26 de dezembro de 2019

Opinião – “The two Popes” de Fernando Meirelles


Sinopse

Por trás dos muros do Vaticano, o conservador Papa Bento XVI e o futuro liberal Papa Francisco devem encontrar um terreno comum para criar um novo caminho para a Igreja Católica.

Opinião por Artur Neves

Este é terceiro filme da plataforma Netflix que coleta 6 nomeações na categoria de melhor filme para os Golden Globe Awards de 2020, realizado por Fernando Meirelles, realizador brasileiro que já nos deu “Cidade de Deus” em 2002 e “Ensaio sobre a Cegueira” em 2008.
Desta vez apresenta-nos um drama biográfico baseado na obra teatral de Anthony McCarten; “O Papa” de 2017, que foi adaptada para cinema pelo próprio autor e que relata um encontro fictício no Vaticano entre Bento XVI e o então cardeal Mário Bergoglio, futuro papa Francisco I, em que são abordados os atuais problemas da fé, por dois homens que se apresentam como pessoas comuns, com dúvidas, fraquezas e vacilações.
A narrativa que nos é apresentada sobre a conversa entre os dois homens, pode considerar-se uma visão criativa do estado atual da igreja católica, onde a fé já não se aceita como o dogma inspiracional que deu origem a essa crença que deve ser seguida sem questionamento nem prova, numa altura em que são revelados crimes tão zelosamente guardados pela oligarquia do poder espiritual, numa desesperada atitude de manutenção do status quo que os protege.
Entre outros assuntos, nessa conversa, o Papa Bento XVI, Cardinal Ratzinger (Anthony Hopkins) revela o seu desejo de resignação do cargo por "falta de força da mente e do corpo" devido à idade, ao cardeal Jorge Mario Bergoglio (Jonathan Pryce) que o incentiva a continuar na função, referindo-lhe ser o primeiro papa em quase 600 anos de vida da igreja que usa esse argumento para deixar de ser o representante de Pedro na terra.
A igreja de Bento XVI está pejada de escândalos e ele não sente capacidade para os denunciar ou reverter, as pressões são demasiadas para as suas débeis forças. Bergoglio assume-se como crítico da gestão de Bento XVI e para não entrar em choque com ele solicita licença para aposentação, que não lhe é concedida. Desse diferendo resulta uma série de discussões e discordâncias filosóficas sobra a natureza do dogmatismo da fé, do pecado e do perdão e em que direção a igreja deve seguir para manter a relevância da sua atividade num mundo que parece estar apostado em prescindir dela.
O êxito do filme assenta na exímia performance dos dois atores que defendem duas personagens ostensivamente opostas. Bento XVI é um teólogo conservador, fechado na sua torre de marfim, avesso às questões mundanas que desviem o seu pensamento da academia da fé e que falhou ao permitir o encobrimento de alegações de abuso sexual de crianças por alguns clérigos. Bergoglio, pelo contrário é um cardeal do povo, que o filme mostra em vários flashbacks quando jovem e na década de 70 na Argentina, quando foi acusado de mostrar alguma aceitação pela ditadura militar responsável pela morte de milhares de pessoas. Todavia, ele vive entre o povo e com o povo e desmultiplica-se por variadas ações de cariz social e ecuménico que lhe conferem idoneidade e presença.
Em última análise Anthony Hopkins e Jonathan Pryce posicionam-se como os atores de uma comédia de amigos incompatíveis e são extraordinários nos seus papéis. Hopkins constrói um Bento arrependido por nunca se ter aberto ao mundo o que contradiz a sua retórica conservadora tradicional, da igreja católica e Pryce oferece-nos um personagem encantador, expressando provocação e inteligência desafiadora das premissas de Bento. Para o excelente desempenho de ambos vai toda a classificação indicada a seguir.

Classificação: 9 numa escala de 10

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