30 de junho de 2018

Opinião – “No Coração da Escuridão” de Paul Schrader


Sinopse

Um ex-capelão militar, de luto pela morte do filho que convencera a ingressar no exército, começa a questionar a sua fé em relação a Deus e à sociedade.
Toller é um homem atormentado por demónios pessoais e sentimentos de culpa pela morte do filho e também pelo divórcio que se seguiu. Os seus dilemas pessoais ganham uma nova dimensão, quando confrontado com as dúvidas de Mary. A jovem está grávida, mas o marido não quer ter a criança, por considerar que o mundo não tem qualquer salvação ou futuro.

Opinião por Artur Neves

O argumento desta história é inspirado nas cartas do padre Thomas Merton, monge trapista americano e escritor católico, que durante a sua vida no século XX (1915 – 1968) também escreveu poemas, foi ativista social e fervoroso defensor do pacifismo e do ecumenismo. Este filme é portanto uma história de ficção, transpondo para a atualidade as interrogações e vacilações de fé documentadas pelo seu espólio epistolar onde se destaca a pergunta chave da sua filosofia: “Será que Deus nos perdoa pelo que estamos a destruir?...”
É uma abordagem diferente do ecumenismo religioso tradicional que Paul Schrader, experiente realizador americano, responsável pelos argumentos de; “Taxi Driver” (1976) e “O Touro Enraivecido” (1980), nos apresenta neste denso filme de intervenção social com pendor ecológico, que representa um murro do estomago para todos os americanos que elegeram Donald Trump e pactuam com a sua política individualista, protecionista e promotora da continuada carbonização do planeta, quando já existem provas dos prejuízos causados em toda a existência zoológica ou vegetal que habita este mundo.
A história centra-se no pároco Ernst Toller (Ethan Hawke) de uma igreja centenária (First Reformed, que constitui o nome original do filme) que celebra a festa da jubilação da sua fundação em conjunto com todas as forças vivas da cidade e de outras congregações religiosas, como a “Abundante Life”, cujos fiéis frequentam em maior número e com maior entusiasmo como resultado de um cristianismo espetáculo, que não corresponde minimamente à prática ecuménica do Reverendo Toller.
Toller, embora carregando o sofrimento das suas frustrações, encontra-se disponível e ao serviço de todos os que solicitem a sua atenção e a sua palavra. Embora com dúvidas, para ele inultrapassáveis, distribui recomendações para encontrar paz interior, fé e esperança no futuro, que ele próprio não encontra nos seus momentos de solidão. Todavia a realidade procura-o, não se esquece deste homem dividido e confronta-o no mais íntimo da sua essência forçando-o a uma escolha que será decisiva para um futuro que ele tem dúvidas que exista.
Muito bem interpretado e realizado, este filme transporta-nos para a América profunda e para os seus dilemas e convicções atávicas, ao ritmo do quotidiano da cidade. A angústia existe mas está contida nas gargantas e não se exprime por palavras e o realizador sabe transmitir-nos essa evolução com sinais e gestos que nos avisam do “adensar das nuvens” e nos inquietam. O desfecho surpreende e o final fica ao livre arbítrio da nossa reflexão. Muito bom, recomendo.

Classificação: 8,5 numa escala de 10

PS: Na opinião anterior sobre; “Na Praia de Chesil” critiquei o epílogo que o realizador nos apresenta para a história. Nesta, elogio a sua completa ausência, se existisse seria absolutamente supérflua.

28 de junho de 2018

Opinião – “Na Praia de Chesil” de Dominic Cooke


Sinopse


Estamos no verão de 1962 e em Inglaterra falta ainda um ano para as grandes mudanças sociais: a Beatlemania, a revolução sexual e os Swinging Sixties. Florence e Edward, um jovem casal de vinte e poucos anos, recém-casados, decidem passar a sua lua-de-mel num hotel abafado e enfadonho perto da praia de Chesil, em Dorset. Mas à medida que se aproximam da consumação do casamento, a conversa entre eles fica mais tensa e incómoda e resulta numa discussão entre os dois. É então que confrontam as diferenças entre si - as suas diferentes origens, atitudes, temperamentos, e segredos. Na praia de Chesil, no fatídico dia do casamento, um deles toma uma decisão importante que mudará radicalmente as suas vidas para sempre.

Opinião por Artur Neves

Baseado no romance homónimo de Ian McWean que também escreveu o argumento, esta história começa na Inglaterra industrializada mas socialmente vivendo ainda numa organização fortemente influenciada pela Era Vitoriana de valores rigorosos e moral pessoal austera, pouco propensa ao reconhecimento das reais necessidades pessoais, fazendo prevalecer as conveniências e as convenções sobre os naturais desejos humanos.
Nesta sociedade era portanto frequente os jovens chegarem à idade adulta sem conhecimento completo dos seus direitos e deveres, nomeadamente no que concerne a problemática sexual. Para as mulheres a castidade era norma imperativa, que devido à castradora educação veiculada socialmente motivava a sublimação dos impulsos naturais em múltiplas atividades que mascaravam a frustração dos impulsos carnais em formas de amor platónico, embora pretensamente eterno.
É neste contexto que “Na Praia de Chesil”, uma língua de saibro polido e rolado pelo bater das ondas em ambos os lados sob um céu pesado cor de chumbo, que fracassa com estrondo um casamento realizado 6 horas antes. Dominic Coocke mostra-nos cirurgicamente a degradação dessa relação singular fundamentada na ignorância, na vergonha, no embaraço de uma relação não assumida. Os factos são-nos descritos em flashback, enquanto que no presente o afastamento progride, mostrando-nos que uma história pode ser contada sob qualquer ordem desde que contenha os elementos necessários à sua compreensão, conferindo-lhe uma dinâmica própria e prendendo o interesse do espetador aos detalhes.
O realizador apresenta-nos pormenores de olhares, surpresas descabidas, gestos inseguros, frases incompletas, decisões por tomar e todo um conjunto de sinais que revelam os verdadeiros estados de alma destes dois amantes enquadrados no seu contexto social mas perdidos na sua essência.
A Inglaterra progride e moderniza-se, as ideias “arejam-se” com os Beatles e com tudo o que a sua irreverencia transformou. Dominic Cooke apresenta-nos um epílogo para esta história triste. Para mim seria mais válido continuar o retrato da época e escamotear as razões e as consequências da sociedade Inglesa no início dos anos sessenta, todavia não foi esta a decisão do realizador, embora no final, ao voltar à praia de Chesil, no curto período de duração daquele casamento, aquela língua de saibro polido, batida pelo mar, transportado por um vento húmido e agreste, sob um céu de chumbo, me tenha parecido ainda mais pesado do que no início do filme.
Florence Ponting (Saoirse Ronan) e Edward Mayhew (Billy Howle) constroem dois personagens convincentes, a história é boa, vale a pena ver, recomendo.

Classificação: 7 numa escala de 10

22 de junho de 2018

Opinião – “A Música do Silêncio” de Michael Radford


Sinopse

Todos conhecem a sua voz, as suas canções, as interpretações de famosas árias de ópera e a sua reputação internacional. Mas muito menos se sabe sobre a vida privada de Andrea Bocelli e do seu percurso desde Lajatico, uma pequena vila na Toscana, à ribalta da sua carreira atual.
Amos Bardi (alter-ego do cantor) nasceu com o dom da voz, mas tem uma doença grave nos olhos que o torna quase cego, obrigando-o a um calvário de várias cirurgias. O jovem é separado da família para ingressar num instituto para cegos e amblíopes, onde aprende Braille, mas sofre um terrível acidente que lhe provoca a cegueira total. Apesar de tudo, Amos não desiste. Motivado pela ambição e vários interesses (a paixão pelo canto, o amor por cavalos, motos e bicicletas, e uma licenciatura em Direito), a sua vida será uma sucessão de desafios até alcançar o seu primeiro grande sucesso em palco, com Miserere.
Aqui começa uma vida repleta de vitórias, mas onde persiste a missão diária de quem, para ser como os outros, deve trabalhar mais do que todos, em cada gesto, em cada etapa.

Opinião por Artur Neves

Os filmes baseados em biografias individuais, com ou sem auto consentimento e neste caso a história que nos é mostrada tem a colaboração do signatário, enfermam da dificuldade acrescida da surpresa, considerando que se trata de uma dramatização de eventos que tiveram a sua sequencia temporal de ocorrências, mais ou menos conhecida do grande público, que tem de ser fiel ao motivo do seu relato.
Este facto constitui uma dificuldade acrescida para o argumentista e para o realizador, no modo de contar esses factos e na descrição dos factos em si mesmo, que para se tornarem interessantes necessitam de múltiplos pormenores que os caracterizem e os animem, ou por uma alteração da ordem do relato de forma a motivarem-nos para eventos que já conhecemos, ou que pelo menos, sabemos que o retratado existe, está de boa saúde e recomenda-se.
Neste caso, Michael Radford, nascido na India, em New Delhi em 1946 e com boas referencias anteriores tais como; “O Carteiro de Pablo Neruda” de 1994 e “O Mercador de veneza” em 2004, segue o modelo clássico da descrição sequencial dos eventos, começando pela descoberta do glaucoma congénito logo após o nascimento e seguindo o fio da vida de Amos Bardi até á época atual, nos momentos iniciais de um concerto do consagrado Andrea Bocelli.
Durante este percurso são reportados, os seus diferentes humores, frustrações, desejos e ambições, o encontro de Elena com quem vem a constituir família e todos os seus sucessos iniciados com Zucchero em 1992, e prémios menores ganhos durante esse percurso. Tudo muito direitinho e seguidista, onde o personagem desempenhado por Antonio Banderas, o “Maestro”, seu professor de canto lírico, aparece como elemento distintivo e agitador num percurso inevitavelmente pacato e contido. Apresenta todavia alguns pormenores interessantes da vida do cantor, da sua irreverencia e tenacidade, mas que por constituírem relatos do tipo “postal ilustrado” perdem impacto e rapidamente se dissipam. Constitui assim uma biografia autorizada de um dos maiores tenores da nossa época, com interesse cultural do conhecimento transmitido, mas pobre do ponto de vista do espetáculo cinematográfico.

Classificação: 6 numa escala de 10

20 de junho de 2018

Opinião – “Noite de Jogo” de John Francis Daley e Jonathan Goldstein


Sinopse


Max e Annie, vêm a sua noite de jogos semanais entre casais amigos tornar-se mais entusiasmante quando o carismático irmão de Max – de nome Brooks – arranja uma festa com o tema “assassinato mistério”, que inclui ladrões e polícias falsos. Quando Brooks é subitamente raptado, é tudo parte do jogo… certo? Assim que os seis jogadores ultracompetitivos começam a preparar-se para resolver o caso e ganhar, começam a descobrir que nem o “jogo” nem Brooks são o que aparentam. No decurso de uma noite caótica, estes amigos vão encontrar-se a pisar o risco cada vez mais, pois cada nova pista leva-os a uma nova reviravolta inesperada. Sem regras, nem pontuação e sem ideia de quantos são os jogadores na realidade, esta pode ser a noite mais divertida das suas vidas… ou simplesmente o fim.

Opinião por Artur Neves

Quem disse, ou pensou, que a comédia no cinema era uma tema esgotado tem de ver este filme que constitui um “fresco” neste género, por vezes muito mal utilizado em filmes de cariz romântico que se socorrem de alguns gags, por vezes utilizados apenas como “buchas”, para animar as hostes de uma história mais ou menos lamecha. Este porém não é o caso de “Noite de Jogo” que contém todos os ingredientes para nos proporcionar um tempo de genuína diversão.
Suporta-se numa história de equívocos, bem congeminada, com momentos de verdadeiro suspense que em vez de nos assustar, empolgam-nos no sentido de apreciar se a dimensão da surpresa causada no personagem, é maior ou menor da que intuímos ao ver o desenrolar da ação, onde tudo está completamente esclarecido (e bem iluminado) para o espetador.
O enredo acompanha um grupo de amigos, normais frequentadores em conjunto de jogos sociais do tipo; trívias, jogos de tabuleiro e videogames, em que um dos elementos habituais resolve inovar nos temas propondo-lhes um “assassinato mistério”, a que todos aderem. O problema começa quando este jogo coincide com o assalto à casa feito por um grupo de malfeitores reais com a intenção de cobrança de uma dívida a Brooks (Kyle Chandler), que eles assumem por inerência pertencer ao jogo, tentando obter deles indícios e dicas, sobre os passos seguintes.
Os jogadores habituais organizam-se em equipas de pares na tentativa de obterem vantagens mas assumem objetivos ridículos e irreais considerando o absurdo da situação que eles ainda não compreenderam, conduzindo a um conjunto de erros e de surpresas onde assenta a verdadeira piada da história.
É suportado por um excelente e diversificado naipe de atores, já repetentes neste género de filmes, tais como; Max (Jason Bateman) e Annie (Rachel McAdams) como o casal principal, o vizinho Gary (Jesse Plemons) que desempenha um papel sinistro, intenso, despeitado e mal-humorado e muitos outros que compõem a história, produzindo boas cenas de humor sem espalhafato ou demasiada exuberância onde a ação funciona melhor do que as piadas e que se vê com agrado. Constitui 100 minutos de boa disposição, recomendo.

Classificação: 7,5 numa escala de 10

19 de junho de 2018

Opinião – “Mau Samaritano” de Dean Devlin


Sinopse

Dois jovens que arrumam carros num restaurante local criam um esquema inteligente para assaltar as casas dos clientes enquanto eles comem. As coisas correm bem até um deles assaltar o cliente errado e descobrir uma mulher cativa. Temendo ir para a prisão, deixa a mulher e devolve o carro no restaurante. Cheio de remorsos, faz um telefonema para a Polícia, que não encontra nada quando investiga. Agora, o arrumador tem de suportar a ira do raptor que tenta vingar-se, enquanto tenta desesperadamente arranjar maneira de salvar a mulher cativa que deixou para trás.

Opinião por Artur Neves

“Mau Samaritano” seria se Sean Falco (Robert Sheehan) tivesse abandonado à rapariga cativa que encontrou na casa, à sua sorte, mas não foi assim, impossibilitado de resgatá-la num primeiro tempo moveu céu e terra com risco da sua própria segurança e das pessoas que mais amava para a salvar, como redenção para a sua precipitada atitude inicial e cumprindo a regra básica de solidariedade em ajudar o próximo mesmo que completamente desconhecido. No limite será um “Mau Samaritano” arrependido.
A história que Dean Devlin nos conta, realizador americano nascido em Nova Iorque que tem no seu curriculum êxitos recheados de emoção e surpresa tais como; “O Dia da Independência” 1 e 2 (1996 e 2016) “Stargate” (1994) dos quais já se anunciam sequelas, “Godzila” (1998) traz-nos agora este thriller psicológico de suspense bem urdido do confronto com um psicopata totalmente fora da realidade embora muito rico e poderoso e das suas taras de dominação humana e formatação de vontade aos seus tresloucados desígnios.
Cale Erendreich (David Tennant), o psicopata, consegue transmitir-nos a personagem fria, calculista, impiedosa, exibindo raiva e desapego contra o mundo enquanto se diverte com o sofrimento infligido por ele a outros apenas para seu prazer e desfrute da destruição de um ser humano, cuja maior falta, é não se enquadrar aos seus parâmetros doentios e não se submeter aos seus aleatórios desejos de dominação e poder absoluto.
Entre as tentativas de salvamento de Sean e os maldosos ataques de Cale para o aniquilar, depois de lhe preparar diferentes armadilhas, a história desenvolve-se em ritmo crescente de emoção, numa toada de ação e de surpresa, com diferentes twists que mantêm o espetador atento e interessado. Claro que cedo se percebo que Cale tem de ser castigado e a rapariga salva, mas o caminho para lá chegar não é evidente indo-se revelando ao longo dos 110 minutos de ação do filme que se vêm com agrado.
Oportunidade ainda para se apreciar o efeito da anunciada Internet das Coisas (do Inglês; Internet of Things “IoT”) numa casa moderna, completamente assistida por software de vigilância e de realização de tarefas, comandada remotamente através de uma App instalada num telemóvel normal. Ainda é apenas uma primeira amostra da tecnologia de robotização das nossas casas, mas já nos mostra algumas das suas “maravilhosas” possibilidades. História escorreita e filme com interesse, recomendo, se não for impressionável com algumas cenas mais gore.

Classificação: 6,5 numa escala de 10

11 de junho de 2018

Opinião – “A Cada Dia” de Michael Sucsy


Sinopse

Baseado no aclamado best-seller do New York Times escrito por David Levithan, “A Cada Dia” conta a história de Rhiannon, uma rapariga de 16 anos que se apaixona por uma misteriosa alma chamada “A”, que cada dia ocupa um corpo diferente. Sentido uma ligação ímpar, Rhiannon e “A” todos os dias se esforçam para se encontrarem, desconhecendo o quê ou quem o novo dia trará. Quanto mais os dois se apaixonam, mais a realidade de amar alguém que é uma pessoa diferente a cada 24 horas começa a pesar, deixando Rhiannon e “A” perante a decisão mais difícil que alguma vez tiveram de tomar.

Opinião por Artur Neves

Esta é mais uma história que se apresente como sendo… “para ver como era, se assim fosse como seria…”. É claro que esta frase não faz muito sentido, mas o filme também não, pelo que ao ser citada serve como preparação e aviso para o resto do texto que o leitor decidirá se pretende continuar a ler.
Almas… espíritos sem corpo como a sinopse refere, pertencem a outro género cinematográfico onde este filme definitivamente não se insere. Passado numa escola americana do segundo ciclo entre jovens púberes que convivem entre si com a naturalidade e a esperança inerentes à idade, exceto para Rhiannon, (Angourie Rice, Australiana de 17 anos) que se sente ligada à tal alma nómada designada por “A”, que todos os dias ocupa um corpo diferente do qual expulsa por esse período o seu legítimo proprietário.
Depois de feitas as apresentações, (diariamente Rhiannon tem de encontrar e reconhecer “A” num novo corpo com um novo e diferente rosto) lá seguem as duas… ou “A” e ela… para o desfrute do resto do dia perfeito em sintonia de desejos, gentilezas, quereres e pensamentos coincidentes sobre a existência, sobre o futuro e sobre a vida até às 23h:59min (qual Cinderela dos tempos modernos) para no dia seguinte voltarem à mesma saga repetida naquele dia.
Embora “A” seja sempre o mesmo espírito, todos os dias o assunto em discussão vai divergindo para os diferentes aspetos afetivos, sociais e em relação aos outros, que uma relação como aquela pode propiciar, abordando-se assim diferentes vertentes do crescimento, da maturação do carater dos diferentes jovens postos em presença, premissa esta que pode resultar bem em romance (não duvido do sucesso do New York Times) mas que em filme carece da componente descritiva que o formato não comporta, tornando-se portanto repetitivo, déjà vu, expectante sobre o resultado e com pouco interesse como espetáculo, embora se possa aproveitar como válida a conclusão final veiculada na história.
Michael Sucsy, realizador americano nascido em 1973, já assinou um trabalho do tipo drama, romance, “Prometo Amar-te” de 2012 de pendor algo romântico e outros trabalhos de género diferente como assistente de realização e argumentista, tendo mesmo ganhado um Emmy como argumentista. Ao dedicar-se a esta tarefa, presumo que deve ter avaliado a qualidade do romance que a suporta, mas que todavia em linguagem cinematográfica não funciona como o blockbuster equivalente ao best-seller a que chegou o livro.

Classificação: 4 numa escala de 10

8 de junho de 2018

Opinião - "A extraordinária viagem do Faquir" de Ken Scott


Sinopse:
Um jovem indiano cumpre finalmente o seu desejo de visitar a cidade de Paris, onde conhece a bela Marie. Contudo, a sua suposta simples viagem torna-se numa aventura que o vai levar aos quatro cantos do Mundo, começando no momento em que fica preso num armário do IKEA.

Opinião por Inês Carrasqueira:
Gostavas de conhecer um pouca da Índia sem te levantares do sofá? E que tal conheceres as cores e sons não só indianos mas também franceses, no espaço de uma hora e meia? 
Agora já é possível, através do filme “A extraordinária viagem do Faquir”, realizado por Ken Scott. Ou, para quem prefere primeiro as palavras às imagens, podem também ler “A extraordinária viagem do Faquir que ficou preso num armário do IKEA”, escriro por Romain Puértolas, inspiração para este filme. O adjetivo extraordinário é aplicado ao nome do filme/livro, mas também a toda a história em si e mesmo à interpretação da personagem principal, Aja, interpretado por Dhanush, cara conhecida de muitos filmes indianos. 
Este filme conta a história de Aja, um jovem sonhador de Mumbai, Índia, que finalmente consegue fazer a sua tão desejada viagem a Paris. Contudo, chegado à cidade do amor, Aja fica preso num armário do IKEA e depara-se com uma aventura incrível que o vai levar aos quatro cantos do Mundo. Cada nova aventura ensina-lhe (e a nós também) uma nova lição e demonstra o valor das pessoas e dos sentimentos em detrimento dos bens materiais. 
Aja refere que Paris é a cidade onde o amor é mais forte e não apenas pelos seus monumentos, jardins, histórias ou romance mas sim devido a um campo eletromagnético na zona, cientificamente provado. Assim sendo, passa toda a sua aventura a querer regressar a Paris, onde conheceu a bela Marie, para provar que a sua teoria está correta. Será que consegue? Vejam e descubram! 
Eu, pessoalmente, adorei o filme por todas as boas vibrações que o mesmo me transmitiu. Não apenas pelas mensagens ou lições que estão nas entrelinhas mas também todas as imagens, sons e cores. Está tudo tão bem retratado que quase parece que sentimos os cheiros das especiarias ou das baguettes, o toque das sedas, o sabor do vinho francês, o rubor das feiras indianas. Claro que eu sou suspeita, não fosse a Índia um dos meus destinos de sonho e Paris uma das cidades que mais vezes visitei. 
“A extraordinária viagem do Faquir” é daqueles filmes que nos põe o pé a bater no chão e o sorriso na cara a maior parte do tempo. É daqueles filmes para ver e rever sem fartar. 


Classificação: 7.5 numa escala de 10

7 de junho de 2018

Opinião – “Á Deriva” de Baltasar Kormákur


Sinopse

Do realizador de “Evereste” e protagonizado por Shailene Woodley (A Culpa é das Estrelas, saga Divergente) e por Sam Claflin (Viver depois de Ti, saga Jogos da Fome),”À DERIVA”é baseado na inspiradora história verídica de dois espíritos livres cujo encontro fortuito os leva ao amor e, mais tarde, à aventura de uma vida.
Quando Tami Oldham (Woodley) e Richard Sharp (Claflin), dois ávidos velejadores, se aventuram numa viagem pelo oceano fora, não se apercebem que estão a dirigir-se para um dos mais catastróficos furacões alguma vez registados. Após a tempestade, Tami acorda encontrando Richard gravemente ferido e o seu barco destruído. Sem esperança num possível resgate, Tami terá de encontrar a força e determinação para se salvar a si e ao único homem que alguma vez amou.

Opinião por Artur Neves

Este filme revela de forma dramatizada os eventos efetivamente ocorridos no oceano Índico a um casal de velejadores apanhados pelo furacão Raymond que inesperadamente muda de direção e destrói a embarcação que os transporta, fere gravemente o homem que não resiste aos ferimentos e mostra a tenacidade do espírito humano contra os elementos quando a raiva e a solidão deixadas pela perda do ser amado é mais forte do que a insuficiência causada pelas nossas próprias feridas, fome, sede e carências imprescindíveis à sobrevivência.
Para esta história essencialmente simples, o realizador Islandês, Baltasar Kormákur apresenta-nos os factos de maneira inteligente e motivadora, começando o relato fílmico nos destroços do barco após o efeito do furacão, contando-nos em flashback as razões e o modo como se chegou aquela situação.
A história destes dois espíritos livres, do seu encontro em Taiti, da formação da sua ligação amorosa, das suas motivações e das razões que os levaram a empreender aquela viagem formam uma linha de eventos que se vai cruzar com o relato do naufrágio e das vicissitudes subsequentes, formando a partir daqui uma só descrição dos 44 dias em que andaram “Á Deriva” em mar aberto, ao fim dos quais, só ela chega a terra nas costas da Califórnia.
Com este expediente, Baltasar Kormákur que conta no curriculum com filmes de sucesso como “Evereste” de 2015 e “Dois Tiros” de 2013 mantem-nos despertos e atentos ao desenrolar dos acontecimentos, complementado por um bom lote de efeitos especiais de caracterização que com grande rigor e profissionalismo simulam a degradação dos corpos curtidos pelo sol, pela fraqueza física e pelo agreste ambiente marítimo.
“De caminho” o filme também aborda a motivação dos espíritos livres, pessoas que vivem á sua maneira, sem peias nem ligações sociais tal como as conhecemos, justificando embora sem muita profundidade as razões da sua rutura com os cânones sociais. Estamos pois em presença de um filme interessante, fundamentalmente desempenhado por apenas dois personagens, interagindo constantemente mas que não nos satura, apesar de ser somente o relato de um desastre marítimo. Tami Oldman (a verdadeira) depois de recuperada e até aos dias de hoje ainda continua a velejar pelos mares deste mundo para se sentir mais próxima do amor da sua vida.

Classificação: 6,5 numa escala de 10

Opinião – “Madame” de Amanda Sthers


Sinopse

Tentando dar nova vida a um matrimónio moribundo, Anne (Toni Collette) e Bob (Harvey Keitel), um casal americano rico e bem relacionado, mudam-se para uma mansão na romântica cidade de Paris. Enquanto prepara um luxuoso jantar para um grupo de amigos sofisticados, Anne descobre que há 13 convidados à mesa. Em pânico, insiste que a sua leal criada Maria (Rossy de Palma) se disfarce de uma misteriosa aristocrata espanhola para alterar o número agoirento. No entanto, demasiado vinho e conversas divertidas levam a que Maria capte, por acidente, as atenções de um dândi britânico e comerciante de arte (Michael Smiley). O seu romance vai levar Anne a perseguir a sua criada pelas ruas de Paris e, finalmente, a planear destruir esta entusiasmada união amorosa.

Opinião por Artur Neves

“Madame” conta-nos uma história passada entre diferentes níveis sociais no sentido da parábola romântica “o príncipe e a plebeia” que vai sendo comum nos nossos dias (veja-se o recente casamento ocorrido na família real Inglesa no mês passado) todavia com as necessárias reservas considerando que em “Madame” o “príncipe” corresponde a um tosco e petulante comerciante de arte e a plebeia corresponde à criada principal de uma família com pergaminhos, mas irremediavelmente falida, que ao pretender vender um quadro famoso, organiza aquela reunião gastronómica e usa a sua empregada principal como adorno, apenas para satisfação do desejo pueril, de conseguir um número conveniente de convidados sentados à mesma mesa.
Só que, a comida, o vinho e o ambiente geral do jantar servido cerimoniosamente, têm o condão de despoletar naquele ser até então despretensioso e humilde, a assunção do papel encomendado e o lampejo de evolução da sua condição servil, através da manifestação da sua opinião relativamente aos assuntos versados no jantar. Esse pormenor não escapa ao nosso “príncipe” que numa primeira fase a vê tal como a nobre personagem criada e publicitada pela anfitriã daquele jantar, gerando-se assim um equívoco social proporcional à entrega de cada um dos intervenientes.
Maria, (Rossy de Palma, atris fetiche de Pedro Almodôvar) embora surpreendida com o nível do pretendente, vive assim o seu sonho de amor idílico, sincero, completo, com o “príncipe” que numa primeira fase também lhe devota atenções e afetos adequados à pessoa que ele pensa ela ser, e a quem corteja. É óbvio que neste contexto, isto não pode acabar bem e aqui começam os problemas desta comédia dramática.
Amanda Sthers faz o pleno neste filme; escritora, argumentista e realizadora, tem o azar de não escolher os intérpretes mais adequados ou, pior ainda, de não os saber conduzir. Anne (Tonni Collette) normalmente sempre agradável de ver noutras representações, cria aqui um personagem demasiado frívolo e competitivo com quem não está à sua altura nem tem condições para tal. Bob (Harvey Keitel) ator experiente e de qualidade comprovada, encontra-se em roda livre neste papel parecendo um estranho em todo aquele imbróglio. Daqui pode concluir-se que Amanda Sthers teve nas mãos um diamante que não soube cortar e muito menos lapidar. Para Rossy de Palma, para o seu desempenho entusiasmado no início e sofrido na hora da desilusão, vão 70% da classificação a seguir atribuída.

Classificação: 6 numa escala de 10

5 de junho de 2018

Opinião – “EVA” de Bnoit Jaquot


Sinopse

Nada havia preparado o jovem e prometedor dramaturgo Bertrand (Gaspard Ulliel) para o seu encontro com a misteriosa e sedutora Eva (Isabel Huppert), que acabaria por se tornar uma obsessão compulsiva.
Este sensual thriller adaptado do romance britânico do mesmo nome da autoria de Hadley Chase é escrito e realizado pelo celebrado autor francês Benoit Jacquot e fez parte da seleção oficial em competição na última edição do Festival de Berlim.

Opinião por Artur Neves

Esta história tem a sua primeira apresentação em cinema em 1962, em versão P/B, pela mão de Joseph Losey, sendo estrelado por Jeanne Moreau e tendo constituído uma das suas boas interpretações. Desta vez, com Isabelle Huppert também não fica atrás, no desempenho de uma mulher, fria, calculista, organizada no seu trabalho de cortesã da classe alta, embora as suas motivações sejam muito mais nobres do que á partida se possa pensar. Aliás, o equívoco é parte fundamental do romance em que se baseia este filme, tal como da vida dos seus personagens e de todos nós na vida real, se não estivermos suficientemente atentos para o identificar.
Bertrand é na realidade um poço de equívocos e de contradições, na sua ocupação de gigolo arrependido e maldoso, na sua pretensão de escritor, embora falhado em inspiração e talento, para assumir o papel que acidentalmente usurpou de um seu eventual companheiro. Equivoco pelas portas abertas por um meio intelectual a que definitivamente não pertence por falta de condições intrínsecas. Equívoco pelo fascínio que sentiu por uma mulher inatingível, desprezando um amor real que ele nunca compreendeu nem soube corresponder mas que está determinado a abandonar por uma mulher que declaradamente lhe disse e mostrou com atos que não quer nada com ele, embora durante toda a história demonstre que sabe o que quer e pelo que luta.
Ao longo da história Eva vai-se revelando como realmente é. A prostituta preferida de um lote de homens velhos a que serve, e de quem se serve, para atingir os seus objetivos financeiros em benefício de um bem maior que é o seu verdadeiro e único amor da sua vida. Todavia, Eva é um ser cansado, que vive no seu recato sempre que pode, a quem a atividade profissional custa a desempenhar e lhe consome muitas energias que precisam ser compensadas com descansos regulares de sono prolongado que lhe propiciem um merecido apagamento.
Não obstante o real valor deste bem arquitetado romance, com todos os vetores de um thriller psicossexual em modo sensual, embora contido e com suspense, o filme parece não descolar de uma mediania monótona e previsível sem possibilidade de exibir o drama palpável que se desenvolve em segundo plano por todos os personagens, embora por motivos diferentes. Benoit Jacquot nunca nos consegue transmitir o clima de tensão crescentes em que os personagens evoluem com uma Eva discreta e sóbria e um Bertrand com um desempenho quase apático mesmo nas situações que o põem diretamente em causa e justificariam um comportamento mais expansivo e determinista. Apesar disso, são 102 minutos que não desiludem, sabem é a pouco!...

Classificação: 5 numa escala de 10

4 de junho de 2018

Opinião – “Táxi 5” de Franck Gastambide


Sinopse

Sylvain Marot (Franck Gastambide), superpolícia parisiense e motorista excecional, é transferido contra a sua vontade para a Polícia Municipal de Marselha.
O ex-comissário Gibert (Bernard Farcy), recém-eleito Presidente da Câmara da cidade, e mal cotado nas sondagens, confia-lhe a missão de parar o temível "Gang dos Italianos ", que roubam joias com o recurso a poderosos Ferraris.
No entanto, para conseguir isso, Marot terá de colaborar com o sobrinho do famoso Daniel, Eddy Maklouf (Malik Bentalha), o pior condutor de Marselha, mas o único a poder recuperar o lendário TAXI branco.

Opinião por Artur Neves

“Taxi 5” constitui a quarta sequela da saga “Taxi”, de origem francesa e sempre com o mesmo tema de diversão e comédia em ambiente descontraído onde campeiam polícias e ladrões, muita pancadaria, muitas corridas alucinantes (em cinema) de automóveis, muitos desastres mirabolantes cujo único objetivo é a pura diversão e o esquecimento das preocupações durante o tempo do visionamento considerando que após isso pouca coisa ficará do que foi visto.
O primeiro “Taxi” apareceu em 1998, ao que se seguiu “Taxi 2” em 2000, “Taxi 3” em 2003, “Táxi 4” em 2007 e quando menos se esperava eis que temos este “Táxi 5” em 2018, realizado por Franck Gastambide, nascido em França em 1978, que acumulou funções com o personagem principal do filme que também interpreta, em mais uma festa para os sentidos que podemos apreciar descansadamente pois nada daquilo é a sério ou nos toca.
Ao longo desta saga registe-se que as histórias têm acompanhado a evolução, tanto tecnológica como social que se verificou durante este tempo, com particular ênfase para a migração dos povos africanos, bem como para o veículo utilizado que embora sendo chamado de “Taxi” apresenta as inerentes atualizações de modelo e de prestações técnicas verificadas entretanto. Tal como nos outros filmes a cidade escolhida é Marselha que decorrente do seu multicuralismo é fácil estabelecer interação entre Árabes, Italianos, Gregos, e outros não europeus, bem como ainda, com os franceses, que se prestam aos mais variados trocadilhos e equívocos de tema e de contexto que justificam alguns bons gags que nos fazem sorrir e rir sem favor.
A história sumarizada na sinopse é o que é e tem como finalidade suportar as “buchas” de diálogo e os espetaculares acidentes, entre automóveis e entre pessoas sem que se torne pesado ou ofensivo sobre qualquer espécie, considerando a forma naïf como nos é contada e nos são apresentadas as cenas sobre o comportamento da Polícia Municipal de Marselha durante a investigação e captura da Máfia “fofinha” que perseguem ao longo de todo o filme.
Assim sendo caro leitor, se procura o alheamento das dificuldades reais do dia-a-dia através do desfrute de pura diversão, deixe-se levar por 102 minutos de uma história que só pretende transmitir-lhe boa disposição e divertimento. Recomendo.

Classificação: 5 numa escala de 10