11 de dezembro de 2019

Opinião – “Marriage Story” de Noah Baumbach


Sinopse

‘Marriage Story’, é um filme protagonizado por Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson) que mostra o processo de divórcio de um jovem casal, um diretor de teatro e uma atriz, bem sucedidos nas sua carreiras profissionais, mas incapazes no seu relacionamento pessoal.

Opinião por Artur Neves

Consta que este filme, somente acessível através da plataforma Netflix, corresponde em traços gerais ao desfecho da relação entre o realizador Noah Baumbach e a sua ex-mulher; Jennifer Jason Leigh em 2013, ao fim de oito anos de casamento. O filme tem seis nomeações na categoria de Drama, para o 77º Golden Globe Awards, que terá lugar em 5 de Janeiro 2020 na NBC e que costuma ser um evento premonitório do que se passará alguns meses mais tarde na cerimónia dos Óscares de Hollywood.
Numa palavra, pode dizer-se que este filme é abrasador no aspeto documental da desconstrução de uma relação que tinha (e teve) tudo para dar bem. Ele conta a história de um divórcio e da subsequente disputa dos direitos de parentalidade sobre o filho do casal, entre duas pessoas que se amaram, ainda nutrem sentimentos de pertença um pelo outro, mas que as questiúnculas espúrias, mal resolvidas do seu relacionamento os arrastou para uma espiral de desavença que inibe a reversão para o estado inicial do relacionamento.
O modo de contar a história é outro aspeto relevante deste filme, por inovador. Os personagens apresentam-se ao espectador através de monólogos sobre o que cada um pensava do outro no início da relação, através da leitura de textos que ambos escreveram nesse tempo e constitui o único elemento que nos descreve os “dias felizes”. Dá-nos logo à partida a noção do que foi perdido e mais importante ainda, o conteúdo daquilo que ele sentem que perderam durante o tempo que viveram até ali, de que sentem falta e assumem como tão irrecuperável que os leva à separação.
A maior parte dos 136 minutos reporta-se ao mecanismo jurídico do divórcio que inicialmente foi falado entre os dois para ser amigável, mas ao cair no campo litigioso, por conselho de uma amiga de Nicole que lhe recomenda a contratação de Nora Fanshaw (Laura Dern), a separação perde a oportunidade para a manutenção da amizade porque os advogados de ambos apenas estão interessados em ganhar e receber os seus honorários. Os clientes apenas pretendem resolver a situação com o mínimo de dor e secretamente alimentam a hipótese de reconciliação, mas o “combate” perde as regras de compostura e tudo serve para denegrir as imagens um do outro, até aos seus próprios olhos, quando apresentadas sob o prisma justicialista de influenciar negativamente um juiz.
Por outro lado, o objetivo dos superiores interesses da criança apresentam-se como pedra de arremesso para obter a “vitória” e Henry (Azhy Robertson), não passa de um peão no meio de uma teia social que ele não controla nem compreende. Ambos os pais declaram que o seu bem-estar é a coisa mais importante, todavia não se coíbem de gastar com os advogados o dinheiro depositado com o objetivo de custear as despesas com a universidade, ganhando em troca migalhas de direitos, que eles até nem tinham reivindicado.
Nesta área, a cena mais risível de todo o filme, concentra-se na visita da avaliadora parental (o equivalente a uma assistente social, presumo) com o objetivo de inspecionar o ambiente habitacional e relacional com Henry de cada um dos pais. A personagem criada surpreende pela inépcia, inação e impreparação que apresenta na visita. Uma verdadeira anedota, que não deve ter sido por acaso que foi incluída.
Embora a situação se fundamentei num caso real e as emoções daí decorrentes sejam universais, os personagens não são pessoas comuns. Eles habitam uma “bolha” social restrita onde os seus problemas, reais para eles, podem parecer algo banais para todos os que vivem vidas menos privilegiadas. Isso resulta dum certo snobismo intelectual de Noha Baumbach que torna difícil sentir por eles um nível empático mais profundo, apesar de mostrar grande sensibilidade ao descrever as emoções universais motivadas por um divórcio. Todavia não tira valor ao imenso drama afetivo que é banalizado em ninharias pela ação dos advogados. Recomendo vivamente, é um “Kramer vs Kramer” atual e sem lamechices.

Classificação: 8,5 numa escala de 10

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