Sinopse
O Irlandês conta a história de Frank Sheeran "The Irishman", um
sindicalista e veterano da Segunda Guerra Mundial que se torna num assassino a
soldo para a máfia. Agora velho, e incapacitado numa cadeira de rodas, Sheeran
começa a refletir sobre os eventos que definiram a sua carreira no mundo do
crime organizado, no seu envolvimento com a família Bufalino, e nas suas
escolhas e ações que tiveram um papel decisivo no desaparecimento do seu amigo
de longa data, o líder trabalhista Jimmy Hoffa.
Opinião
por Artur Neves
Mais um filme que só pode
ser visto na plataforma de streaming
Netflix. Até agora já conseguiu 5 nomeações ao prémio de melhor filme na
categoria de “drama”. No conjunto de 3 das suas realizações para a cerimónia 77º
dos Golden Globe Awards, de 5 de Janeiro 2020, conta já com 17 nomeações para a
mesma categoria, sendo o terceiro filme; “The
two Popes” a estrear em 20 de Dezembro no Reino Unido, merecedor de 6
nomeações. Isto pode significar uma mudança de paradigma para a indústria da
sétima arte, que não é um mal em si mesmo, mas que exige alguma adaptação dos
espectadores e de outros meios técnicos para usufruir de idêntica qualidade de
visionamento numa sala de cinema.
A história é contada como
sendo as memórias de Frank Sheeran (Robert de Niro) no final da sua vida,
retido numa cadeira de rodas numa casa de repouso, em que ele se confessa a um
padre ou fala para si, não interessa, porque o importante é o facto dele,
agastado pela idade e sem interesse em ser considerado como herói ou vilão,
recorda a sua vida duma maneira que compreendemos que interferiu na vida de
todos os americanos sem que na altura eles se tivessem apercebido.
Como certa crítica
internacional tem referido, este é o filme cúpula da obra de Scorcese, ao que
eu me permito discordar, considerando antes a ilustração do prazer perverso que
ele tem em mostrar o pecado humano, bem como, a sua consequência na alma humana,
(veja-se “Taxi Driver”) construindo inexoravelmente um ato final assombrado
pela velhice, pela incapacidade física e pelo arrependimento, com a mesma indiferença
com que cometeu os atos agora recordados.
A história do filme decorre
durante uma viagem de Sheeran e Bufalino (Joe Pesci) com as suas esposas para
um casamento em Detroit em 1975, enquanto em longos flashbacks e paragens em lugares significativos para ambos, conhecemos
a lenta ascensão de Frank Sheeran na irmandade mafiosa em que Bufalino era o
seu mais destacado representante. O filme conduz-nos como observadores discretos
ao longo da vida destes dois homens, dando-nos todos os elementos significativos,
sem sobressaltos nem violência excessiva, mostrando-nos também a facilidade com
que Martin Scorcese manipula com suavidade os elementos do cinema, tornando a
narrativa totalmente absorvente.
É fácil imaginar que ambas
as linhas da história hão de encontrar-se algures, mesmo após a entrada de Jimmy
Hoffa (Al Pacino) o chefe dos Teamsters
Union (sindicato dos motoristas dos
USA e Canadá) que comportamentalmente se situa nos antípodas de Frank e Sheeran.
Hoffa é truculento, excessivo, extrovertido, fácil de irritar tanto por amigos
como por inimigos e todavia muito chegado a eles. É Frank que estabelece uma
ponte de ligação com o sóbrio Bufalino (como o poster do filme pretende
representar) apesar de ter estabelecido com Hoffa uma sólida amizade baseado no
respeito mútuo e na entreajuda.
A história baseia-se no
livro "I Heard You Paint Houses",
de Charles Brandt (Eu ouvi você pintar casas) que se refere à primeira conversa
entre Frank Sheeran e Hoffa, que segundo um código da máfia significa; “ouvi
você matar pessoas” sendo a “tinta”, as pingas de sangue nas paredes resultantes
do disparo de balas contra um corpo. Todavia, Scorcese não está muito interessado
em contar-nos o desenrolar desses eventos que tiveram uma investigação
detalhada no caso do assassinato de Jimmy Hoffa e um processo legal longo, mas
antes mostrar-nos o apagamento lento da humanidade do personagem “O Irlandês”
(Frank Sheeran) e dos seus colegas de organização do crime, homens sem consciência
que dificilmente merecem a classificação de homens. Isso é magistralmente conseguido
neste filme por Frank que, de zeloso e competente encarregado de missões de
morte, se transforma num ser mecânico obediente, sem alma, sentido crítico ou
humanidade. Muito bom, recomendo vivamente.
Classificação: 9 numa escala
de 10
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