18 de fevereiro de 2022

Opinião – “Belfast” de Kenneth Branagh

Sinopse

Belfast narra a vida de uma família protestante da Irlanda do Norte da classe trabalhadora da perspectiva de seu filho de 9 anos, Buddy, durante os tumultuosos anos de 1960. O jovem Buddy (Jude Hill) percorre a paisagem das lutas da classe trabalhadora, em meio de mudanças culturais e violência extrema. Buddy sonha em um futuro melhor, glamoroso, que vai tirá-lo dos problemas que enfrenta no momento, mas, enquanto isso não acontece, ele se consola com o carismático Pa (Jamie Dornan) e a Ma (Caitríona Balfe), junto com seus avós (Judie Dench e Ciarán Hins) que contam histórias maravilhosas. Enquanto isso, a família luta para pagar suas dívidas acumuladas. Pa sonha em emigrar para Sydney ou Vancouver, uma perspectiva que Ma encontrou com aflição. No entanto, ela não pode mais negar a opção de deixar Belfast à medida que o conflito piora e Pa recebe uma promoção e um acordo de moradia na Inglaterra de seus empregadores.

Opinião por Artur Neves

Kenneth Branagh é natural de Belfast, onde nasceu em Dezembro de 1960 pelo que seria expectável ter competência para nos mostrar os duros anos da guerra “santa” na sua terra entre protestantes e católicos se ele e a sua família não tivessem imigrado para o sul de Inglaterra, para Londres quando ele tinha 9 anos para evitar os tumultos que se vieram posteriormente a verificar. Ainda assim, isso poderia ser uma vantagem, se a história que nos é contada reproduzisse com seriedade os vários episódios de conflito entre as populações católicas e protestantes, atualmente denominados “republicanos e legalistas” respetivamente, e nos apresentasse a sua visão sobre as raízes do conflito mais importante denominado por “Troubles”, que se manifestou desde 1960 até 1998, considerando que a história do filme começa em 1969 quando as fações em confronto se designavam por “nacionalistas e sindicalistas” sendo os protestantes os mais aguerridos e mais adeptos da ideia de “sindicato” que despontava na época.

Mas nada disso se verifica, Branagh opta por nos contar um drama com laivos autobiográficos centrado no ponto de vista obviamente distorcido de Buddy (Jude Hill), uma criança irlandesa de uma família protestante que vive num bairro católico com os seus pais e avós tal como descrito na sinopse, estabelece os seus contactos na escola e na rua sem ligar de perto ás tendências dos seus colegas, muito particularmente à católica colega de classe Catherine (Olive Tennant), inteligente e delicada que lhe motiva todas as atenções e preferências da sua puberdade em formação.

Adicionalmente a isto Kenneth Branagh começou a sua vida artística pelo teatro clássico e começou a ser notado no cinema num filme baseado na adaptação feita por ele, de uma peça de William Shakespeare; “Muito Barulho para Nada” de 1993, tendo continuado em todos os filmes em que se empenhou a fundo a tentar fazer a junção do teatro ao cinema sem considerar que ambas as artes têm uma linguagem próprias e vinculadamente diferentes. Em ambas as artes representa-se, sim, mas de maneira diferente. Aliás, refira-se ainda que as suas incursões pelos contos de Agatha Christie adaptados por ele para o cinema; “Um Crime no Expresso do Oriente” de 2017 e o recente “Morte no Nilo” de 2020 atualmente em exibição, em que ele usurpa o papel de Hercule Poirot, documenta a maneira prática de destruir a mística de um conto policial teatralizando-o de forma despudorada.

Posto isto, não percebo como uma história com tantas vítimas que durante tanto tempo deixou marcas indeléveis na cultura e na sociedade inglesa, possa ter obtido tantas nomeações para ser um dos candidatos aos Óscares de 2022 e ficar ao lado de por exemplo; “O Poder do Cão” uma história poderosa já apreciada neste blogue. Assim sendo e para continuar a falar do filme em si, posso dizer que o nosso herói Buddy (Kenneth Branagh, criança) mora num bairro “misto” e fica admirado com a ocorrência de um motim organizado por protestantes, que ele conhece, são seus amigos e regateiam a sua colaboração na pilhagem de um supermercado de bairro. Ele só tem interesse por futebol e histórias de quadradinhos, e fica muito impressionado quando é convidado a servir-se sem pagar nos despojos de uma loja arrombada durante um motim. Em casa os pais preocupam-se com a sua falta de dinheiro e a nostalgia da história é usada para evitar a contextualização dos problemas que justificam aquele conflito de 30 anos, de caris fundamentalmente social, e que no filme se resume a um vago problema de “religião violenta”.

Depois de uma primeira tomada de vistas por um drone sobre a Belfast atual, o filme desenvolve-se a preto e branco na rua onde mora Buddy fixando a ação às “quatro paredes” do “palco” formadas pela rua e pelas transversais acima e em baixo onde os motins, filmados de perto, retiram boa parte da tensão que deve ter sido viver num sítio daqueles. Aqueles conflitos tiveram contornos de limpeza étnica, mas o filme transforma-os em sentimental e nostálgico, seguindo Buddy para a escola a e para a igreja ou Buddy assistindo ao “Star Trek” na televisão manipulando a dureza daqueles tempos que dividiram e continuam a separar o Reino Unido, mesmo após a solução de Boris Johnson para a concretização do Brexit.

Nada do que é mostrado nesta história nos acrescenta algo ao que aconteceu em Belfast nos anos duros da guerra, que Kenneth Branagh transforma num conto pessoal de agradecimento com tons de rosa à cidade, aos amigos e aos pais. Serve para ele, para mim fica muito aquém das expectativas.

Tem estreia prevista em sala dia 24 de fevereiro

Classificação: 4 numa escala de 10

 

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