30 de setembro de 2021

Opinião – “Ladrões de Elite” de Renny Harlin

Sinopse

Richard Pace (Pierce Brosnan) é um ladrão que apenas rouba quem tem seguro, para não lesar ninguém. Apesar disso, a vida não lhe corre bem: a mulher deixou-o, a filha guarda-lhe rancor e, pior de tudo, tem tendência para ser apanhado. Mas Pace está também habituado a fugir da prisão, sobretudo de prisões privatizadas geridas por um homem chamado Schultz (Tim Roth) que, por isso mesmo, o quer matar.

Com todas estas fugas Pace chamou a atenção de um grupo de Robin Hoods dos tempos modernos, os Ladrões de Elite, que lhe propõem um plano demasiado bom para ser verdade: Não só evita que seja preso pelo FBI, como impede que Schultz financie várias organizações terroristas e o mate e à sua família. Uma proposta irrecusável, não fosse um pequeno pormenor: é um plano aparentemente impossível de concretizar.

Opinião por Artur Neves

Não há na filmografia de Renny Harlin nenhum título que possa ser indicado como referência para o seu trabalho ao longo dos mais de 40 anos de atividade no cinema e na televisão, considerando que todos apontam para obras comerciais, de muito fácil digestão e rápido esquecimento, na mira de um público pouco preocupado com o conteúdo e menos ainda com a forma como lhe são apresentadas as obras que saem do seu escopo.

Como tal, este “Ladrões de Elite” só pode configurar baixas expectativas, muito embora com um cabeça de cartaz, Pierce Brosnan, e um secundário de luxo, Tim Roth, de quem já apreciámos muito boas interpretações. Aliás, neste filme eles são iguais a si próprios nos papéis que lhes tocam, o problema é a história chocha, os diálogos pobres e toda aquela fantasia de ação e aventura que nos quer convencer e justificar um altruísmo bacoco à custa de um roubo pelas melhores razões em vez de alimentar as redes de terrorismo do médio oriente.

Pace é o tipo de ladrão de casaca com pergaminhos no seu trabalho, que não gosta de lesar os roubados, nem de ceder a outros o produto do seu furto, todavia, ao ser engajado no grupo dos “Ladrões de Elite” tem de alterar esse seu modo de atuação, para se conformar com os propósitos altruísticos da missão e para satisfazer a vontade da sua filha Hope (Hermione Corfield) que trabalha numa ONG de apoio aos refugiados Sírios, tendo ela mesmo contratado os serviços dos “Ladrões de Elite” para assaltarem a prisão de alta segurança em Abu Dhabi administrada com fins lucrativos por Schultz. Como Pace é especialista em fugas de prisão, ninguém melhor do que ele constitui a pessoa indicada para levar a bom termo a missão a que se propões.

Claro que a história é o que é, nem melhor nem pior do que outras que servem de base para filmes de aventuras. O que está aqui em causa é a forma plastificada como as coisas se processam, os planos vagos que se congeminam, a ação que se desenvolve com pouca emoção ou realismo, salvando-se apenas a introdução de algumas buchas engraçadas aqui e ali mas que não justificam o conjunto da história.

Tanto Brosnan como Roth, mas principalmente o primeiro, importam-se com o comportamento da sua presença em cena. Brosnan até tem pergaminhos de estrela internacional quando ele assumiu o personagem de James Bond em dois filmes da saga ou um ladrão elegante em “O Caso Thomas Crown” de 1999, mas com um argumento destes, trabalhado desta forma, é difícil manter o estatuto.

Estreia nas salas em 7 de Outubro

Classificação: 4 numa escala de 10

 

29 de setembro de 2021

Opinião – “007 – Sem Tempo para Morrer” de Cary Joji Fukunaga


 

Sinopse

James Bond deixou o serviço ativo e está a desfrutar de uma vida tranquila na Jamaica. Mas a sua paz termina rapidamente quando o seu velho amigo Felix Leiter, da CIA, aparece com um pedido de ajuda. A missão de resgatar um cientista raptado acaba por ser bastante mais traiçoeira do que o esperado, o que leva Bond a perseguir um misterioso vilão, armado com uma nova tecnologia perigosa.

Opinião por Artur Neves

Eis que finalmente é estreado o 26º filme da série James Bond, inicialmente previsto para Abril de 2020, mas por três vezes sucessivamente adiado. Pela primeira vez foi entregue a um realizador americano; Cary Fukunaga que também colaborou no argumento e já nos deu obras curiosas como; “Beasts of no Nation” de 2015, o drama das crianças-soldado, ou “Sem Nome” em 2009, o drama da imigração clandestina para os USA através da fronteira terrestre, bem como o aclamado “IT” de 2017, em mais uma história do herói criado por Ian Fleming, escritor inglês já falecido. O personagem já teve vários intérpretes, sendo o mais significativo que imprimiu ao personagem todo o carisma que ele possui; Sean Connery e atualmente Daniel Craig que neste filme perfaz a sua quinta e declarada, última interpretação.

O filme apresenta uma duração de 163 minutos, que vai sendo pouco comum, para de alguma maneira fechar pontas soltas que ficaram em aberto nas outras participações de Daniel Craig tornando o enredo envolvente, mantendo o perfil ousado e destemido do herói que se encontra numa fase de reforma da sua vida de aventura, cultivando um amor perene com Madeleine Swann (Léa Seydoux) com quem mais tarde vimos a saber tem uma filha, enquadrado por um festival assassino bem conseguido e sem olhar a despesas de meios e de duplos. O romance entre os dois, porém, apresenta nuances divergentes devido aos segredos que Madeleine ainda não revelou a James e que levanta dúvidas sobre a relação de ambos.

A história começa na infância de Madeleine, recupera a organização criminosa Spectre que dá nome ao filme anterior de 2015 aniquilando-a, bem como ao seu chefe Ernst Blofeld (Christoph Waltz) que se encontra preso numa prisão de alta segurança, entretecendo a sua intervenção criminosa com a atividade profissional de Madeleine como psiquiatra do MI6 e introduzindo o esquema maligno de vingança concebido por um inenarrável vilão que perseguia no passado Madeleine, Lyutsifer Safin (Rami Malek) num enredo labiríntico que não cabe a sua descrição nesta crónica, mas que genericamente se trata da criação de um vírus sintético com capacidade de análise do ADN para escolha da vítima que será infetada. Os portadores poderão ser todos sem que isso lhes cause qualquer efeito, mas o vírus tem capacidade de só ser letal para o ADN que lhe foi programado como alvo. Uma visão bem mais preocupante e vil das possibilidades da bioengenharia quando orientada para a guerra biológica. Muito pior que o nosso Coronavírus, com que nos vamos habituando a conviver.

O filme começa, (depois da introdução inicial) de maneira doce e romântica, considerando que desde o início que ele está reformado e conhece o seu substituto, uma agente negra, inteligente e apimentada, Nomi (Lashana Lynch), por quem ele à partida não nutre uma particular simpatia. Eles estão em Itália, numa vila ensolarada no interior e a história recupera o tradicional Aston Martin inicial de James Bond para nos oferecer uma perseguição por ruas estreitas, com piso em socalcos e escadas de pedra por onde os carros passam em alta velocidade sem partir nem se estragar. Uma alegria para os sentidos e um retorno ao que mais tradicional esta saga possui. Quem o meteu naqueles assados foi o seu velho colega da CIA Felix Leiter (Jeffrey Wright), que o convence a voltar às lides da espionagem uma última vez pelos motivos mais altruístas que ele consegue justificar. Deslocam-se a Cuba onde será o fim do Spectre, numa receção em que Bond se apresenta de smoking com a sua companheira Paloma (Ana de Armas), agente da CIA em missão de investigação, mas que o ajuda substancialmente numa inesperada cena de ação. É aqui que Daniel Craig se afirma como um Bond de primeira água, de semblante sempre desconfiado, pele matizada pelo sol, sempre pronto para exteriorizar a sua energia em luta poderosa, dinâmica e atlética, com uma aparente facilidade que compõe uma combinação nunca atingida por qualquer dos outros Bond’s.

Como já disse, este filme vem fechar um ciclo, prevendo-se que a série continue com outro Bond, talvez ainda por descobrir, mas definitivamente, “Sem Tempo para Morrer” empurrou a saga para o século XXI, conferindo ao herói a estirpe de lutador com alma, com sentimentos, não envolvidos nos filmes anteriores, alguns dos quais plastificados em estereótipos dos tempos em que foram realizados. Adicionalmente os argumentistas ainda incluíram aqui e ali piadas e expressões que nos fazem rir e descontrair nos momentos mais tensos, e para lá de cada um ter o seu James Bond preferido, este é um filme bem conseguido, interessante, com uma história complexa que nos ocupa o espírito por um tempo agradável. Recomendo sem reservas.

Estreia nas salas de cinema, amanhã, dia 30 de Setembro

Classificação: 8 numa escala de 10

28 de setembro de 2021

Opinião – “Sombra” de Bruno Gascon

Sinopse

Em 1998, Isabel tinha a família perfeita até que um dia chega a casa e descobre que o seu filho de 11 anos desapareceu. A partir desse momento tudo muda. Apesar da cobertura mediática do caso e da existência de um suspeito a justiça falha constantemente e Isabel percebe que somente ela poderá manter viva a busca por Pedro. Passam-se quinze anos e apesar de todos os obstáculos que encontra Isabel vai continuar a fazer de tudo para reencontrar o filho que todos querem que esqueça, mas que ela acredita que ainda está vivo. Uma mãe sabe.

Opinião por Artur Neves

A história deste filme é baseada no caso do desaparecimento do Rui Pedro, um menino de 11 anos que desapareceu em circunstâncias misteriosas em 4 de Março de 1998 quando passeava com um amigo, ou pelo menos conhecido da família, que à partida não indiciava qualquer inconveniente na sua companhia.

A história, tal como a realidade, são inconclusivas até ao momento dos reais motivos do desaparecimento do Rui Pedro (referido apenas por Pedro em todo o filme) e constituiu o caso mais notório de desaparecimento de menores, antes do caso Maddie no Algarve, ainda em investigação internacional.

O filme começa com as buscas do Pedro, pelos locais onde seria mais provável a sua presença, matas, bosques, ruínas de casas abandonadas por um grupo de vizinhos da família. Ao fim de algum tempo de busca infrutífera o grupo separa-se e ressalta aqui a angústia crescente de Isabel (Ana Moreira) que de por todos os meios procura o seu filho por todos os meios e em todo o lado a que tem o ensejo de ir. Aqui compete-nos elogiar o personagem construído por Ana Moreira, correspondente à verdadeira mãe de Rui Pedro, mostrando o desespero inicial pela perda, o crescendo de raiva pela inércia das autoridades, a angústia pelo passar do tempo sem qualquer progresso visível e a perseverança em não deixar cair o assunto contra todas as vozes que recomendavam o abandono e a pacificação.

Isabel, não descansa, a sua esperança em encontrar Pedro é constante, embora à custa da sua degradação física e mental mostrando-nos os traços da dor infligida por tamanha perda. Chegam sinais ténues da sua eventual presença algures, que ela segue até à exaustão de resultados. A polícia judiciária não sai muito bem na fotografia, quando 13 anos depois do desaparecimento, o novo inspetor que ficou com o caso chega a resultados suficientes para conduzirem a tribunal o principal suspeito que até ao momento se recusara a falar. O anterior responsável do caso, entretanto reformado, é chamado a depor e não apresenta justificações atendíveis para tão grande demora processual, nem para a desclassificação das testemunhas que foram finalmente consideradas. O principal suspeito recusa-se a falar em tribunal e o caso é novamente encerrado sem solução.

Há suspeitas e indícios dessas suspeitas mas a ausência de provas inibe uma condenação e tudo volta ao ponto de partida que teve como principal resultado a infelicidade de uma família e a desestruturação de uma mulher que ainda hoje não perdeu as esperanças de encontrar o seu filho desaparecido.

É uma história de amor, força e coragem de uma mulher que ainda não desistiu de procurar o seu filho que desapareceu. Tem boas interpretações, já foi premiado em festivais de cinema internacionais e representa mais uma página de bom cinema português dirigido por um realizador para o qual este filme é o seu terceiro trabalho e merece atenção futura. Interessante.

Tem estreia prevista em sala a 14 de Outubro

Classificação: 6 numa escala de 10

 

27 de setembro de 2021

Opinião – “As Coisas que Dizemos, As Coisas que Fazemos” de Emmanuel Mouret

Sinopse

Daphné, grávida de três meses, está de férias no campo com o companheiro François. Ele tem que se ausentar para o trabalho e ela vê se sozinha para dar as boas-vindas a Maxime, seu primo que ela não conhece. Durante quatro dias, enquanto aguardam o retorno de François, Daphne e Maxime gradualmente se conhecem e compartilham histórias cada vez mais íntimas sobre suas histórias de amor do presente e do passado …

Opinião por Artur Neves

Emmanuel Mouret é um realizador francês nascido em Marselha em 1970 que já nos surpreendeu em “Mademoiselle de Jonquières”, filme de 2018, segundo a obra de Diderot, pela gentileza e finura demonstrada na conversão em argumento do romance do século XVIII, onde se aborda a eterna volatilidade do amor, dando corpo e figuração à frase de François de la Rochefoucauld que nos diz: “A constância no amor é uma inconstância perpétua”.

A história é bastante simples, Maxime (Niels Schneider), chega á casa de campo do seu primo François (Vincent Macaigne), a convite deste, depois de uma grande separação com o objetivo de encontrar o ambiente propício a escrita a que ele se quer dedicar por vocação e profissionalmente. Todavia ele não se encontra de momento, por motivos que mais tarde saberemos e quem o recebe é Daphne (Camélia Jordana), a companheira do seu primo que se encontra grávida, mas que assume os custos da oferta do seu parceiro, recebendo-o e integrando-o no ambiente da sua casa durante a ausência de François.

Deste modo não previsto, Maxime e Daphne têm de conviver e de conversar nos assuntos correntes que evoluem para outros mais sérios, como a descrição do seu plano de escrita do livro que se propõe realizar, que inclui o relato de histórias de relacionamentos amorosos clássicos e modernos começando precisamente pelo seu próprio relacionamento.

Máxime descreve o seu desapontamento e a ferida emocional deixada pela mulher que foi o objeto do seu amor recente, mas que o abandonou ao apaixonar-se pela sua melhor amiga. As descrições são acompanhadas por flashbacks que ilustram os acontecimentos vividos e o despontar da paixão e da consequente desilusão de Máxime que provocam em Daphne sentimentos de comiseração e simpatia que lhe motivam um envolvimento naquele jogo, partilhando com ele confidencias mais íntimas do seu percurso amoroso com François e antes dele.

A narrativa das histórias é construída com grande habilidade e subtileza transportando para o espectador toda a problemática do amor, dos relacionamentos, das vivências defendido através do discurso de um sociólogo, para o qual Daphne preparava uma apresentação, que o amor não implica a posse do objeto amado e que o ciúme, a raiva, o sentido de perda são impróprios de surgir em qualquer relação. Esse sentimento negativo deve ser sublimado pela alegria, pela felicidade que se sente em contemplar a felicidade do outro no novo relacionamento, sem qualquer sentimento vingativo ou malicioso de qualquer espécie, para lá da dor que isso nos cause, sendo para a demonstração desse final que o enredo da história nos conduz durante os 122 minutos de duração.

Como se compreende é um tema que não tem uma abordagem fácil, principalmente se o isentarmos do tom lamecha para onde estas situações têm propensão em derrapar. Mouret conseguiu encontrar os atores adequados para modular os personagens com a elegância necessária que embora mostrem o sofrimento dos seus tormentos internos, mantêm uma aparente leveza nas suas atitudes externas em linha com os princípios definidos no parágrafo anterior. Significa isto que não interpretam uma atitude generalizadamente real, mas antes, absolutamente coerente com a filosofia apresentada como base do relacionamento amoroso saudável.

O filme conta magistralmente a história que o suporta entretecendo as histórias pessoais vistas de ambos os lados, construindo um jogo de sedução mútuo para Maxime e Daphne, embora não faltem também os necessários twists que nos justifiquem algumas atitudes menos claras. Todos os diálogos são bem construídos, enfatizados pela música constante das valsas de Schubert, das sonatas de Haydn e dos concertos de Chopin, conduzidos com o perfeito domínio da escrita e dito pela modulada língua francesa que torna credível a culpa de tudo o que se prometeu fazer sem sucesso, assim como, de tudo o que fizemos sem ousar admitir. Não é filme para todas as audiências mas recomendo sem reservas.

Classificação: 7,5 numa escala de 10

Tem data prevista de estreia em sala para 25 de Novembro

 

23 de setembro de 2021

Opinião – “Até à Morte” de S.K. Dale

Sinopse

Emma (Megan Fox) sente-se presa num casamento moribundo. Como surpresa para o 10º aniversário de casamento, o marido leva-a para uma casa isolada à beira de um lago onde preparara um serão romântico. Mas antes que ela tenha tempo para fazer perguntas, Mark levanta a arma e… dá um tiro na cabeça. Emma fica em estado de choque. Coberta pelo sangue do marido, a cabeça não lhe pára, a tentar perceber o que aconteceu e como sair daquela situação. Emma dá por si encalhada na casa do lago, no meio do nada, em pleno Inverno, sem roupa para trocar, sem telefone para pedir ajuda, sem um carro que funcione, sem objetos afiados que lhe permitam libertar-se do corpo e das algemas. Mas esse é apenas o início do plano retorcido de Mark.

Será Emma capaz de enfrentar o seu pior pesadelo e libertar-se finalmente – e literalmente – do seu morto casamento?

Opinião por Artur Neves

SK Dale (realizador australiano que faz segredo do seu nome) estreia-se em longas metragens com este filme que reúne bons fatores de surpresa e suspense para uma primeira realização. No seu curricula incluem-se mais quatro curtas metragens, algumas das quais foi também argumentista e produtor mas no momento importa este seu trabalho, de vulto para o panorama cinematográfico, do qual se pode dizer que não tenha saído mal.

A história é simples e direta tal como a sinopse resume, mas o seu desfecho não é inferível como inicialmente se poderia pensar de um estreante. Os personagens são consistentes e o enredo desenrola-se ao longo da história que apanha Emma de surpresa com o suicídio do marido, tal como aos espectadores. Emma é uma mulher marcada por um ataque violento que sofreu há uns anos e do qual vem lentamente recuperando, ficando agora entre a raiva e o susto na sequência do inusitado suicídio do homem que a convidou para um fim de semana idílico de recuperação da confiança e do amor.

Deve ser chocante pensar-se em felicidade e se súbito ver-se algemada a um morto, depois das primeiras palavras trocadas com Mark, ainda na cama de uma noite de amor que prometia redenção. É mais um daqueles filmes que demonstram elogiosamente a capacidade de resiliência das mulheres, outrora reconhecidas como frágeis e indefesas e agora mostrando em todo o seu esplendor de força e coragem necessárias para resolverem os seus problemas pelas suas próprias mãos, invariavelmente criados por homens que as destratam, desconsideram e constituem a razão fundamental dos seus insucessos. Uma lapidar inversão de valores que os novos tempos trouxeram e a justa igualdade entre os dois sexos veio defender e provar, numa história cáustica sobre o poder autodestrutivo e a fragilidade masculina que a todo o tempo não para de se revelar.

A vingança de Mark, porém tem outros cambiantes que ele preparou para infligir o maior sofrimento possível a Emma mesmo após a sua morte, mostrando a complexidade inerente aos relacionamentos tóxicos que esta história postula. Megan Fox está muito bem no seu personagem e o seu magnetismo domina a tela defendendo a posição que arrasta todos os eventos subsequentes, construindo uma Emma valorosa que arrasta a simpatia dos espectadores, decorrente da sua sensibilidade fria que enfrenta com determinação e engenho todas as dificuldades que se lhe apresentam.

O filme apresenta muitos twists que envolvem diamantes escondidos, invasores contratados por Mark, cofres de alta segurança, uma paisagem branca com um percurso de gelo fino sobre o lago que estimulam o desempenho de Megan Fox para tornar este “Até à Morte” um desafio entusiasmante e divertido, que embora não tenha nada a dizer sobre as virtudes ou defeitos do casamento, vale todos os seus 88 minutos de duração que nos afastam da vida real. Não é um filme de grandes voos, mas é interessante e gostei.

Nos cinemas a partir de 23 de Setembro

Classificação: 6 numa escala de 10

 

19 de setembro de 2021

Opinião – “COPSHOP – Não Fazemos Prisioneiros” de Joe Carnahan

Sinopse

Atravessando o deserto de Nevada em um Crown Vic cheio de balas, o astuto vigarista Teddy Murretto (Frank Grillo) trama um plano desesperado para se esconder do assassino letal Bob Viddick (Gerard Butler). Ele dá um soco na oficial novata Valerie Young (Alexis Louder) para ser preso e trancado numa esquadra de polícia de uma pequena cidade. A prisão não pode proteger Murretto por muito tempo, e Viddick planeia o melhor caminho para a sua detenção, ganhando tempo numa cela próxima até que ele possa completar sua missão. Quando a chegada de um assassino rival (Toby Huss) desencadeia o caos total na esquadra, crescentes ameaças forçam Viddick a ser criativo se quiser terminar o trabalho e escapar com vida daquela situação explosiva.

Opinião por Artur Neves

Desde “Assalto à 13ª Esquadra” de 1976 e do seu remake em 2005, que não me lembro de um filme de acção feito dentro de uma esquadra de polícia que, de modo diferente do primeiro, reporta um exemplo de uma corporação policial americana em Gun Creek, bem equipada do ponto de vista do escritório, em dois pisos, com o polícias sentados em secretárias espaçosas, num espaço bem decorado e luminoso, embora praticando rotinas desorganizadas e comportamentos laxistas, composta por elementos incompetentes para desempenharem a função, situada numa planície árida próxima da vila, mas enfim, o realizador Joe Carnahan lá deve ter tido as suas razões para nos apresentar esta situação.

A acção começa com a prisão de um homem bêbado Teddy Murretto (Frank Grillo) que vemos a abandonar um automóvel e correr desesperadamente pela estrada deserta até à esquadra com o objectivo de ser preso para se resguardar de um perseguidor que na altura desconhecemos, considerando que o motivo direto da prisão é um soco da cara de uma mulher polícia Valerie Young (Alexis Louder), desferido propositadamente para que esta o prendesse num local que ele pensava ser seguro.

De seguida outro bêbado de nome Bob Viddick (Gerard Butler), é conduzido à esquadra por manifesta impossibilidade de capacidade de condução da viatura em que seguia e curiosamente é detido na cela fronteira à de Teddy, considerando que segundo as regras da prisão dois bêbados não podem ser colocados na mesma cela. Bob procura ajustar contas com Teddy e não hesitou em arranjar aquele ardil para se infiltrar na prisão.

É com esta premissa que Joe Carnahan desenvolve uma história de acção com muita emoção, suspense e surpresa considerando que não sabemos quem ou o quê está ligado aqueles dois homens, que vamos sabendo que se conhecem, têm ligação um com o outro e fazem ameaças mútuas sobre assuntos que desconhecemos, contrariamente ao que acontecia em “Assalto à 13ª Esquadra” que não passava de uma tentativa de invasão de vândalos assassinos a uma esquadra com guarnição reduzida com o fim de libertação de um capanga que se encontrava detido.

Neste filme porém, o maior interesse está no estudo dos personagens do submundo que habitam o espaço da esquadra com particular ênfase para o psicopata assassino Toby Huss (Anthony Lamb) contratado pela máfia, que entra no edifício atrás de um conjunto de balões de aniversário e mata vários polícias sem motivo aparente com uma frieza gélida e um interesse também centrado em Teddy, que procura pelos corredores da esquadra enquanto dispara um metralhadora de cano curto contra portas em aço e vidro à prova de bala com o intuito de entrar na zona das celas. Ele desempenha um personagem sensacional recheado de obsessiva energia maníaca no cumprimento da sua missão e ocupa toda a ação durante o tempo em que aparece. Apresenta um nível de maldade que faz de Toby um vilão memorável de voz sibilante, escarninha, gloriosamente inqualificável que não importa quão horríveis sejam as suas ações, mas sim o gaudio com que as pratica.

Para equilibrar toda esta demência resta-nos somente a oficial Valerie que foi agredida por Teddy, mostrando honestidade, rigor profissional, orgulho na profissão e coragem que por todos os meios procura agir dentro da lei defendendo os seus presos de forma a levá-los a ajustar as suas contas. Carnahan fez um bom trabalho nos primeiros dois terços do filme em que cria um clima de loucura e de suspense convincentes, progredindo com revelações parciais que adensam o mistério através da adição de mais personagens suspeitos, todavia, quando pretende aligeirar o ambiente com algum humor e fantasia destrói parte do trabalho tão porfiadamente conseguido. Carnahan esquece-se que humor e violência só combinam quando a violência é apenas brusca e não contém maldade e loucura psicótica. Deste modo, embora a história mexa com o espectador não o completa, “sabe” a produto sintético, o que é pena.

Estreia nos cinemas em 23 de Setembro

Classificação: 5 numa escala de 10

 

17 de setembro de 2021

Opinião – “Rifkin's Festival” de Woody Allen

Sinopse

O cinéfilo Mort Rifkin (Wallace Shawn) acompanha a sua mulher, a assessora de imprensa Sue (Gina Gershon), ao Festival de Cinema de San Sebastián, em Espanha, pois teme que o fascínio dela por um cliente, o jovem realizador Philippe (Louis Garrel), não seja meramente profissional. Mort espera ainda aliviar a pressão que sente para escrever um primeiro romance que corresponda aos seus exigentes padrões.

Aqui, Mort deixa-se envolver pelos clássicos do cinema de mestres como Bergman, Fellini, Godard, Truffaut e Buñuel, sobre os quais deu aulas na faculdade. O encantamento de Sue por Philippe e o desdém de Mort por este, prejudicam a já desgastada relação conjugal e a disposição de Mort apenas melhora quando conhece a Dra. Jo Rojas (Elena Anaya), uma alma gémea a quem o casamento com o intempestivo pintor Paco (Sergi López) também traz sofrimento. Enquanto Sue passa os seus dias com Philippe, a relação entre Mort e Jo aprofunda-se e ele reaviva o seu amor pelo cinema clássico. Ao refletir sobre a sua vida através do prisma desses grandes filmes, Mort encontra uma renovada esperança no futuro.

Imbuído de um humor absurdo, Rifkin’s Festival de Woody Allen combina situações irreais com histórias de amor e desgosto entrelaçadas, prestando uma terna homenagem ao poder transformador do cinema.

Opinião por Artur Neves

Mais uma vez Woody Allen é igual a si próprio e com 84 anos faz um filme em que projeta nos personagens a suas próprias dúvidas e inseguranças que vimos acompanhando ao longo de toda a sua já longa e profícua carreira, contudo, sem ser o que poderia ser chamado de Woody vintage, está acima de alguma das suas últimas realizações e apresenta-nos uma história em que a ação se passa no Festival de San Sebastian, em que o filme foi estreado este ano após o adiamento decorrente da crise pandémica.

Sobre a história a sinopse é suficientemente elucidativa e retrata-nos um homem; Mort Rifkin (Wallace Shawn) que é um realizador conhecido, neurótico (tal como Allen) cheio de preocupações com a sua profissão, que se debate com a suspeita de um amor não correspondido donde possam resultar infidelidades conjugais e da violentação a que teve de se sujeitar ao suspender a escrita do seu último romance para acompanhar a sua mulher Sue ao festival em que ele pensa que essa derivação possa ter lugar. Adicionalmente, os seus dilemas filosóficos, tal como o sentido da vida e preocupações com a sua origem judia motivam-lhe a atenção quer durante o dia como durante a noite, em que ele recria o passado em sonhos a preto e branco e podemos apreciar a homenagem de Woody Allen aos seus realizadores de eleição, tais como Buñuel, Fellini e muito particularmente Ingmar Bergman em que se personaliza em sonho no filme “O Sétimo Selo” numa clara alusão ao seu posicionamento no mundo.

Para confrontar o realizador, Philippe, que Sue, a sua elegante e sexy esposa está a promover, Mort cita todos os grandes clássicos europeus revelando-se apenas como um snob cinematográfico, esquecido na New Wave do cinema francês e desadequado para o tempo presente, considerando que “Jules et Jim” representa para ele o que de melhor se fez em cinema e mereceria continuação que ele pretende corporizar no seu romance interrompido. Claro que nem Philippe nem Sue lhe prestam a importância que ele julga devida e isso perturba-o ao ponto de sentir palpitações no coração e cansaço que o levam a consultar um médico em San Sebastian.

É aqui que o hipocondríaco Mort Rifkin renasce. O médico é uma bela cardiologista, Jo Rojas, que está no segundo relacionamento com um artista bêbado e mulherengo, que levanta idênticos problemas aos encontrados no primeiro casamento do qual se divorciou, mas que corresponde ao ideal de Mort, que lhe revela a sua preferência, que a segue, que promove consultas só para estar perto do seu grande amor recentemente encontrado, promovendo uma versão obscura do que foi vivenciado por Penélope Cruz e Javier Bardem em “Vicky Cristina Barcelona” (parece que Allen deixou Nova Iorque de vez). O súbito amor de Mort por Rojas é triste e ridículo, assim como todas as referências de Allen aos filmes e aos seus autores que por muito genuínas que sejam não são mais do que lembranças de outras vidas para as quais Mort não encontra sentido e por isso as procura.

Rifkin’s Festival navega nas águas em que Allen tem navegado nas duas últimas décadas e não tenhamos dúvidas que tem navegado bem, mas no todo resume-se a uma angústia conjugal legítima (digo eu) transformada num revivalismo frágil de grandes obras que Allen tem como referência mas que não são efetivamente mais do que isso. É um filme relativamente divertido, virado para os indefectíveis de Woody Allen mas sofre de falta de inspiração criativa embora um pouco menor do que em algumas das suas criações recentes.

Estreia nas salas a 23 de Setembro

Classificação: 6 numa escala de 10

 

13 de setembro de 2021

Opinião – “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental” de Radu Jude

Sinopse

Vencedor do Urso de Ouro no 71º Festival de Berlim, este filme centra-se na professora Emi que vê a sua carreira e reputação ameaçadas depois de uma “sex tape” pessoal realizada com o seu marido, ir parar acidentalmente à Internet. Forçada a enfrentar os pais dos seus alunos que exigem a sua demissão, Emi recusa-se a ceder à pressão exercida por estes.

Em “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental”, Radu Jude materializa uma sátira social não convencional, incendiária, com humor irreverente e comentários mordazes sobre a hipocrisia e preconceito na atual sociedade Romena. Realizado em plena pandemia, sem ensaios físicos e dentro de todas as normas de segurança, é um filme controverso que vai ficar para história como uma prova documental dos nossos tempos.

Opinião por Artur Neves

Este é um filme a todos os níveis surpreendente, não porque a sua temática seja inovadora ou extraordinária mas porque os primeiros 3 minutos do filme são totalmente preenchidos com o tal vídeo de sexo explícito publicado na Internet, referido na sinopse, para que os espectadores tomem conhecimento factual do assunto em discussão. Não há outra maneira de dizer isto, é um vídeo hardcore legítimo, com todos os ingredientes das variantes sexuais disponíveis, apimentado com o linguajar erótico inerente a quem está dedicadamente imbuído na função.

O filme é dividido em três partes que aparecem bem definidas por separadores informativos que se sucedem após o impacto do deboche inicial. Nessa primeira parte saberemos que Emilia (Katia Pascariu) é professora num colégio particular frequentado pelos filhos da classe nobre da cidade, e praticou em casa com o seu marido todos os atos que foram filmados e que agora pululam no espaço digital para quem os quiser ver, crianças e jovens em formação incluídos, o que pôs em polvorosa os pais dos alunos que frequentam o referido colégio. Sabendo Emília que tem de comparecer na reunião proposta pelos pais, ela pretende antecipadamente falar com a diretora Claudia Leremia, pelo que se desloca a pé pela cidade até sua casa. No caminho, a câmara informa-nos sobre a cidade da Bucareste, mostrando-nos lindas fachadas, casas em ruínas que ameaçam desastre, cartazes publicitários antigos e modernos como ainda detém-se a escutar altercações entre transeuntes para nos documentar a pulsação da cidade e a tensão latente com que se vive no dia-a-dia. Somos guiados por um cicerone conhecedor que nos informa e nos pergunta subliminarmente se gostaríamos de viver naquela cidade. Chegando à casa da diretora, o ambiente de tensão continua e de tudo o que se vê, nada nos agradaria mais do que sair dali para fora. Emi quando sai, depois de uma reunião prévia inconclusiva, continua a deambulação pela cidade que só nos reforça a ideia anteriormente transmitida.

A segunda parte reporta-se ao repertório ideológico da Roménia, aos valores, às tradições, aos provérbios coletado provavelmente na Wikipédia e noutras publicações da Internet que nos provocam um riso amargo pelas situações que nos são narradas sobre os mais variados aspetos sociais como, educação, saúde, trabalho, o estado e muitos outros aspetos, como a referencia a um jornal de 1944, quando a Roménia decide abandonar as tropas do eixo, em que a primeira página foi feita em duplicado podendo ler-se numa “Viva Estaline” e na outra “Viva Hitler” aguardando somente as ordens de última hora, mostrando-nos o lodo social, os princípios vazios e a verdade sob a qual aquela sociedade se pauta. Aparece tudo em flashes, com poucas palavras sobre uma imagem ilustrativa por si própria.

A terceira parte evoca a reunião para o despique com a professora onde estão representados os estereótipos sociais anteriormente referidos, o intelectual palavroso, o militar de carreira nacionalista by the book, os encarregados de educação de uma classe burguesa hipócrita, as senhoras que não falam para não se comprometerem com tamanho desaforo, a diretora que só quer é realizar uma votação para não ficar com o ónus da decisão. Todos em confronto com a professora Porno, como já lhe chamam, que apenas alega o direito de autoria do filme com o seu marido, como coisa íntima e pessoal que inadvertidamente ou maldosamente foi publicitado as redes sociais. Da discussão, emergem todos os defeitos sociais anteriormente apontados com o filme a olhar para a situação dando-nos a oportunidade de opção numa atitude saudavelmente provocadora das nossas convicções mais secretas.

Radu Jude é um realizador e escritor Romeno, nascido em Bucareste em 1977 com uma longa carreira internacional de realizações, que nos desafia sem reservas nem meias palavras com um filme provocatório, politicamente incorreto, sobre costumes e sociedade. Este é o seu filme de estreia no nosso país e provavelmente terá poucos aderentes em Portugal. Pelo meu lado confesso que gostei do modo cru, direto, irreverente e ousado com que aborda um tema tão sensível e tão atual como este, pelo que o recomendo.

Estreou nos cinemas em 9 de Setembro

Classificação: 7 numa escala de 10

 

10 de setembro de 2021

Opinião – “Espécie Ameaçada” de M.J. Bassett

Sinopse

“Espécie Ameaçada” é a história de uma família americana que parte para as suas férias de sonho numa reserva natural no Quénia. Mas quando o patriarca interpretado por Philiph Winchester decide que não precisa de seguir as regras do parque e sai do trilho para encontrar o rinoceronte que a sua esposa, Rebecca Romijn, tanto quer ver, o seu sonho transforma-se num pesadelo. Após a sua carrinha ser atacada pelo animal que vieram ver, a família vê-se forçada a tentar sair do mato a pé. Em breve, descobrem que o rinoceronte é a menor das suas preocupações… e que perigos muito mais aterradores espreitam no deserto africano.

Opinião por Artur Neves

M.J. Bassett começou a sua carreira como fotógrafa da vida selvagem para as revistas da especialidade e posteriormente dedicou-se ao cinema desde 2002, tendo em 2012 dirigido “Silente Hill – Revelação” e em 2020 “Rogue” também dedicado à defesa da vida selvagem, cujos títulos são mencionados no poster promocional do filme. Se refiro isto, é porque penso que seria melhor omitir essas duas referências, considerando que para quem as viu constituem referências negativas em vez de atrativas para o visionamento desta sua nova realização. O filme de 2012, sem história que consubstancie a ação, não passa de uma perseguição gore, de uma jovem, através de corredores escuros e caves onde aparecem sustos e surpresas ao nível do “comboio fantasma“ das feiras itinerantes, corporizando o mais espalhafatoso dos maus filmes de terror. Quanto ao “Rogue”, que advoga a defesa da vida selvagem em África, não consegue convencer o espectador das suas premissas, decorrente duma paupérrima interpretação dos seus personagens e duma pobreza de realismo nas cenas de ação.

Curiosamente porém, M.J. Bassett evolui-o um pouco desde o seu último trabalho de 2020, e este “Espécie Ameaçada”, sem ser brilhante, reúne elementos de valorização que o tornam visível ao longo dos 101 minutos de duração. Aborda o tema da caça furtiva ao rinoceronte e ao elefante para lhe colher o corno como afrodisíaco de excelência em algumas culturas e os dentes de marfim muito cobiçados no mercado da arte. Para isso serve-se de uma família de americanos comuns embevecidos pela sua desejada viagem ao Parque Nacional Amboseli no Quénia e perdidos nas suas quezílias familiares inultrapassáveis onde para mim reside o interesse secundário do filme.

Jack Halsey (Philip Wincester) é o pai de família espertalhuço bacoco que pagou a viagem, no momento em que foi suspenso pela empresa de exploração petrolífera onde trabalha na sequência de um erro crasso de sua autoria que o pode levar ao despedimento, para satisfazer o desejo antigo de sua esposa Lauren Halsey (Rebecca Romijn) doente diabética de 1º grau e insulino dependente a quem a mais sensata recomendação desaconselha uma viagem como aquela, acompanhados pelos seus filhos Zoe Halsey (Isabel Bassett) imberbe e mimada que arrasta consigo o namorado hippie, Billy Mason (Chris Fisher) desempregado e sempre pronto para fumar uma ganza e o seu filho Noah Halsey (Michael Johnston) homossexual assumido e apaixonado por Sam, seu companheiro que Jack não consegue aceitar.

E assim, no meio de múltiplas indiretas atiradas por todos contra todos, este caldeirão de contradições é literalmente lançado aos bichos (Jack como sabe que vai ficar desempregado não incluiu na viagem o seguro nem guia turístico) predispõe-se a fazer a viagem de carro pelo parque, sozinho com a família, sendo como é lógico, abalroado pelo primeiro rinoceronte que encontra no caminho, previamente assinalado como interdito mas perfeitamente violavel para um americano arrogante que aprende, embora tarde, a lição da sua vida.

No seu todo o filme tem momentos interessantes e destina-se a aumentar a consciencialização sobra a caça furtiva de rinocerontes e dos meios que estão sendo usados para os defender baseados nos esquadrões femininos anti caça constituídos por mulheres autóctones e embora a história se apresente como escorreita, é fácil antecipar o seu desfecho, limitando a surpresa.

Nos cinemas a 16 de Setembro

Classificação: 5 numa escala de 10

 

3 de setembro de 2021

Opinião – “Valor da Vida” de Sara Colangelo

Sinopse

Após os ataques de 2001 ao World Trade Center e ao Pentágono, o Congresso Norte-Americano nomeia o advogado Kenneth Feinberg (Michael Keaton) para liderar o Fundo de Compensação às Vítimas do 11 de Setembro. Incumbidos de distribuírem os recursos financeiros pelos familiares das vítimas da tragédia, Feinberg e a sua colega Camille Biros (Amy Ryan) enfrentam a impossível tarefa de calcular o justo valor a conceder por cada vida perdida. Quando Feinberg se cruza com Charles Wolf (Stanley Tucci), um organizador comunitário que lamenta a morte da sua esposa, o seu cinismo inicial transforma-se em compaixão, quando ele começa a compreender os verdadeiros custos humanos da tragédia.

Opinião por Artur Neves

Chegado precisamente na celebração do aniversário do vil ataque às torres gémeas em 11 de Setembro de 2001, este filme baseia-se no relato de Kenneth Feinberg, o verdadeiro, que verteu no seu livro "What is Life Worth?" as suas experiencias, dificuldades e contradições durante o seu trabalho em encontrar o valor da indemnização pecuniária pelas vítimas resultantes do hediondo ato terrorista na cidade de Nova Iorque. O trabalho foi encomendado pelo governo americano para evitar a avalanche de processos civis que ao longo do tempo em que decorreriam paralisariam a indústria dos transportes aéreos e fariam colapsar muitas das seguradoras envolvidas. É em suma a expressão do luto nacional pela tragédia, com a atenção nos interesses comerciais do país.

Sara Colangelo que nos trouxe “A Educadora de Infância” em 2018 com relativo sucesso, abraça agora este ambicioso processo de nos contar a saga épica de Kenneth Feinberg (Michael Keaton) em encontrar a fórmula mágica que contemplasse o mais justa e equitativamente possível os herdeiros, descendentes, ascendentes e colaterais relacionados com as vítimas da tragédia. Kenn, como gosta de ser tratado, e a sua equipa têm dois anos para descobrir quanto e quem merece o quê a partir de uma lista de nomes das vítimas, incompleta quer em número como em qualificação das pessoas falecidas, que se encaixe dentro do limite estabelecido pelo governo para o Fundo de Compensação. Esse valor foi inicialmente fixado em $350 milhões de dólares.

Kenn Feinberg tinha a reputação de resolver casos impossíveis e cumpre os requisitos para desenvolver com êxito a tarefa que lhe foi confiada. O ator assenta como uma luva no personagem, pois Michael Keaton possui uma energia nervosa e um magnetismo multifacetado que justificaram o Oscar de “Homem Pássaro” de 2014, ou o êxito de “O Caso Spotlight” de 2015 em que a sua participação foi determinante para o êxito alcançado e goste-se ou não dele, a sua presença é uma garantia de que o seu personagem é uma entidade pulsante, com objetivos, humor e densidade dramática que polariza a história, até nos momentos em que reconhece o falhanço das suas premissas iniciais.

O seu principal adversário é Charlie Wolf (Stanley Tucci), um viúvo de falas mansas que constrói um blogue chamado “Fix the Foud” onde critica abertamente os métodos de Kenn e reúne com os familiares para debater os erros de atribuição pecuniária, exortando-os a tentarem maximizar os valores e não assinarem nada abaixo do que pretendem. O outro adversário é Lee Quinn (Tate Donovan) um advogado oleoso que toma a defesa dos altos quadros que trabalhavam nos edifícios e quer refletir nas indemnizações não só os vencimentos atuais mas também os vencimentos e prémios futuros dos seus representados a troco do compromisso da desejada assinatura de consentimento.

É uma história complicada recheada de confrontos humanistas e sociais que representam os casos mais significativos que Kenn Feinberg teve de enfrentar mostrando complexidades e surpresas que a fórmula inicialmente prevista não poderia resolver, nem tão pouco o budget estipulado que foi sendo aumentado durante o tempo da investigação até á cifra final de 7 mil milhões de dólares, a cinco dias do prazo limite.

Todo o filme debate o sentimento de consciência da perda e a abordagem sincera do valor da ligação sentimental entre as pessoas que se ligaram por variadíssimos modos, alguns dos quais não reconhecidos pelas leis vigentes à data, o que confere a todo o material um elevado grau melodramático que a realização soube tornar contemplativamente convincente e sóbrio. Muito interessante em todos os seus 118 minutos, recomendo.

Estreia nas salas no dia 9 de Setembro

Classificação: 7 numa escala de 10