17 de setembro de 2021

Opinião – “Rifkin's Festival” de Woody Allen

Sinopse

O cinéfilo Mort Rifkin (Wallace Shawn) acompanha a sua mulher, a assessora de imprensa Sue (Gina Gershon), ao Festival de Cinema de San Sebastián, em Espanha, pois teme que o fascínio dela por um cliente, o jovem realizador Philippe (Louis Garrel), não seja meramente profissional. Mort espera ainda aliviar a pressão que sente para escrever um primeiro romance que corresponda aos seus exigentes padrões.

Aqui, Mort deixa-se envolver pelos clássicos do cinema de mestres como Bergman, Fellini, Godard, Truffaut e Buñuel, sobre os quais deu aulas na faculdade. O encantamento de Sue por Philippe e o desdém de Mort por este, prejudicam a já desgastada relação conjugal e a disposição de Mort apenas melhora quando conhece a Dra. Jo Rojas (Elena Anaya), uma alma gémea a quem o casamento com o intempestivo pintor Paco (Sergi López) também traz sofrimento. Enquanto Sue passa os seus dias com Philippe, a relação entre Mort e Jo aprofunda-se e ele reaviva o seu amor pelo cinema clássico. Ao refletir sobre a sua vida através do prisma desses grandes filmes, Mort encontra uma renovada esperança no futuro.

Imbuído de um humor absurdo, Rifkin’s Festival de Woody Allen combina situações irreais com histórias de amor e desgosto entrelaçadas, prestando uma terna homenagem ao poder transformador do cinema.

Opinião por Artur Neves

Mais uma vez Woody Allen é igual a si próprio e com 84 anos faz um filme em que projeta nos personagens a suas próprias dúvidas e inseguranças que vimos acompanhando ao longo de toda a sua já longa e profícua carreira, contudo, sem ser o que poderia ser chamado de Woody vintage, está acima de alguma das suas últimas realizações e apresenta-nos uma história em que a ação se passa no Festival de San Sebastian, em que o filme foi estreado este ano após o adiamento decorrente da crise pandémica.

Sobre a história a sinopse é suficientemente elucidativa e retrata-nos um homem; Mort Rifkin (Wallace Shawn) que é um realizador conhecido, neurótico (tal como Allen) cheio de preocupações com a sua profissão, que se debate com a suspeita de um amor não correspondido donde possam resultar infidelidades conjugais e da violentação a que teve de se sujeitar ao suspender a escrita do seu último romance para acompanhar a sua mulher Sue ao festival em que ele pensa que essa derivação possa ter lugar. Adicionalmente, os seus dilemas filosóficos, tal como o sentido da vida e preocupações com a sua origem judia motivam-lhe a atenção quer durante o dia como durante a noite, em que ele recria o passado em sonhos a preto e branco e podemos apreciar a homenagem de Woody Allen aos seus realizadores de eleição, tais como Buñuel, Fellini e muito particularmente Ingmar Bergman em que se personaliza em sonho no filme “O Sétimo Selo” numa clara alusão ao seu posicionamento no mundo.

Para confrontar o realizador, Philippe, que Sue, a sua elegante e sexy esposa está a promover, Mort cita todos os grandes clássicos europeus revelando-se apenas como um snob cinematográfico, esquecido na New Wave do cinema francês e desadequado para o tempo presente, considerando que “Jules et Jim” representa para ele o que de melhor se fez em cinema e mereceria continuação que ele pretende corporizar no seu romance interrompido. Claro que nem Philippe nem Sue lhe prestam a importância que ele julga devida e isso perturba-o ao ponto de sentir palpitações no coração e cansaço que o levam a consultar um médico em San Sebastian.

É aqui que o hipocondríaco Mort Rifkin renasce. O médico é uma bela cardiologista, Jo Rojas, que está no segundo relacionamento com um artista bêbado e mulherengo, que levanta idênticos problemas aos encontrados no primeiro casamento do qual se divorciou, mas que corresponde ao ideal de Mort, que lhe revela a sua preferência, que a segue, que promove consultas só para estar perto do seu grande amor recentemente encontrado, promovendo uma versão obscura do que foi vivenciado por Penélope Cruz e Javier Bardem em “Vicky Cristina Barcelona” (parece que Allen deixou Nova Iorque de vez). O súbito amor de Mort por Rojas é triste e ridículo, assim como todas as referências de Allen aos filmes e aos seus autores que por muito genuínas que sejam não são mais do que lembranças de outras vidas para as quais Mort não encontra sentido e por isso as procura.

Rifkin’s Festival navega nas águas em que Allen tem navegado nas duas últimas décadas e não tenhamos dúvidas que tem navegado bem, mas no todo resume-se a uma angústia conjugal legítima (digo eu) transformada num revivalismo frágil de grandes obras que Allen tem como referência mas que não são efetivamente mais do que isso. É um filme relativamente divertido, virado para os indefectíveis de Woody Allen mas sofre de falta de inspiração criativa embora um pouco menor do que em algumas das suas criações recentes.

Estreia nas salas a 23 de Setembro

Classificação: 6 numa escala de 10

 

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