13 de setembro de 2021

Opinião – “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental” de Radu Jude

Sinopse

Vencedor do Urso de Ouro no 71º Festival de Berlim, este filme centra-se na professora Emi que vê a sua carreira e reputação ameaçadas depois de uma “sex tape” pessoal realizada com o seu marido, ir parar acidentalmente à Internet. Forçada a enfrentar os pais dos seus alunos que exigem a sua demissão, Emi recusa-se a ceder à pressão exercida por estes.

Em “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental”, Radu Jude materializa uma sátira social não convencional, incendiária, com humor irreverente e comentários mordazes sobre a hipocrisia e preconceito na atual sociedade Romena. Realizado em plena pandemia, sem ensaios físicos e dentro de todas as normas de segurança, é um filme controverso que vai ficar para história como uma prova documental dos nossos tempos.

Opinião por Artur Neves

Este é um filme a todos os níveis surpreendente, não porque a sua temática seja inovadora ou extraordinária mas porque os primeiros 3 minutos do filme são totalmente preenchidos com o tal vídeo de sexo explícito publicado na Internet, referido na sinopse, para que os espectadores tomem conhecimento factual do assunto em discussão. Não há outra maneira de dizer isto, é um vídeo hardcore legítimo, com todos os ingredientes das variantes sexuais disponíveis, apimentado com o linguajar erótico inerente a quem está dedicadamente imbuído na função.

O filme é dividido em três partes que aparecem bem definidas por separadores informativos que se sucedem após o impacto do deboche inicial. Nessa primeira parte saberemos que Emilia (Katia Pascariu) é professora num colégio particular frequentado pelos filhos da classe nobre da cidade, e praticou em casa com o seu marido todos os atos que foram filmados e que agora pululam no espaço digital para quem os quiser ver, crianças e jovens em formação incluídos, o que pôs em polvorosa os pais dos alunos que frequentam o referido colégio. Sabendo Emília que tem de comparecer na reunião proposta pelos pais, ela pretende antecipadamente falar com a diretora Claudia Leremia, pelo que se desloca a pé pela cidade até sua casa. No caminho, a câmara informa-nos sobre a cidade da Bucareste, mostrando-nos lindas fachadas, casas em ruínas que ameaçam desastre, cartazes publicitários antigos e modernos como ainda detém-se a escutar altercações entre transeuntes para nos documentar a pulsação da cidade e a tensão latente com que se vive no dia-a-dia. Somos guiados por um cicerone conhecedor que nos informa e nos pergunta subliminarmente se gostaríamos de viver naquela cidade. Chegando à casa da diretora, o ambiente de tensão continua e de tudo o que se vê, nada nos agradaria mais do que sair dali para fora. Emi quando sai, depois de uma reunião prévia inconclusiva, continua a deambulação pela cidade que só nos reforça a ideia anteriormente transmitida.

A segunda parte reporta-se ao repertório ideológico da Roménia, aos valores, às tradições, aos provérbios coletado provavelmente na Wikipédia e noutras publicações da Internet que nos provocam um riso amargo pelas situações que nos são narradas sobre os mais variados aspetos sociais como, educação, saúde, trabalho, o estado e muitos outros aspetos, como a referencia a um jornal de 1944, quando a Roménia decide abandonar as tropas do eixo, em que a primeira página foi feita em duplicado podendo ler-se numa “Viva Estaline” e na outra “Viva Hitler” aguardando somente as ordens de última hora, mostrando-nos o lodo social, os princípios vazios e a verdade sob a qual aquela sociedade se pauta. Aparece tudo em flashes, com poucas palavras sobre uma imagem ilustrativa por si própria.

A terceira parte evoca a reunião para o despique com a professora onde estão representados os estereótipos sociais anteriormente referidos, o intelectual palavroso, o militar de carreira nacionalista by the book, os encarregados de educação de uma classe burguesa hipócrita, as senhoras que não falam para não se comprometerem com tamanho desaforo, a diretora que só quer é realizar uma votação para não ficar com o ónus da decisão. Todos em confronto com a professora Porno, como já lhe chamam, que apenas alega o direito de autoria do filme com o seu marido, como coisa íntima e pessoal que inadvertidamente ou maldosamente foi publicitado as redes sociais. Da discussão, emergem todos os defeitos sociais anteriormente apontados com o filme a olhar para a situação dando-nos a oportunidade de opção numa atitude saudavelmente provocadora das nossas convicções mais secretas.

Radu Jude é um realizador e escritor Romeno, nascido em Bucareste em 1977 com uma longa carreira internacional de realizações, que nos desafia sem reservas nem meias palavras com um filme provocatório, politicamente incorreto, sobre costumes e sociedade. Este é o seu filme de estreia no nosso país e provavelmente terá poucos aderentes em Portugal. Pelo meu lado confesso que gostei do modo cru, direto, irreverente e ousado com que aborda um tema tão sensível e tão atual como este, pelo que o recomendo.

Estreou nos cinemas em 9 de Setembro

Classificação: 7 numa escala de 10

 

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