5 de fevereiro de 2022

Opinião – “A Pior Pessoa do Mundo” de Joachim Trier

Sinopse

Julie (Renate Reinsve), é uma animada jovem de 30 anos que tem tudo a seu favor. Mas também está a experimentar um desencanto crescente com um namoro sério de longa data com Aksel (Anders Danielsen Lie). Perdida, Julie vagueia sem rumo pela cidade numa bela noite de verão e silenciosamente invade uma festa de casamento em pleno andamento. Encontrando Eivind (Herbert Nordrum), começam a flertar de maneiras engraçadas e embriagadas. Mas os bons tempos começam a minguar e com o passar do tempo e das ocasiões, vem uma sensação de oportunidades perdidas e erros, resultando numa potente melancolia.

Opinião por Artur Neves

Desta vez o título português respeitou em absoluto o título original apenas traduzindo-o e pode induzir o espectador que se trata de pessoas más, sem carater, ou semelhante. Nada mais errado porque todos os protagonistas são pessoas normais, que cometem erros, têm sentimentos e são bastante empáticos ao ponto de ser fácil simpatizarmos com eles.

A história mergulha no pormenor da auto consciencialização como pessoa e na dolorosa transição para a idade adulta no final da adolescência ou pelo menos numa altura em que os “vapores” dessa idade ainda não se esbateram totalmente e julgamos poder continuar a sentir a sua bonomia quando a vida nos mostra as opções e motiva-nos fazer escolhas para as quais nem sempre teremos as ferramentas necessárias, ou simplesmente não as queiramos ainda utilizar para prolongar o momento.

Julie (Renate Reinsve) é inteligente, estuda medicina mas a matéria não a prende como ela pensava e vagueia espiritualmente nas aulas pensando que isso é o cérebro a recomendar-lhe para se dedicar à psicologia e aos problemas do espírito em vez dos do corpo. Tenta essa vertente mas depressa sente que prefere fixar as situações e as pessoas nelas e dedica-se à fotografia, que igualmente não lhe trás a compensação esperada. Ela está perto dos 30 anos e a sua insegurança mergulha-a numa crise de autocomiseração levantando questões identitárias sobre qual será a sua missão, qual o seu objetivo, que fins pretende alcançar. Como pode pensar-se este é um tema rebuscado e a abordagem do argumento de Joachim Trier (o realizador) e Eskil Vogt, leva-nos mais longe na apreciação de pormenores íntimos nas relações, com surpresa e humor.

Julie na sua busca de si estabelece uma relação com Aksel (Anders Danielsen) 10 anos mais velho que ela, racional e analítico que a apoia e acompanha nas suas dúvidas. Porém, isso fá-la sentir que ele é de outro mundo e que as certezas dele não são as respostas para as suas dúvidas, ela é mais volátil e procura uma relação mais leve com Eivind (Herbert Nordrum) um estranho que ela encontra numa festa de casamento com que se cruzou na rua quando deambulava nas suas reflexões existenciais. Eivind é diferente de Aksel e com ele, ela consegue um envolvimento interessante, respeitador e a roçar o realismo mágico da “não traição”. O envolvimento é superficial, efémero e apresenta características que nos encantam e divertem, todavia deixa marcas indeléveis no espírito de Julie ao ponto do seu “não caso” a fazer comparar as duas relações e a concluir que sem serem melhores ou piores entre si são distintas nos relacionamentos que conseguem estabelecer.

A história é filmada por vezes de câmara na mão, mas sempre bela, introduzindo um lirismos que se aprecia pela representação da neurose urbana de Oslo e que se evidencia numa das decisões de Julie em que ela corre ao encontro de Eivind pelas ruas num quotidiano vulgar, mas em que tudo pára, congelado nas suas posições, enquanto ela oscila entre as suas preferências (fotografia do poster). O diretor de fotografia Kasper Tuxen, já foi distinguido com o prémio da Melhor Imagem no Festival Internacional de Cinema de Chicago mostrando-nos que o olhar e a representação das cenas estão em harmonia com o realismo mágico sem nunca entrarem em conflito entre si.

Joachim Trier é um parente afastado do dinamarquês Lars von Trier, mas as influencias entre os dois fazem-se sentir neste filme, embora por motivos muito diferentes. “A Pior Pessoa do Mundo” é o completar de uma trilogia iniciada com “Reprise” em 2006, sobre uma relação entre dois amigos profissionalmente competitivos e “Oslo, 31 de Agosto” em 2011, sobre um dia na vida de um jovem viciado em drogas mas em recuperação que recebe contactos indesejáveis para o seu tratamento. Da trilogia prefiro o presente filme, não só pela subtileza do tema como pela abordagem encetada sem culpa nem castigo. Recomendo vivamente.

Tem estreia prevista em sala dia 10 de Fevereiro

Classificação: 8 numa escala de 10

 

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