tão descaradamente (apesar de muitas vezes nos apetecer fazer isso mesmo), ou que seja inconcebível que uma tiara de diamantes verdadeiros passe de mão em mão com tal ligeireza, ou ainda que um juíz ature uma falsa loura (uma brilhante imitação de Marilyn por Jane), chocalhando lantejoulas pela sala inteira do tribunal, sem a submeter imediatamente a uma cura de desintoxicação numa clínica Betty Ford.
Monroe e Russell combinam como um par de luvas de cetim, com uma química tremenda. Nunca percebi bem se Marilyn tinha noção da graça que tinha, ou se era mesmo essa a sua maneira de ser. Mas não interessa. Porque, com ou sem consciência desse efeito, ela era mesmo uma grande comediante. Aliás, a filha de Lee Strasberg (sua amiga íntima durante a fase mais séria da actriz, quando decidiu frequentar o Actor’s Studio) conta que um dia passeavam as duas na rua e Marilyn estava de óculos escuros, passando completamente despercebida. De repente, ela pergunta-lhe “Queres ver-me fazer ‘dela’?” E transforma-se por completo, tanto que mesmo mantendo os óculos escuros as pessoas a rodeiam de imediato, reconhecendo-a. Portanto, a inocência tem limites e loura burra não me parece que fosse. A sua beleza natural é desarmante, até para outras mulheres.
Quanto ao filme em si, para além de um argumento frenético e hilariante, apresenta uma cenografia deslumbrante, com cores soberbas, cenários maravilhosos, roupas magníficas e aquela maquilhagem única aplicada de tal forma que é impossível perceber onde começam os lábios e acaba o batom. Há dois ou três números musicais inesquecíveis, que apetece rever vezes sem conta, para além daquele que dá nome ao filme e que tem sido recriado inúmeras vezes ao longo dos anos por outras mulheres, a mais famosa das quais Madonna no seu video “Material Girl”, mas sem nunca chegarem aos pés da magia de Marilyn.
Este filme é, sem sombra de dúvida, um diamante eterno.

18 de janeiro de 2016

Opinião - "O Regresso" de Alejandro Iñárritu



Sinopse:
1822. Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) parte para o oeste americano disposto a ganhar dinheiro caçando. Atacado por um urso, fica seriamente ferido e é abandonado à própria sorte pelo parceiro John Fitzgerald (Tom Hardy). Entretanto, mesmo com toda a adversidade, Glass consegue sobreviver e inicia uma árdua jornada em busca de vingança.
 
Opinião por Marta Nogueira
O Regresso é baseado em parte na história do verdadeiro Hugh Glass, de que pouco se sabe para além de que foi um caçador que sofreu o terrível ataque dum urso pardo e terá sido capturado e vivido alguns anos entre a tribo índia dos Pawnee, tendo casado com uma nativa.
Iñárritu adaptou em parte também o romance de Michael Punke "The Revenant: A Novel of Revenge" para contar este absoluto tour de force oferecido a Leonardo DiCaprio (mais um), o menino prodígio que de menino já só mantém o rosto eternamente jovem e que prossegue a sua carreira prodigiosa e brilhante, sem falhas.
A palavra "revenant" não tem tradução directa para português, significando "alguém que regressa depois da morte ou de uma longa ausência" e é uma expressão utilizada desde o século XIX pelos franceses para descrever um fantasma. E, de facto, adapta-se na perfeição ao relato de absoluta resiliência que Iñárritu constrói através de uma reconstituição histórica extraordinariamente bem urdida sobre este caçador de peles com um instinto de sobrevivência quase absurdo, que resiste ao horrífico ataque de um urso pardo, ao assassínio do seu filho pela mão de um dos seus companheiros de viagem que, por sua vez, o abandona à morte certa no meio de um Inverno rigorosíssimo e, finalmente, à sua própria perseguição para se vingar daquele.
O realizador mexicano apropria-se de um dos mais populares e acarinhados símbolos da mitologia americana - os exploradores de novas fronteiras - para narrar o confronto entre dois estilos de sobrevivência absolutamente opostos. De um lado a respiração e os olhos de DiCaprio, puros e íntegros, teimosos e orgulhosos, do outro a raiva, os esquemas, as maquinações de Tom Hardy, o actor inglês a quem foi entregue o papel da nemesis de Glass, John Fitzgerald.
E se o filme é carregado pela respiração e pelo olhar de DiCaprio, que enche o écran com o seu desempenho, o inglês Hardy tem o papel da sua vida, com uma transformação física e linguística soberba, escandalosamente ignorada pelos recentes Globos de Ouro mas não pelos próximos Oscares. Ambos estão nomeados, respectivamente para Actor Principal e Actor Secundário, bem como Iñárritu para realizador e o próprio filme que carrega um total de 12 nomeações e poderá ser o grande vencedor da noite.
Seguindo a tradição de Hollywood, o bem vence o mal e são os olhos de DiCaprio, um azul carregado de teimosia e resistência, que nos fitam directamente no fim. Acabamos por não ter a certeza se sobreviveu, mas isso não importa, porque como Glass afirma algures durante o filme "I am not afraid to die anymore. I've done it already."

5 de janeiro de 2016

Opinião - "Joy" de David O. Russell



Sinopse:
Criativa desde a infância, Joy Mangano (Jennifer Lawrence) entrou na vida adulta conciliando a jornada de mãe solteira com a de inventora e tanto fez que se tornou uma das empreendedoras de maior sucesso dos Estados Unidos.
 
Opinião por Marta Nogueira
Jennifer Lawrence e Bradley Cooper reúnem-se pela segunda vez num filme novamente realizado por David O. Russell para retratar em parte a vida da inventora e empresária de sucesso Joy Mangano, uma milionária self-made norte-americana, que patenteou mais de 100 ideias dos mais diversos gadgets caseiros e é presença assídua na Home Shopping Network, um canal de televisão dedicado à venda de produtos.
Embora não seja uma biopic totalmente fiel da vida de Mangano, Russell baseou-se em muitos factos da sua vida e acrescentou outros baseados nas vidas de mulheres com carreiras idênticas, com o objectivo de criar uma história inspiradora, que louva o espírito empreendedor e corajoso face às adversidades.
Apoiada por um ensemble de secundários de luxo, que incluem Robert De Niro, Isabella Rossellini, Virginia Madsen e Diane Ladd, Jennifer Lawrence oferece-nos um papel em muito semelhante ao que já nos habituou noutros filmes (excepção à sua personagem mais dramática da saga Hunger Games), ou seja, carregado de um humor presente até nos momentos mais dramáticos, uma personalidade forte e um ritmo consistente.
O argumento foca-se na determinação de Joy em persistir nos seus sonhos e ideias, apesar do ambiente desequilibrado que a rodeia e das contrariedades externas que vão surgindo como obstáculos no seu percurso - o divórcio dos pais, uma mãe viciada em telenovelas que quase não abandona o quarto, um pai de regresso ao mercado dos namoros, uma madrasta exigente, uma meia-irmã ambiciosa e o seu próprio divórcio.
Russell consegue um filme divertido e consistente, cheio de humor, ritmo e verosimilhança e consegue tornar-nos fãs de Mangano. Lawrence está já nomeada para o Globo de Ouro de Melhor Actriz em Comédia com este filme.

18 de dezembro de 2015

Opinião - "Snoopy e Charlie Brown - Peanuts, O Filme" de Steve Martino


 
Sinopse
Charlie Brown, Snoopy, Lucy, Linus e o restante gang dos “Peanuts” fazem a sua estreia no grande ecrã, numa animação 3D como nunca antes vista. Snoopy, o beagle mais adorável do mundo – e da aviação – embarca na sua maior missão e vai até aos céus perseguir o seu maior inimigo, O Barão Vermelho, enquanto o seu melhor amigo, Charlie Brown, começa a sua própria jornada épica.
 
Opinião por Marta Nogueira
Quinze anos após a morte de Charles Schulz, a Blue Sky Studios decide comemorar o 65º aniversário da banda desenhada e os 50 anos do especial de televisão “A Charlie Brown Christmas”, relançando o clássico do autor nos cinemas em versão animada 3D, a tempo de maravilhar as audiências na época natalícia e conseguir também certamente menções nos prémios de cinema que se avizinham – já está na corrida para Melhor Filme de Animação nos próximos Globos de Ouro. A ideia partiu do filho e do neto de Schulz, responsáveis pelo argumento, em parceria com Cornelius Uliano, e que acompanharam de perto toda a produção do filme para preservar o legado do pai/avô. O realizador escolhido para esta honra foi Steve Martino, responsável por “Ice Age – Continental Drift” e director de arte do mais antigo “Robots”.
É preciso começar por dizer que os Peanuts (curiosamente um nome que substituiu o inicial Li'l Folks por este ser demasiado parecido com outros nomes existentes na altura e de que Schulz nunca gostou por achar que não tinha qualquer dignidade), são fundamentalmente uma banda desenhada para adultos, isto é, tal como Peter Pan, possuem várias camadas de significados - podem ser apreciados por crianças a um nível superficial e podem e devem ser apreciados por adultos num nível mais profundo, pois estão carregados de nuances sobre problemas sociais fortes como o racismo, o bullying ou a violência infantil. De forma simples, os Peanuts contam a história de um menino cheio de inseguranças, Charlie Brown, e do seu fiel mas irreverente e muito mais seguro cão, Snoopy. Em seu redor gravitam uma série de personagens emblemáticas e tudo menos secundárias: a sabichona Lucy, sempre à procura de fazer a vida negra a Charlie; o seu irmão Linus, uma contradição ambulante composta por pensamentos filosóficos e fraldas; Sally, a irmã de Charlie, obcecada por abóboras voadoras e por Linus; Schroeder, o menino prodígio que só vê Beethoven à frente, para desespero da sua apaixonada Lucy; Peppermint Patty, a rapariga "saloia" que trata Charlie por "Chuck" e flirta com ele descaradamente, para mencionar apenas alguns.
Iniciada em 1950, é considerada uma das mais influentes bandas desenhadas de sempre, com mais de 300 milhões de leitores em 75 países e traduzida para 21 línguas. Schulz ganhou alguns dos mais prestigiantes prémios do género ao longo da vida, incluindo Emmys e uma capa da Time. Com este passado monstruoso, a fasquia era altíssima para a equipa de produção e, embora não sendo perfeito, estou em crer que o filme não desiludirá os fãs da série, nem desprestigiará a qualidade suprema do traço e da história do seu criador.
Comecemos pela parte visual: a animação é brilhante, literal e metaforicamente. As características perfeccionistas do traço de Schulz são respeitadas e até incrementadas pela apresentação no grande écran, puxando-nos para dentro da história - os fãs vão amar ver as suas personagens favoritas em grandes planos pormenorizados. O cuidado na escolha das vozes foi exímio, estão todas muito semelhantes às que nos habituámos a ouvir nos variados filmes de televisão que foram sendo produzidos ao longo dos anos e que foram supervisionados pelo próprio Schulz. Existe ainda uma diferença de grafismo muito interessante nas imagens oníricas das aventuras de Snoopy, que constituem um contraponto claro entre a suposta simplicidade da realidade da vila dos Peanuts (e o estilo caracteristicamente minimalista de Schulz) e a imaginação sem limites do segundo personagem mais popular da série (às vezes o mais popular). Todos os marcos do universo Peanuts foram respeitados ao pormenor, todos os momentos fundamentais introduzidos sem parecerem demasiado forçados, entrosados no ritmo geral da história desenvolvida especificamente para este filme - o monte de basebol, o quiosque de psicologia de Lucy, o lago gelado onde os Peanuts patinam no Inverno, o muro onde Charlie e Linus acabam invariavelmente a filosofar sobre a vida, a árvore comedora de papagaios de papel. A história aproveita uma velha paixão de Charlie, a Little Red-Haired Girl, que surge neste filme como uma nova aluna da escola e que vai ocupar os pensamentos de Charlie durante todo o enredo. Ele tudo fará para a conquistar ou, pelo menos, para acreditar intimamente que a poderá conquistar e é aqui que a narrativa se poderá desviar ligeiramente do tom cru de Schulz. O eterno inseguro optimista lutará contra todos os contratempos e sobretudo contra si próprio para conseguir "bater aquela bola" no ângulo correcto. Mas onde na banda desenhada, Charlie se ficaria certamente pelo “se” esperançoso, neste filme os seus esforços são recompensados, algo que não tenho a certeza que Schulz aprovasse completamente. Na banda desenhada esta história não acabaria mal, mas também não acabaria bem, a rapariga continuaria completamente imune aos encantos de Charlie porque nem se aperceberia dos seus esforços titânicos para a conquistar e nós sorriríamos nostalgicamente disto tudo, um pouco felizes por haver pelo menos um herói de banda desenhada que sofre tanto como nós, pobres humanos sujeitos à cinzenta realidade tão parca em finais felizes.
Apesar de tudo isto, ou por causa disto tudo, tenho algumas dúvidas sobre se o filme conseguirá o mesmo sucesso junto dos públicos mais jovens que não são conhecedores da série. Precisamente por causa das piscadelas de olho filosóficas e reflexões por vezes duras sobre a vida que espreitam por baixo da capa aparentemente idílica de uma vila tipicamente americana onde os adultos nunca se vêem, apenas se ouvem numa voz "trombónica" que é um dos ex-libris da série. E embora a produção tente aligeirar esta faceta mais realista/negra, com alguns truques como a introdução de um final feliz e a piscadela de olho aos concorrentes Mínimos feita por Woodstock e Companhia que se vão comunicando crípticamente ao longo do filme, não sei se bastará para motivar audiências pouco habituadas a subtilezas tão delicadas como a doce nostalgia sempre presente nos ambientes criados por Schulz.
Deste aparente paradoxo entre tentar respeitar as características marcantes do conceito de Schulz, mas ao mesmo tempo conquistar novas audiências, pode resultar uma confusão que não é carne nem peixe e que poderá deixar os fãs com sabor a pouco, sem conseguir agarrar as novas gerações, tão diferentes daquelas que cresceram com os Peanuts, constantemente bombardeadas por histórias em que o amor, a preserverança e o esforço compensam sempre.
Espero que não. Espero que sirva, isso sim, para refrescar a memória das crianças das décadas de 60, 70 e 80 e para que uma nova geração fique a conhecer os Peanuts e os vá descobrir melhor no papel. Se isso acontecer, a batalha será ganha, apesar de todos os contratempos e a bola terá conseguido ser bem lançada. Acreditem - o mundo é infinitamente mais rico e mais belo com os Peanuts a viverem nele.

8 de dezembro de 2015

Opinião – “Três Mulheres” de Robert Altman


Sinopse:
Califórnia. Pinky Rose (Sissy Spacek) é uma jovem que acaba de conseguir um emprego num spa de idosos. Mildred "Millie" Lammoreaux (Shelley Duvall), que já trabalha no local, é encarregada de orientar Pinky sobre o serviço. Ela encanta-se com Millie e logo se torna sua amiga. Ironicamente ninguém gosta dela, mas Millie tenta passar a imagem de ser muito popular. Millie divide o seu apartamento com uma colega, mas quando esta se casa ela passa a dividir com Pinky o apartamento. Pinky fica cada vez mais dependente de Millie, mas a ligação obsessiva ameaça romper-se quando ela vê que Millie levou para o apartamento Edgar Hart (Robert Fortier), um cowboy que é marido de Willie Hart (Janice Rule), uma artista local, que está grávida. Isto provoca uma forte discussão entre Pinky e Millie, que gera um grave facto que, por sua vez, provoca uma grande mudança de comportamento de ambas.

Opinião por Marta Nogueira
O que impressiona em todo o filme é a solidão que cada uma das mulheres carrega e a forma como, cada qual do seu modo, procura compensar essa solidão estreitando cada vez mais o círculo que elas próprias constituem umas com as outras.
Pinky chega à cidade sem conhecer ninguém e logo se afeiçoa a Millie que, por sua vez, graças à sua língua afiada e aos ares superiores que transpira permanentemente, não consegue estar acompanhada durante tempo suficiente para estabelecer relações duradouras. As duas vão ter um caso com o marido da terceira mulher, a pintora Willie, uma artista estranha e solitária que mal abre a boca e que expressa os seus sentimentos através de pinturas murais grotescas.
Ao logo da acção as três mulheres alteram progressivamente os seus comportamentos – Pinky sofre um acidente em consequência de ter assistido à traição de Willie por Millie e o marido da primeira. E é precisamente este acidente que vai consituir o ponto de partida para a aproximação das vidas destas mulheres, até se misturarem por completo como um “female melting pot”. Pinky torna-se mais extrovertida e Millie menos arrogante e preocupada com algo mais do que a sua própria pessoa. As duas vão acabar por ajudar Willie a livrar-se de um marido traidor e alcoólico, o macho cowboy em pessoa (ex-duplo de um famoso actor de westerns), perfeito contraponto ao universo feminino.
O mais interessante neste filme é o facto de ser precisamente o testemunho da visão de um homem (Robert Altman) e do universo masculino em geral sobre o complexo e intrigante mundo feminino, ou seja, o filme não traz respostas mas sim perguntas, mostrando, isso sim, uma perplexidade um tanto ingénua perante tal mundo. A própria atmosfera estranha com que o realizador envolve o enredo acentua isso. Quase que o ouvimos dizer: “Vejam estas mulheres. Reparem bem em todos os seus pormenores, as suas bocas, os seus olhos, os assuntos das suas conversas, as cores que escolhem para se vestirem e para decorarem as suas casas. Ouçam as suas vozes, os seus silêncios, os seus desejos. Reparem como são tão diferentes, tão cheias de ambiguidades, tão vulneráveis e ao mesmo tempo capazes de coisas maquiavélicas como matar um homem.” É, nesse aspecto, um filme deliciosamente masculino, embora possa parecer muito feminino.
O mais engraçado é que, apesar da mistura de identidades, estas nunca deixam de ser isso mesmo, identidades. Ou seja, não há, afinal, o tal “female melting pot” porque o que acontece é apenas uma troca de identidades, sem sequer se estabelecer um qualquer laço entre elas – Millie torna-se Willie, esta em Pinky e a última na primeira, resumindo-se a uma simples troca de papéis, como se a única forma que as três encontram para se salvarem da própria solidão é tomar a personalidade da outra e emprestar a sua própria para que a outra lhe possa talvez dar um novo uso que a primeira não conseguiu. O que mostra, no fim de contas, que nenhuma delas se menospreza ou quer acabar com a sua vida (como a tentativa de suicídio de Pinky poderia fazer crer). O que elas pretendem é viver uma outra vida, até dela se fartarem e poderem retomar a anterior, guardada pelas outras. Apesar de tudo, no final, este círculo continua a girar em torno da solidão e mantém-se a inexistência de um verdadeiro elo que as una. A última frase que se ouve já sem vermos as três, que desaparecem no interior do bar, é “Millie, porque és sempre tão má para ela?” Mas só na geometria os círculos são perfeitos. E não é o círculo o símbolo feminino por excelência?
Sissy Spacek é deliciosamente obscura na sua “embalagem” aparentemente inocente e Shelley Duvall é portentosa.