30 de junho de 2018

Opinião – “No Coração da Escuridão” de Paul Schrader


Sinopse

Um ex-capelão militar, de luto pela morte do filho que convencera a ingressar no exército, começa a questionar a sua fé em relação a Deus e à sociedade.
Toller é um homem atormentado por demónios pessoais e sentimentos de culpa pela morte do filho e também pelo divórcio que se seguiu. Os seus dilemas pessoais ganham uma nova dimensão, quando confrontado com as dúvidas de Mary. A jovem está grávida, mas o marido não quer ter a criança, por considerar que o mundo não tem qualquer salvação ou futuro.

Opinião por Artur Neves

O argumento desta história é inspirado nas cartas do padre Thomas Merton, monge trapista americano e escritor católico, que durante a sua vida no século XX (1915 – 1968) também escreveu poemas, foi ativista social e fervoroso defensor do pacifismo e do ecumenismo. Este filme é portanto uma história de ficção, transpondo para a atualidade as interrogações e vacilações de fé documentadas pelo seu espólio epistolar onde se destaca a pergunta chave da sua filosofia: “Será que Deus nos perdoa pelo que estamos a destruir?...”
É uma abordagem diferente do ecumenismo religioso tradicional que Paul Schrader, experiente realizador americano, responsável pelos argumentos de; “Taxi Driver” (1976) e “O Touro Enraivecido” (1980), nos apresenta neste denso filme de intervenção social com pendor ecológico, que representa um murro do estomago para todos os americanos que elegeram Donald Trump e pactuam com a sua política individualista, protecionista e promotora da continuada carbonização do planeta, quando já existem provas dos prejuízos causados em toda a existência zoológica ou vegetal que habita este mundo.
A história centra-se no pároco Ernst Toller (Ethan Hawke) de uma igreja centenária (First Reformed, que constitui o nome original do filme) que celebra a festa da jubilação da sua fundação em conjunto com todas as forças vivas da cidade e de outras congregações religiosas, como a “Abundante Life”, cujos fiéis frequentam em maior número e com maior entusiasmo como resultado de um cristianismo espetáculo, que não corresponde minimamente à prática ecuménica do Reverendo Toller.
Toller, embora carregando o sofrimento das suas frustrações, encontra-se disponível e ao serviço de todos os que solicitem a sua atenção e a sua palavra. Embora com dúvidas, para ele inultrapassáveis, distribui recomendações para encontrar paz interior, fé e esperança no futuro, que ele próprio não encontra nos seus momentos de solidão. Todavia a realidade procura-o, não se esquece deste homem dividido e confronta-o no mais íntimo da sua essência forçando-o a uma escolha que será decisiva para um futuro que ele tem dúvidas que exista.
Muito bem interpretado e realizado, este filme transporta-nos para a América profunda e para os seus dilemas e convicções atávicas, ao ritmo do quotidiano da cidade. A angústia existe mas está contida nas gargantas e não se exprime por palavras e o realizador sabe transmitir-nos essa evolução com sinais e gestos que nos avisam do “adensar das nuvens” e nos inquietam. O desfecho surpreende e o final fica ao livre arbítrio da nossa reflexão. Muito bom, recomendo.

Classificação: 8,5 numa escala de 10

PS: Na opinião anterior sobre; “Na Praia de Chesil” critiquei o epílogo que o realizador nos apresenta para a história. Nesta, elogio a sua completa ausência, se existisse seria absolutamente supérflua.

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