28 de fevereiro de 2022

Opinião – “O Poder do Cão” de Jane Campion

NOTA: Este filme estreou inicialmente na plataforma de streaming Netflix e como tal já teve uma apreciação neste blogue, todavia as suas 12 nomeações para os Óscares da Academia Americana de 2022 e a estreia em sala pela mão da NOS Audiovisuais, justifica a sua republicação.

Sinopse

Severo, de olhos claros, bonito, Phil Burbank é brutalmente sedutor. Todo o romance, poder e fragilidade de Phil estão presos no passado e na terra: ele pode castrar um bezerro com dois golpes rápidos da sua faca; ele nada nu no rio, encharcando seu corpo com lama. Ele é um cowboy tão cru quanto as peles obtidas nas suas caçadas. Corre o ano de 1925. Os irmãos Burbank são fazendeiros ricos em Montana. No restaurante Red Mill, a caminho do mercado, os irmãos encontram Rose, a proprietária viúva e seu filho gentil, Peter.

Phil se comporta tão cruelmente que leva os dois às lágrimas, deleitando-se com sua dor e levando seus companheiros vaqueiros ao deleite dos brutos – todos exceto seu irmão George, que conforta Rose e depois volta para lhe propor casamento. Enquanto Phil oscila entre a fúria e a astúcia, sua provocação a Rose assume uma forma estranha – ele paira no limite de sua visão, assobiando uma música que ela não consegue tocar no piano que George lhe ofereceu. Humilha o filho dela de forma aberta, amplificada pelos aplausos dos vaqueiros ao serviço de Phil. Posteriormente, Phil assume voluntariamente a educação do menino sob sua responsabilidade. Este último gesto é a suavização de uma relação que deixa Phil exposto ou uma trama que se transforma em ameaça?

Opinião por Artur Neves

Jane Campion tornou-se notada quando em 1993 foi vencedora do Óscar da Academia Americana com o filme “O Piano” em que uma pianista muda, a sua filha e um piano de marca, são enviadas para Nova Zelândia, para ela casar com um fazendeiro abastado. Os problemas começam quando um trabalhador local se apaixona por ela. A pianista muda era Holly Hunter que tem aqui a sua ascensão ao estrelato através da direção de Jane Campion que faz dela um personagem ainda hoje inesquecível quando é nomeada pelas suas novas realizações, como neste filme em que o pormenor, a descrição lenta e porfiada da caraterização dos personagens os tornam reais, próximos de nós e convincentes nas atitudes que os vemos tomar na interpretação da história que os suporta.

A sinopse é suficientemente descritiva sobre o enredo da história pelo que vou voltar-me para o desenvolvimento dos personagens que é o que Jane Campion faz melhor, ao seu ritmo lento, pormenorizado, detalhando as diferenças significativas de uma história passada em Montana em 1925, em plena conquista do oeste americano, mostrando-nos que nem só de tiros, índios e cowboys se faz um western. O argumento foi baseado no romance com o mesmo nome, escrito em 1967 por Thomas Savage e o filme teve a sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Veneza em setembro de 2021 que lhe conferiu o Leão de Prata de Melhor Realização. O trabalho foi realizado na Nova Zelândia, numa zona montanhosa do país mas que não se parece com o estado de Montana, todavia as tomadas de vista panorâmicas, em jeito do que faria Terrence Malick, são impressionantes e atestam bem a maestria da autora.

As quatro personagens mencionados na sinopse são-nos meticulosamente apresentadas, começando por Phil (Benedict Cumberbatch), que se apresenta como um fazendeiro machista, duro, naturalmente agressivo, que esconde uma homossexualidade latente, menosprezando tudo e todos, bem como todas as atividades que não revelem a virilidade inerente à sua necessidade de a mostrar, para ocultar a sua fraqueza profunda e o seu segredo escondido entre ramos e folhas de árvores da floresta, onde periodicamente se recolhe para solitariamente apreciar em revistas fotográficas da época, corpos musculados de homens. Nesses momentos ele perde-se em fantasias homoeróticas e lembranças do seu mentor Bronco Henry falecido há cerca de 20 anos, de quem ele guardou um lenço que usa para se masturbar. Na realidade ele é apenas um ser sofrido pela sua condição, não é intrinsecamente mau, apenas sente necessidade de compensar a sua fraqueza com demonstrações violentas. O seu irmão George Burbank (Jesse Plemons) tem o comportamento oposto dele. É calmo, ponderado a falar com frases curtas e por vezes insuficientes para concretizar uma ideia, e para a necessidade de exuberância do seu irmão Phil, pelo que se torna o alvo das suas provocações, tratando-o sistematicamente por “gordo”, escarnecendo das suas premissas e da sua falta de apetência para a lidação com o gado. George tem estudos e outra visão da vida de que não abdica, como a constituição de uma família com a viúva Rose Gordon (Kirsten Dunst) dona do restaurante da cidade que o gere com a ajuda do seu filho Peter (Kodi Smit-McPhee), de aparência esguia, delicado, aspirante a médico, metido consigo e com os seus livros e com as suas habilidades manuais de fazer arranjos de flores em papel colorido que se destinam à decoração das mesas.

É com estes quatro elementos que Jane Campion desenvolve uma história de competição e confronto de personalidades. Quando George e Rose depois de casados coabitam com Phil a casa de família no rancho, Phil envolve-se em provocações psicológicas a Rose que integra muita emoção no papel do seu personagem, mas a força está com Phil. Peter por seu lado, observa, regista, mastiga as humilhações e com base na religiosidade da sua formação folheia o Livro de Oração, lê os Salmos 22:20 “Livra a minha alma da espada minha querida, e do poder do cão”, reflete, e sorrindo suavemente engendra um processo para castigar o pecador. Diabolicamente lindo, muito bem interpretado é merecedor de ser visto com tempo para o desfrutar ao longo dos seus 126 minutos. Recomendo sem reservas.

Em exibição em sala a partir de 03 de Março

Classificação: 7 numa escala de 10

 

25 de fevereiro de 2022

Opinião – “Competição Oficial” de Mariano Cohn, Gastón Duprat

Sinopse

Quando um empreendedor multimilionário decide impulsivamente criar um filme icónico, ele exige os melhores e recruta a conhecida realizadora Lola Cuevas (Penélope Cruz) para orquestrar a sua ambiciosa proposta. A completar um elenco de estrelas são escolhidos dois atores de enorme talento, e egos ainda mais colossais: o grande galã de Hollywood Félix Rivero (Antonio Banderas) e o radical ator de teatro Iván Torres (Oscar Martínez).

Embora sejam lendários no ramo, os dois não são propriamente grandes amigos. Sujeitos por Lola a uma série de testes cada vez mais excêntricos, Félix e Iván têm de se confrontar não só um com o outro, como também com os seus próprios legados. Qual deles restará quando a câmara começar finalmente a filmar?

Opinião por Artur Neves

Os realizadores Mariano Cohn, Gastón Duprat têm como antecedente de referência um filme muito interessante também interpretado por Oscar Martínez com o nome de “Cidadão Exemplar” em que ele, um escritor de renome há muito tempo afastado voluntariamente da sua terra natal na Argentina, propõe-se lá voltar depois de ser agraciado com um prémio Nobel que distinguia a sua obra e, na sua opinião, o valorizava aos olhos dos seus conhecidos na sua terra de origem.

Como pode pensar-se, as coisas não se passam assim e tal como neste filme, em que dois nomes sonantes da sétima arte são contratados para corporizarem o legado de um milionário farmacêutico em empo de reflexão sobre a vida, eles preocupam-se antes em desenvolverem o seu personagem melhor do que o outro, preocupando-se mais com a competição entre si. que normalmente tende a não produzir destaque a uma das partes, do que na canalização de esforços comuns para que o resultado, o filme, seja uma obra-prima como o produtor pretende.

Para que tudo corra pelo melhor o produtor não se escusa a esforços para contratar o melhor realizador da época, Lola Cuevas (Penélope Cruz) que depois de conhecer a história e integrar o tema na sua complexa e excêntrica maneira de ser e sensibilidade esotérica, evidenciada nas suas esdruxulas posições de descontração e de meditação, sente que precisa de se orientar pela busca da verdade e explorar as mais excitantes possibilidades de ambos os atores convidados; Félix Rivero (António Banderas) e Iván Torres (Oscar Martínez) para que eles possam dar o melhor de si e que por ego, ou vaidade masculina, eles não pretendam ofuscar-se mutuamente. Para conseguir isso, Lola submete-os aos mais duros ensaios, durantes as fases de preparação das filmagens, de leitura dos textos, de composição das cenas como maneira de eles esgotarem os seus impulsos primários e trabalharem coordenadamente.

Portanto a história deste filme reporta-se á confrontação de dois colegas de profissão de forma satírica e altamente competitiva tendo com pano de fundo a pretensão cínica do mecenato cultural que mantenha para a história o bom nome do seu financiador. Em boa verdade, a Humberto Suárez (José Luis Gómez) o mecenas bilionário, não lhe interessa o enredo do filme de cujo livro em que é inspirado lhe custou elevada quantia e que ele nem percebe bem. A sua preocupação real é aos 80 anos reconhecer que apesar de toda a sua fortuna não deixa atrás de si algo de valor autêntico ou de utilização e consequências duradouras.

É pois um filme com um sentido de humor indireto, baseado na sensibilidade estética do local dos ensaios e nos pormenores de preparação das cenas e do guarda-roupa dos dois atores para o qual foi utilizado um carinho especial para não prejudicar os personagens, muito embora as suas cenas e os seus diálogos possam surgir como ridículos. “Competição Oficial” é um filme diferente do comum onde tudo se passa antes do início das filmagens e foi o Filme de Abertura do Festival de Cinema de San Sebastian e foi ainda Seleção Oficial quer do Festival de Cinema de Veneza quer do Festival de Cinema de Toronto. Contendo cenas “bem apanhadas”, um twist inesperado no final que não engana Lola Cuevas, define-se como interessante e recomendável.

Tem estreia prevista em sala dia 03 de Março

Classificação: 6 numa escala de 10

 

24 de fevereiro de 2022

Opinião – “Drive my Car” de Ryûsuke Hamaguchi

Sinopse

Dois anos após a morte de sua esposa, Yusuke recebe uma oferta para dirigir uma produção de Uncle Vanya num festival de teatro em Hiroshima. A produção designa Misaki, uma jovem taciturna para conduzi-lo no seu amado Saab 900 vermelho. À medida que a estreia da produção se aproxima, as tensões aumentam entre o elenco e a equipe, principalmente entre Yusuke e Koji Takatsuki, um ator de TV que compartilhava uma ligação indesejada com a falecida esposa de Yusuke. Assim, este é forçado a confrontar verdades dolorosas levantadas do seu passado, e começa – com a ajuda da sua motorista – a enfrentar os mistérios assombrosos que sua esposa deixou para trás

Opinião por Artur Neves

O cinema Japonês ainda é para alguns de nós uma fonte de surpresa decorrente da relativa ignorância que temos acerca da sua filosofia de vida, da sua moral e dos seus costumes sempre aparentemente reverenciais para com o outro. No caso presente, os seus 180 minutos de duração pode constituir um fator dissuasor, que desde já aviso, não deve ser tido em conta. Baseado num conto da coleção de Haruki Murakami; “Homens sem Mulheres” sobre as barreiras e os segredos mais íntimos que existem entre pessoas ligadas, esta história é multifacetada, progredindo em diversos assuntos que se entretecem com muita coerência sem deixar pontas soltas, apesar de nos surpreender logo desde as primeiras imagens com um fluxo de ideias que àquela altura se apresenta como um mistério impenetrável, decorrente das escassas informações que possuímos.

A história brevemente descrita na sinopse percorre um caminho de amor, perda, aceitação, paz e redenção num novo amor, atravessando um mar de tristeza profunda que se move em ritmo glacial (daí a sua extensa duração) e nos mostra comportamentos e conceitos de alma como poucos filmes se atreveram a fazer. Todo o enredo gira em torno da obra de Chekhov “ Tio Vanya” que envolve todos os personagens, incluindo a defunta esposa Oto Kafuku (Reika Kirishima) de Kafuku (Hidetoshi Nishijima) que criava histórias sempre que eles faziam sexo. Oto tinha esse fetiche, até ao ponto de derivar sobre as falas da peça de Ghekhov durante o ato e ler para gravar em cassete toda a peça, exceto as falas de Kafuku. Ele levava e ouvia a peça quando viajava ao volante do Saab 9000 e completava os espaços em branco milimetricamente deixados no suporte para a sua intervenção. Por outro lado Kafuku não se sentia capaz de assumir o papel em público por não se sentir ao nível de interpretar o papel do Tio Vanya que ele conhecia de cor ao longo de toda a peça.

O filme é dividido em partes, sendo os primeiros 40 minutos a apresentação de Kafuku e dos mistérios que envolvem o seu relacionamento com sua esposa. Ele é um ilustre diretor de teatro em Tóquio dirigindo produções multilingues com dialetos do Japão e dos países vizinhos e é convidado para dirigir em Hiroxima uma parceria nos mesmos moldes da mesma peça de Chekhov que ele conhece como ninguém e que para ele tem um significado ainda desconhecido decorrente dos mistérios construídos por Oto. Ela produz estranhas ideias para história após o coito, narrando-as para ele no período de recobro. Tudo isto acontece depois de ele a ter encontrado tendo um caso com um ator, em sua própria casa, no regresso de uma viagem imprevistamente adiada. Essa visão, essa confirmação da traição não lhe provoca qualquer reação ou comentário, apenas o motiva para obter uma justificação para o seu comportamento. No dia em que prometeram falar sobre assunto, ele ao chegar a casa encontra-a morta no chão, vítima de um AVC.

Esse hiato criado na sua mente, nas suas expectativas para encontrar uma razão, vai condicioná-lo no seu trabalho em Hiroxima. Todos os dias ele é compelido a percorrer o seu estranho passado com sua esposa na companhia de uma condutora ao volante do seu carro que a produção do festival lhe impõe a presença por segurança e que por inerência vai-se inteirando das suas mais profundas preocupações e revelando igualmente a sua conturbada existência.

Este drama japonês vem colecionando elogios da crítica e venceu três prémios no festival de Cannes 2022, incluído o de melhor argumento adaptado, justificando-se plenamente o tempo utilizado por Hamaguchi para nos introduzir numa problemática de suspensão do espírito quando somos surpreendidos por um ato de todo inesperado. O tempo é necessário não só para compreender os personagens, mas para que sintamos uma imagem do que cada um deles sente no seu posicionamento da história que se insere na peça de Chekcov e nos mistérios de Oto Kafuku. Recomendo vivamente, sem reservas…

Tem estreia prevista em sala dia 10 de Março

Classificação: 8 numa escala de 10

 

18 de fevereiro de 2022

Opinião – “Belfast” de Kenneth Branagh

Sinopse

Belfast narra a vida de uma família protestante da Irlanda do Norte da classe trabalhadora da perspectiva de seu filho de 9 anos, Buddy, durante os tumultuosos anos de 1960. O jovem Buddy (Jude Hill) percorre a paisagem das lutas da classe trabalhadora, em meio de mudanças culturais e violência extrema. Buddy sonha em um futuro melhor, glamoroso, que vai tirá-lo dos problemas que enfrenta no momento, mas, enquanto isso não acontece, ele se consola com o carismático Pa (Jamie Dornan) e a Ma (Caitríona Balfe), junto com seus avós (Judie Dench e Ciarán Hins) que contam histórias maravilhosas. Enquanto isso, a família luta para pagar suas dívidas acumuladas. Pa sonha em emigrar para Sydney ou Vancouver, uma perspectiva que Ma encontrou com aflição. No entanto, ela não pode mais negar a opção de deixar Belfast à medida que o conflito piora e Pa recebe uma promoção e um acordo de moradia na Inglaterra de seus empregadores.

Opinião por Artur Neves

Kenneth Branagh é natural de Belfast, onde nasceu em Dezembro de 1960 pelo que seria expectável ter competência para nos mostrar os duros anos da guerra “santa” na sua terra entre protestantes e católicos se ele e a sua família não tivessem imigrado para o sul de Inglaterra, para Londres quando ele tinha 9 anos para evitar os tumultos que se vieram posteriormente a verificar. Ainda assim, isso poderia ser uma vantagem, se a história que nos é contada reproduzisse com seriedade os vários episódios de conflito entre as populações católicas e protestantes, atualmente denominados “republicanos e legalistas” respetivamente, e nos apresentasse a sua visão sobre as raízes do conflito mais importante denominado por “Troubles”, que se manifestou desde 1960 até 1998, considerando que a história do filme começa em 1969 quando as fações em confronto se designavam por “nacionalistas e sindicalistas” sendo os protestantes os mais aguerridos e mais adeptos da ideia de “sindicato” que despontava na época.

Mas nada disso se verifica, Branagh opta por nos contar um drama com laivos autobiográficos centrado no ponto de vista obviamente distorcido de Buddy (Jude Hill), uma criança irlandesa de uma família protestante que vive num bairro católico com os seus pais e avós tal como descrito na sinopse, estabelece os seus contactos na escola e na rua sem ligar de perto ás tendências dos seus colegas, muito particularmente à católica colega de classe Catherine (Olive Tennant), inteligente e delicada que lhe motiva todas as atenções e preferências da sua puberdade em formação.

Adicionalmente a isto Kenneth Branagh começou a sua vida artística pelo teatro clássico e começou a ser notado no cinema num filme baseado na adaptação feita por ele, de uma peça de William Shakespeare; “Muito Barulho para Nada” de 1993, tendo continuado em todos os filmes em que se empenhou a fundo a tentar fazer a junção do teatro ao cinema sem considerar que ambas as artes têm uma linguagem próprias e vinculadamente diferentes. Em ambas as artes representa-se, sim, mas de maneira diferente. Aliás, refira-se ainda que as suas incursões pelos contos de Agatha Christie adaptados por ele para o cinema; “Um Crime no Expresso do Oriente” de 2017 e o recente “Morte no Nilo” de 2020 atualmente em exibição, em que ele usurpa o papel de Hercule Poirot, documenta a maneira prática de destruir a mística de um conto policial teatralizando-o de forma despudorada.

Posto isto, não percebo como uma história com tantas vítimas que durante tanto tempo deixou marcas indeléveis na cultura e na sociedade inglesa, possa ter obtido tantas nomeações para ser um dos candidatos aos Óscares de 2022 e ficar ao lado de por exemplo; “O Poder do Cão” uma história poderosa já apreciada neste blogue. Assim sendo e para continuar a falar do filme em si, posso dizer que o nosso herói Buddy (Kenneth Branagh, criança) mora num bairro “misto” e fica admirado com a ocorrência de um motim organizado por protestantes, que ele conhece, são seus amigos e regateiam a sua colaboração na pilhagem de um supermercado de bairro. Ele só tem interesse por futebol e histórias de quadradinhos, e fica muito impressionado quando é convidado a servir-se sem pagar nos despojos de uma loja arrombada durante um motim. Em casa os pais preocupam-se com a sua falta de dinheiro e a nostalgia da história é usada para evitar a contextualização dos problemas que justificam aquele conflito de 30 anos, de caris fundamentalmente social, e que no filme se resume a um vago problema de “religião violenta”.

Depois de uma primeira tomada de vistas por um drone sobre a Belfast atual, o filme desenvolve-se a preto e branco na rua onde mora Buddy fixando a ação às “quatro paredes” do “palco” formadas pela rua e pelas transversais acima e em baixo onde os motins, filmados de perto, retiram boa parte da tensão que deve ter sido viver num sítio daqueles. Aqueles conflitos tiveram contornos de limpeza étnica, mas o filme transforma-os em sentimental e nostálgico, seguindo Buddy para a escola a e para a igreja ou Buddy assistindo ao “Star Trek” na televisão manipulando a dureza daqueles tempos que dividiram e continuam a separar o Reino Unido, mesmo após a solução de Boris Johnson para a concretização do Brexit.

Nada do que é mostrado nesta história nos acrescenta algo ao que aconteceu em Belfast nos anos duros da guerra, que Kenneth Branagh transforma num conto pessoal de agradecimento com tons de rosa à cidade, aos amigos e aos pais. Serve para ele, para mim fica muito aquém das expectativas.

Tem estreia prevista em sala dia 24 de fevereiro

Classificação: 4 numa escala de 10

 

16 de fevereiro de 2022

Opinião – “Uncharted” de Ruben Fleischer


 Sinopse

O perspicaz Nathan Drake (Tom Holland) é recrutado pelo experiente caçador de tesouros Victor “Sully” Sullivan (Mark Wahlberg) para recuperar a fortuna arrecadada por Fernão de Magalhães e perdida há 500 anos pela Casa de Moncada. O que começa como um golpe, rapidamente se torna numa corrida pelo mundo para encontrar este tesouro antes do implacável Santiago Moncada (Antonio Banderas), que acredita que ele e a sua família são os seus legítimos herdeiros. Se Nate e Sully conseguirem decifrar as pistas e resolver um dos mais antigos mistérios do mundo, irão alcançar o tesouro de 5 mil milhões e talvez até o irmão desaparecido de Nate... isto se aprenderem a trabalhar em equipa.

Opinião por Artur Neves

A história que suporta o filme é um argumento de videojogo, no qual os personagens têm todos os movimentos previstos e o espectador não pode intervir além de olhar, olhar e continuar a olhar para uma ação que se desenvolve em frente dos seus olhos, revelando os segredos que ocultam o desfecho final que facilmente se antecipa sem muita surpresa. Por outro lado não tem novidade. As armadilhas e os alçapões pensados e criados não foram objeto de um rasgo visionário de um argumentista em ascensão mas antes a repetição com algumas variantes de situações já vistas, recicladas, reinterpretadas que conduzem sempre à mesma solução e ao mesmo final estafado do bem que vence o mal, glória aos heróis e castigo aos vilões.

Quando se começa a ver recordamos algo semelhante de outras épocas, como “Os Salteadores da Arca Perdida” e as suas sequelas, porque na essência a história remete-nos para essa mirífica idade em que um professor de História de uma faculdade, despia o fato da cátedra envergava a pele do explorador científico e partia para outras paragens em busca do Santo Graal da cultura que haveria de certificar a sua tese debatida em plenário. Claro que era uma história, mas a sua devoção ao resultado era mais séria e tanto as motivações como as atitudes estavam impregnadas duma dignidade que neste “Uncharted” não paira por qualquer das cenas. Claro que no outro era tudo falso, a fingir, mas neste a justificação são somente a ganancia e a ideia de poder que se esboroa no tempo.

Este “Uncharted” possui uma história muito acessível, logo ao nível dos videogames e uma dinâmica bem humorada que todavia não são suficientes para transformarem em homem o personagem criança crescida Nathan Drake (Tom Holland), bar tender de profissão em Nova Yorque que abandona as sua atividades quando desafiado por Victor Sullivan (Mark Wahlberg) para procurar o ouro perdido na viagem de Fernão de Magalhães no século XVI, que constitui igualmente o projeto de Santiago Moncada (Antonio Banderas) só que com mais meios e dinheiro contrata mercenários para lhe fazerem o trabalho que serão os principais vilões contra quem Nathan e Sulli têm de se confrontar em toda a demanda pelos locais menos comuns, que as pistas indiciam. Porém, ainda existe mais um personagem Chloe Frazer (Sofia Ali), que de acordo com as circunstâncias, joga para ambos os lados em todas as situações construídas por Ruben Fleischer e sua equipa, que apesar da multiplicidade de confrontos cruzados não confere ao filme um “sabor” que o caraterize. O que é pena, porque em algumas sequências mais arrojadas sente-se que foram construídas com imaginação, todavia a brevidade da sua duração e a sua imediata superação tornam-nas vulgares e supérfluas.

No seu conjunto a história explora uma tradição de aventuras perversas, com uma equipa de heróis que desconfiam todos uns dos outros para conferir à aventura um cariz de imprevisibilidade em todas as pistas encontradas por Nathan, o mais bonzinho de todos, Sulli, o mais sarcástico, e Chloe que conhece e não confia em Sulli e que por isso duvida de Nathan. Não há química entre eles e do lado dos vilões só Jo Braddock (Tati Gabrielle) contratada pelo implacável Moncada se fixa no nosso olhar pelo irrealismo de algumas ações. Bem sabemos que os filmes de aventuras há muito tempo abandonaram as leis da física mas uma série de paletes carregadas a saírem amarradas de um DC10, em pleno voo, como mostra o poster do filme, parece imediatamente impossível, porém constitui um exemplo da prodigiosa imaginação dos efeitos especiais e faz-nos pensar nas possibilidades que sobram para os personagens. É uma aventura total e o que mais interessa é a pura fruição das sequências arrojadas, se não é este o seu objetivo caro leitor, então este filme não é para si.

Tem estreia prevista em sala dia 17 de fevereiro

Classificação: 5 numa escala de 10

15 de fevereiro de 2022

Opinião – “Cyrano” de Joe Wright

Sinopse

Em Cyrano, o premiado realizador Joe Wright envolve os espectadores numa harmonia de emoções, música, romance e beleza, reinventando esta intemporal história sobre um comovente triângulo amoroso. Um homem à frente do seu tempo, Cyrano de Bergerac (interpretado por Peter Dinklage) deslumbra tanto com os seus ferozes jogos de palavras em disputas verbais, como com a sua esgrima formidável em duelos. Mas, convencido de que a sua aparência o torna indigno do amor de uma fiel amiga – a resplandecente Roxanne (Haley Bennett) – Cyrano não lhe declara os seus sentimentos e Roxanne apaixona-se à primeira vista por Christian (Kelvin Harrison, Jr.).

Opinião por Artur Neves

“Cyrano” é mais uma versão para cinema da peça de teatro feita em 1897 pelo poeta e dramaturgo francês Edmond Rostand, inspirado na vida real de Cyrano de Bergerac, um homem que viveu em 1600, impetuoso nos duelos de espada, com dotes linguísticos e de escrita e também um verdadeiro artista musical, provido de um nariz demasiado proeminente que o desclassificava aos seus próprios olhos de ser merecedor do amor por uma prima distante, Roxane, que ele amava em silêncio. Deixo aqui já um aviso que se trata de um filme musical, nem sempre do agrado do público cinéfilo.

A argumentista Erica Schmidt pegou na peça original e reinventou-a alterando a caraterística identitária de Cyrano de forma a poder servir para um novo personagem interpretado pelo seu marido Peter Dinklage, bem conhecido do grande público e com talento reconhecido na série da HBO “A Guerra dos Tronos” (2011 a 2019), transformando-a num conto sobre um afeto profundo vivido em segredo e não correspondido, mais ao jeito das histórias de amantes infelizes que pululam na obra de Shakespeare. Assim este filme é mais uma adaptação de Hollywood aos contos clássicos que pela ousadia da sua transformação literária e pela mão de Joe Wright consegue alcançar um resultado híbrido entre o clássico de amor e os filmes de capa e espada.

Relembro que as obras anteriores mais notórias de Joe Wright, como “Orgulho e Preconceito” de 2005 ou “Expiação” de 2007 eram histórias sensuais, com desenvolvimentos ricos em detalhes íntimos, que neste seu “Cyrano” só podemos sentir por uma expressão de vontade, considerando que a profusa banda sonora de Bryce e Aaron Dessner (The National) consegue interromper a demonstração sentimental dos personagens. As peças que mais se destacam são uma música rock durante a intervenção do vilão e uma balada triste ao piano que enquadram os lamentos secretos de Cyrano mas de difícil recordação após o contexto em que a ouvimos. Por outro lado, sempre que assistimos a uma narrativa entre quaisquer personagens, logo o diálogo é substituído por música a que se segue outra, assumindo-se com todos os defeitos e vantagens dos filmes musicais.

Decorrente da experiencia de Dinklage o argumento permite-lhe muitas hipóteses de usar o seu pendor cómico, bem como exibir a sua tristeza de rigidez de rosto enquanto as lágrimas lhe caem dos olhos quando Roxane lhe revela que está apaixonada por outra pessoa. Ele nem pestaneja e congela a expressão tornando-a numa máscara destroçada de tragédia. Roxane, pelo seu lado exibe uma visível energia emotiva para equilibrar o desempenho de Cyrano, constituindo com ele o par mais desligado do romance.

É admirável a ideia destas pessoas em recriar uma nova versão de “Cyrano de Bergerac” que se distinga das suas congéneres, sem nariz e com outras caraterísticas que valorizam este personagem pouco conhecido, despindo-o de grandes tiradas teatrais e substituindo-as por um naturalismo adequado à modéstia das melodias, todavia isso não consegue ultrapassar que o amor central da peça, apesar de muito cantado por todos, se cinge a uma amizade forçada mal enquadrada no que deveria ser um conto de fadas. Vale o propósito, perde-se o resultado.

Tem estreia prevista em sala dia 24 de fevereiro

Classificação: 5 numa escala de 10

 

10 de fevereiro de 2022

Opinião – “O Bando de Ned Kelly” de Justin Kurzel

Sinopse

"O Bando de Ned Kelly" é a história verdadeira do fora de lei australiano mais famoso de sempre e da sua trágica queda à revolta que o levou às trevas. Um relato dos anos mais jovens da vida de Ned e o tempo que antecedeu à sua morte em que o filme explora os limites confusos entre o bom e o mau, e as motivações para a morte do seu herói que recrutou um exército e planeou uma rebelião lendária para libertar a sua mãe. Juventude e tragédia colidem no bando de Ned Kelly e na essência desta história está um amor fragmentado e poderoso entre uma mãe e um filho.

Opinião por Artur Neves

Este filme é uma viagem à inocência de um menino que não queria nada para além de proteger e manter as necessidades de subsistência fundamentais à sua família, no início da colonização da Austrália no século XIX, pelos povos anglo-saxónicos de Inglaterra e da Irlanda com base no romance premiado com o Booker Prize, de Peter Carey, nascido na austrália em 1943 e atualmente a viver em Nova Iorque.

Ned Kelly (nascido em dezembrode1854 e falecido em 11 de novembro de 1880) é hoje ainda um herói ambíguo da cultura australiana, uns abominam a sua memória e as suas façanhas criminosas, outros consideram-no carinhosamente como o Robin Hood da Austrália, profusamente difundido e considerado um dos símbolos nacionais mais conhecidos. O realizador Justin Kurzel logo nas primeiras imagens do filme avisa-nos de que; “nada que o público verá em seguida é verdade” para manter a sua liberdade de trabalhar a lenda da forma que bem entender e para permitir a quem assiste tirar as suas próprias conclusões através do que nos apresenta, muitas vezes no limite do real e da sanidade, considerando que através dos tempos o misticismo que envolve Ned Nkelly tem crescido e adensado, ao ponto de só em 20 de Janeiro de 2013, os parentes atuais de kelly enterraram os seus restos mortais no cemitério de Greta, perto da sepultura da sua mãe, depois de múltiplas investigações arqueológicas sobre a localização do cadáver, após a execução da condenação à morte por enforcamento na prisão, que o vitimou.

A história começa com kelly (George MacKay) ainda menino, (Orlando Schwerdt) numa casa pobre e despojada de comodidades, matando animais e protegendo a mãe, Ellen Kelly (Essie Davis) e os seus irmãos, como insurgindo-se contra a presença constante do sargento O'Neill (Charlie Hunnam) quando espiava as atividades da mãe recebendo-o clandestinamente para obtenção de proventos em dinheiro. A miséria era muita, com a morte do pai ele assume definitivamente a família, e a mãe para o preparar e obter algum dinheiro, vende-o a Harry Power (Russell Crowe, já algo afastado das grandes produções que o notabilizaram), na época um foragido perigoso já amplamente referenciado pela polícia, com o intuito de o ensinar nas duras leis da vida e providenciar uma visão mais abrangente da realidade que lhe permitisse ocupar as novas funções de chefe de família.

Esta infância difícil vem a transformá-lo na idade adulta no assassino que a lenda lhe atribui. A certa altura quando um polícia que se relacionava com ele, Constable Fitzpatrick (Nicholas Hoult) ameaça a vida de um bebé e ele enfrenta-o empunhando uma arma diretamente à sua cara, Fitzpatrick despreza-o dizendo que ele não é um homem, mas sim continua o mesmo menino, embora mais crescido e com ambições que não pode alcançar. É esta ambiguidade narrativa que o realizador imprime à história que a transforma num filme dinâmico e criativo no sentido visual, seja na preparação do seu exército que se desfaz no exato momento de agir, como no planeamento da ação que é revelada ao inimigo por um prisioneiro, como envergando uma armadura de metal moldado para o proteger das balas da força policial que o captura, depois de uma sangrenta luta em que ele sabe não ter possibilidade de vencer.

O filme é maioritariamente rodado em ambiente noturno, com uma suficiente dosagem de momentos épicos, enquadrados por uma banda sonora bem conseguida e suficientemente capaz de transmitir emoção e realismo a uma violência de dimensão louca que transforma heróis em vilões conseguindo transmutar o personagem entre ambas as facetas e consagrando-lhe a humanidade que o símbolo possui hoje. É interessante, merece ser visto.

Tem estreia prevista em sala dia 17 de fevereiro

Classificação: 6 numa escala de 10

 

5 de fevereiro de 2022

Opinião – “A Pior Pessoa do Mundo” de Joachim Trier

Sinopse

Julie (Renate Reinsve), é uma animada jovem de 30 anos que tem tudo a seu favor. Mas também está a experimentar um desencanto crescente com um namoro sério de longa data com Aksel (Anders Danielsen Lie). Perdida, Julie vagueia sem rumo pela cidade numa bela noite de verão e silenciosamente invade uma festa de casamento em pleno andamento. Encontrando Eivind (Herbert Nordrum), começam a flertar de maneiras engraçadas e embriagadas. Mas os bons tempos começam a minguar e com o passar do tempo e das ocasiões, vem uma sensação de oportunidades perdidas e erros, resultando numa potente melancolia.

Opinião por Artur Neves

Desta vez o título português respeitou em absoluto o título original apenas traduzindo-o e pode induzir o espectador que se trata de pessoas más, sem carater, ou semelhante. Nada mais errado porque todos os protagonistas são pessoas normais, que cometem erros, têm sentimentos e são bastante empáticos ao ponto de ser fácil simpatizarmos com eles.

A história mergulha no pormenor da auto consciencialização como pessoa e na dolorosa transição para a idade adulta no final da adolescência ou pelo menos numa altura em que os “vapores” dessa idade ainda não se esbateram totalmente e julgamos poder continuar a sentir a sua bonomia quando a vida nos mostra as opções e motiva-nos fazer escolhas para as quais nem sempre teremos as ferramentas necessárias, ou simplesmente não as queiramos ainda utilizar para prolongar o momento.

Julie (Renate Reinsve) é inteligente, estuda medicina mas a matéria não a prende como ela pensava e vagueia espiritualmente nas aulas pensando que isso é o cérebro a recomendar-lhe para se dedicar à psicologia e aos problemas do espírito em vez dos do corpo. Tenta essa vertente mas depressa sente que prefere fixar as situações e as pessoas nelas e dedica-se à fotografia, que igualmente não lhe trás a compensação esperada. Ela está perto dos 30 anos e a sua insegurança mergulha-a numa crise de autocomiseração levantando questões identitárias sobre qual será a sua missão, qual o seu objetivo, que fins pretende alcançar. Como pode pensar-se este é um tema rebuscado e a abordagem do argumento de Joachim Trier (o realizador) e Eskil Vogt, leva-nos mais longe na apreciação de pormenores íntimos nas relações, com surpresa e humor.

Julie na sua busca de si estabelece uma relação com Aksel (Anders Danielsen) 10 anos mais velho que ela, racional e analítico que a apoia e acompanha nas suas dúvidas. Porém, isso fá-la sentir que ele é de outro mundo e que as certezas dele não são as respostas para as suas dúvidas, ela é mais volátil e procura uma relação mais leve com Eivind (Herbert Nordrum) um estranho que ela encontra numa festa de casamento com que se cruzou na rua quando deambulava nas suas reflexões existenciais. Eivind é diferente de Aksel e com ele, ela consegue um envolvimento interessante, respeitador e a roçar o realismo mágico da “não traição”. O envolvimento é superficial, efémero e apresenta características que nos encantam e divertem, todavia deixa marcas indeléveis no espírito de Julie ao ponto do seu “não caso” a fazer comparar as duas relações e a concluir que sem serem melhores ou piores entre si são distintas nos relacionamentos que conseguem estabelecer.

A história é filmada por vezes de câmara na mão, mas sempre bela, introduzindo um lirismos que se aprecia pela representação da neurose urbana de Oslo e que se evidencia numa das decisões de Julie em que ela corre ao encontro de Eivind pelas ruas num quotidiano vulgar, mas em que tudo pára, congelado nas suas posições, enquanto ela oscila entre as suas preferências (fotografia do poster). O diretor de fotografia Kasper Tuxen, já foi distinguido com o prémio da Melhor Imagem no Festival Internacional de Cinema de Chicago mostrando-nos que o olhar e a representação das cenas estão em harmonia com o realismo mágico sem nunca entrarem em conflito entre si.

Joachim Trier é um parente afastado do dinamarquês Lars von Trier, mas as influencias entre os dois fazem-se sentir neste filme, embora por motivos muito diferentes. “A Pior Pessoa do Mundo” é o completar de uma trilogia iniciada com “Reprise” em 2006, sobre uma relação entre dois amigos profissionalmente competitivos e “Oslo, 31 de Agosto” em 2011, sobre um dia na vida de um jovem viciado em drogas mas em recuperação que recebe contactos indesejáveis para o seu tratamento. Da trilogia prefiro o presente filme, não só pela subtileza do tema como pela abordagem encetada sem culpa nem castigo. Recomendo vivamente.

Tem estreia prevista em sala dia 10 de Fevereiro

Classificação: 8 numa escala de 10

 

3 de fevereiro de 2022

Opinião – “Moonfall” de Roland Emmerich

Sinopse

Em Moonfall, por motivos desconhecidos, a Lua sai de sua órbita e passa a se deslocar em direção à Terra, podendo causar uma colisão em breve. A ex-astrounauta da NASA, Jo Fowler (Halle Berry), acha que pode resolver essa situação e impedir que o impacto aconteça, mas apenas um de seus colegas (Patrick Wilson) acredita nela. Em situação de emergência, um grupo de cientistas não especializados no assunto aceita a missão de ir até a Lua e impedir a colisão antes que a vida humana seja extinta. Mas ao chegarem lá, eles percebem que a Lua não é exatamente a pedra gigante orbitando a Terra que acharam que era. Com o mundo à beira da aniquilação, Jo Fowler precisará unir forças a um homem de seu passado e um teórico da conspiração para uma missão impossível no espaço, e salvar a humanidade.

Opinião por Artur Neves

Este realizador está-se esforçando por fazer o pior filme do mundo e com esta recente obra “Moonfall”, parece-me que está bem perto disso. Roland Emmerich é o realizador de “Independence Day” tanto a versão de 1996 como a de 2016, bem como a destruição da humanidade profetizada para “2012”, feita em 2009, gerindo uma sequência de filmes catástrofe e com isso pondo-se a jeito para encabeçar produções semelhantes que combinam o desastre e a eliminação total da espécie humana, entremeada com melodrama fácil do filho pequeno sem pai que perde a mãe ficando na desgraça, até que o pai aparece e compõe as coisas com aquela ou com outra mãe, porque o que é necessário são beijinhos e abracinhos no momento certo, o mais próximo do desastre completo…em que “Moonfall” é o exemplo acabado da xaropada de ficção científica, recheada de efeitos especiais espalhados a esmo no meio de um argumento recheado de rodriguinhos emocionais a forçarem a lágrima ao canto do olho.

A história de “Moonfall” começa em 2011 quando Brian Harper (Patrick Wilson) está a reparar um satélite no espaço e é subitamente literalmente envolvido por um enxame de objetos que ele não sabe identificar. O seu colega de trabalho morre, ele volta para a nave mãe onde Jo Fowler (Halle Berry) a chefe da missão está inanimada e desconhece totalmente o que aconteceu. Ele consegue trazer a nave para a terra mas ninguém acredita no seu relato, Jo não pode confirmar, e Brian é despedido e acusado pela morte do seu colega. São desgraças demais para um homem só e isso faz falhar o casamento, perder a casa e abandonar o filho que ele só vem a encontrar vários anos depois através de uma perseguição rodoviária quando este é apanhado por posse de droga. Nada melhora é tudo sempre a piorar.

Nos USA há gente para tudo, até para ser cientista nas horas de descanso do trabalho no fast food e é assim que KC Houseman (John Bradley) observa que a lua está a sair da sua órbita e apesar de introduzir um “Dr” antes do nome ninguém o quer ouvir na NASA a quem ele recorre para participar a sua descoberta. É mais uma frustração para acumular com uma vida não reconhecida e para potenciar o consumo de calorias e hidratos de carbono. Nesta altura Jo já ocupa um cargo de responsabilidade na NASA e ao ler os relatórios da sua equipa de observação sobre o desvio da orbita lunar, lembra-se do que o Dr KC lhe disse, chama Brian que já está de volta ao trabalho que perdeu em 2011 e ficam assim criadas as condições para aquela improvável equipa ter o ensejo de salvar a terra da destruição total.

A continuação do argumento não melhora a partir daqui, pelo contrário, são múltiplas e muito criativas as razões evocadas para o desvio da órbita lunar. Claro que quanto mais criativas são, mais ousados e complexos são os efeitos que nos querem fazer crer das razões de tamanho desastre, mas também mais absurdos, mais superficiais, volúveis e inconsistentes são as respostas que nos mostram, fundamentadas na mais confiável ciência aparecida através do estalar dos dedos e dos “cálculos” de cabeça feitos á pressa e em plena ação de voo para justificar o próximo passo mais abstruso que o anterior.

Depois caro leitor, a curiosa observação que registei é que nem a imagem em IMAX nem o som em Dolby Atmos salvam a “onça” da história, que de desastre em desastre se torna confrangedor ver o próximo desastre com tanto realismo e tanto som em múltiplas direções por toda a sala. É uma distração de grande orçamento mas completamente falhada de ideias, de aventura, para experimentar ver o se seria se assim fosse. Estão lá todas as razões para justificarem a ação espetacular e os “rodriguinhos” nos personagens, mas conjugados num absurdo total, absurdamente absurdo… É uma pena!...

Tem estreia prevista em sala dia 03 de Fevereiro

Classificação: 3 numa escala de 10