Sinopse
Vencedor do Urso de Ouro no
71º Festival de Berlim, este filme centra-se na professora Emi que vê a sua
carreira e reputação ameaçadas depois de uma “sex tape” pessoal realizada com o
seu marido, ir parar acidentalmente à Internet. Forçada a enfrentar os pais dos
seus alunos que exigem a sua demissão, Emi recusa-se a ceder à pressão exercida
por estes.
Em “Má Sorte no Sexo ou Porno
Acidental”, Radu Jude materializa uma sátira social não convencional,
incendiária, com humor irreverente e comentários mordazes sobre a hipocrisia e preconceito
na atual sociedade Romena. Realizado em plena pandemia, sem ensaios físicos e
dentro de todas as normas de segurança, é um filme controverso que vai ficar
para história como uma prova documental dos nossos tempos.
Opinião
por Artur Neves
Este é um filme a todos os
níveis surpreendente, não porque a sua temática seja inovadora ou extraordinária
mas porque os primeiros 3 minutos do filme são totalmente preenchidos com o tal
vídeo de sexo explícito publicado na Internet, referido na sinopse, para que os
espectadores tomem conhecimento factual do assunto em discussão. Não há outra
maneira de dizer isto, é um vídeo hardcore
legítimo, com todos os ingredientes das variantes sexuais disponíveis,
apimentado com o linguajar erótico inerente a quem está dedicadamente imbuído
na função.
O filme é dividido em três
partes que aparecem bem definidas por separadores informativos que se sucedem após
o impacto do deboche inicial. Nessa primeira parte saberemos que Emilia (Katia
Pascariu) é professora num colégio particular frequentado pelos filhos da
classe nobre da cidade, e praticou em casa com o seu marido todos os atos que
foram filmados e que agora pululam no espaço digital para quem os quiser ver,
crianças e jovens em formação incluídos, o que pôs em polvorosa os pais dos
alunos que frequentam o referido colégio. Sabendo Emília que tem de comparecer
na reunião proposta pelos pais, ela pretende antecipadamente falar com a
diretora Claudia Leremia, pelo que se desloca a pé pela cidade até sua casa. No
caminho, a câmara informa-nos sobre a cidade da Bucareste, mostrando-nos lindas
fachadas, casas em ruínas que ameaçam desastre, cartazes publicitários antigos
e modernos como ainda detém-se a escutar altercações entre transeuntes para nos
documentar a pulsação da cidade e a tensão latente com que se vive no dia-a-dia.
Somos guiados por um cicerone conhecedor que nos informa e nos pergunta subliminarmente
se gostaríamos de viver naquela cidade. Chegando à casa da diretora, o ambiente
de tensão continua e de tudo o que se vê, nada nos agradaria mais do que sair
dali para fora. Emi quando sai, depois de uma reunião prévia inconclusiva,
continua a deambulação pela cidade que só nos reforça a ideia anteriormente
transmitida.
A segunda parte reporta-se
ao repertório ideológico da Roménia, aos valores, às tradições, aos provérbios
coletado provavelmente na Wikipédia e noutras publicações da Internet que nos
provocam um riso amargo pelas situações que nos são narradas sobre os mais
variados aspetos sociais como, educação, saúde, trabalho, o estado e muitos outros
aspetos, como a referencia a um jornal de 1944, quando a Roménia decide
abandonar as tropas do eixo, em que a primeira página foi feita em duplicado podendo
ler-se numa “Viva Estaline” e na outra “Viva Hitler” aguardando somente as
ordens de última hora, mostrando-nos o lodo social, os princípios vazios e a
verdade sob a qual aquela sociedade se pauta. Aparece tudo em flashes, com poucas palavras sobre uma
imagem ilustrativa por si própria.
A terceira parte evoca a
reunião para o despique com a professora onde estão representados os estereótipos
sociais anteriormente referidos, o intelectual palavroso, o militar de carreira
nacionalista by the book, os
encarregados de educação de uma classe burguesa hipócrita, as senhoras que não
falam para não se comprometerem com tamanho desaforo, a diretora que só quer é
realizar uma votação para não ficar com o ónus da decisão. Todos em confronto
com a professora Porno, como já lhe chamam, que apenas alega o direito de
autoria do filme com o seu marido, como coisa íntima e pessoal que
inadvertidamente ou maldosamente foi publicitado as redes sociais. Da discussão,
emergem todos os defeitos sociais anteriormente apontados com o filme a olhar
para a situação dando-nos a oportunidade de opção numa atitude saudavelmente
provocadora das nossas convicções mais secretas.
Radu Jude é um realizador e
escritor Romeno, nascido em Bucareste em 1977 com uma longa carreira internacional
de realizações, que nos desafia sem reservas nem meias palavras com um filme
provocatório, politicamente incorreto, sobre costumes e sociedade. Este é o seu
filme de estreia no nosso país e provavelmente terá poucos aderentes em
Portugal. Pelo meu lado confesso que gostei do modo cru, direto, irreverente e
ousado com que aborda um tema tão sensível e tão atual como este, pelo que o
recomendo.
Estreou nos cinemas em 9 de
Setembro
Classificação: 7 numa escala
de 10
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