Sinopse
Dois anos após a morte de
sua esposa, Yusuke recebe uma oferta para dirigir uma produção de Uncle Vanya
num festival de teatro em Hiroshima. A produção designa Misaki, uma jovem
taciturna para conduzi-lo no seu amado Saab 900 vermelho. À medida que a estreia da produção se aproxima, as tensões aumentam entre
o elenco e a equipe, principalmente entre Yusuke e Koji Takatsuki, um ator de
TV que compartilhava uma ligação indesejada com a falecida esposa de Yusuke.
Assim, este é forçado a confrontar verdades dolorosas levantadas do seu
passado, e começa – com a ajuda da sua motorista – a enfrentar os mistérios
assombrosos que sua esposa deixou para trás
Opinião
por Artur Neves
O cinema Japonês ainda é
para alguns de nós uma fonte de surpresa decorrente da relativa ignorância que
temos acerca da sua filosofia de vida, da sua moral e dos seus costumes sempre
aparentemente reverenciais para com o outro. No caso presente, os seus 180 minutos
de duração pode constituir um fator dissuasor, que desde já aviso, não deve ser
tido em conta. Baseado num conto da coleção de Haruki Murakami; “Homens sem
Mulheres” sobre as barreiras e os segredos mais íntimos que existem entre
pessoas ligadas, esta história é multifacetada, progredindo em diversos
assuntos que se entretecem com muita coerência sem deixar pontas soltas, apesar
de nos surpreender logo desde as primeiras imagens com um fluxo de ideias que àquela
altura se apresenta como um mistério impenetrável, decorrente das escassas
informações que possuímos.
A história brevemente
descrita na sinopse percorre um caminho de amor, perda, aceitação, paz e
redenção num novo amor, atravessando um mar de tristeza profunda que se move em
ritmo glacial (daí a sua extensa duração) e nos mostra comportamentos e
conceitos de alma como poucos filmes se atreveram a fazer. Todo o enredo gira
em torno da obra de Chekhov “ Tio Vanya” que envolve todos os personagens,
incluindo a defunta esposa Oto Kafuku (Reika Kirishima) de Kafuku (Hidetoshi
Nishijima) que criava histórias sempre que eles faziam sexo. Oto tinha esse
fetiche, até ao ponto de derivar sobre as falas da peça de Ghekhov durante o
ato e ler para gravar em cassete toda a peça, exceto as falas de Kafuku. Ele levava
e ouvia a peça quando viajava ao volante do Saab 9000 e completava os espaços
em branco milimetricamente deixados no suporte para a sua intervenção. Por outro
lado Kafuku não se sentia capaz de assumir o papel em público por não se sentir
ao nível de interpretar o papel do Tio Vanya que ele conhecia de cor ao longo
de toda a peça.
O filme é dividido em
partes, sendo os primeiros 40 minutos a apresentação de Kafuku e dos mistérios
que envolvem o seu relacionamento com sua esposa. Ele é um ilustre diretor de
teatro em Tóquio dirigindo produções multilingues com dialetos do Japão e dos
países vizinhos e é convidado para dirigir em Hiroxima uma parceria nos mesmos
moldes da mesma peça de Chekhov que ele conhece como ninguém e que para ele tem
um significado ainda desconhecido decorrente dos mistérios construídos por Oto.
Ela produz estranhas ideias para história após o coito, narrando-as para ele no
período de recobro. Tudo isto acontece depois de ele a ter encontrado tendo um
caso com um ator, em sua própria casa, no regresso de uma viagem imprevistamente
adiada. Essa visão, essa confirmação da traição não lhe provoca qualquer reação
ou comentário, apenas o motiva para obter uma justificação para o seu
comportamento. No dia em que prometeram falar sobre assunto, ele ao chegar a
casa encontra-a morta no chão, vítima de um AVC.
Esse hiato criado na sua
mente, nas suas expectativas para encontrar uma razão, vai condicioná-lo no seu
trabalho em Hiroxima. Todos os dias ele é compelido a percorrer o seu estranho passado
com sua esposa na companhia de uma condutora ao volante do seu carro que a
produção do festival lhe impõe a presença por segurança e que por inerência vai-se
inteirando das suas mais profundas preocupações e revelando igualmente a sua
conturbada existência.
Este drama japonês vem colecionando
elogios da crítica e venceu três prémios no festival de Cannes 2022, incluído o
de melhor argumento adaptado, justificando-se plenamente o tempo utilizado por Hamaguchi
para nos introduzir numa problemática de suspensão do espírito quando somos
surpreendidos por um ato de todo inesperado. O tempo é necessário não só para
compreender os personagens, mas para que sintamos uma imagem do que cada um
deles sente no seu posicionamento da história que se insere na peça de Chekcov
e nos mistérios de Oto Kafuku. Recomendo vivamente, sem reservas…
Tem estreia prevista em sala
dia 10 de Março
Classificação: 8 numa escala
de 10
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