26 de novembro de 2020

Opinião – “Missão: Vingança” de Eshom Nelms e Ian Nelms

Sinopse

Billy Wenan, um menino rico e mimado de 12 anos, mora com a avó doente e anseia pela atenção do seu pai ausente. Governando a casa com mão de ferro, não revela qualquer remorso quando é cruel para com os empregados. Na manhã de Natal, depois de encontrar um pedaço de carvão na sua meia, Billy decide contratar um assassino, conhecido por Magricela (Walton Goggins), para matar o Pai Natal.

O Pai Natal, também conhecido por Chris Cringle (Mel Gibson), está em plena crise financeira. O número crescente de crianças mal comportadas levou a uma redução do seu subsídio governamental, deixando-o abaixo do seu orçamento atual. Juntamente com a sua esposa, Ruth (Marianne Jean-Baptiste), lutam para manter a oficina aberta e os elfos empregados, mas perante a iminência de rutura, veem-se forçados a assinar um contrato de dois meses com o Exército americano.

À medida que o Magricela se aproxima de Chris, nasce naquele um distorcido sentimento pessoal de vingança pelos presentes que não recebeu na infância, e quando os mundos dos dois colidem, Chris tem de se mostrar à altura da situação para manter vivo o espírito natalício e lutar pela sua própria vida.

Opinião por Artur Neves

Este, é um filme do Natal real. Esqueçam tudo o que se lembram do Natal tradicional, com um Pai Natal gorducho e bonacheirão a viajar de trenó pelos ares (como nos anúncios da Coca-Cola) sobre as casas dos meninos que se portaram bem todo o ano, que merecem os presentes pedidos que ele enfia pela chaminé como o justo prémio do sucesso e do bom comportamento alcançados.

Como podem apreciar pela sinopse que resume a história e da qual não vou falar, não é deste Natal que trata este filme mas antes de um Pai Natal, cansado, frustrado com a evolução do mundo onde já não se encontram meninos dignos de prémio e que justifiquem o seu trabalho e da organização de elfos (???...) que o suporta na fábrica que produz os brinquedos que ele distribuirá depois.

O mundo mudou definitivamente. Durante muito tempo todo o comercio tradicional viveu à custa da imagem do Pai Natal e progrediu com a sua bonomia e boas ações, conduzindo-o ao estado atual de amargura e azedume, ao ponto de mal conseguir pagar as suas despesas e de estar em risco de faltar com o pagamento devido aos elfos (???...) que para ele trabalham e pior do que tudo, vivendo à custa de uma subvenção paga pelo governo americano que pretende reduzi-la devido á crise e à progressiva insignificância do seu trabalho, conduzindo-o à aceitação contratual de transformar a oficina de brinquedos numa fábrica de acessórios para aviões de combate do exército.

Para justificar tudo isto arranja-se um pirralho mimado, com comportamento de tiranete que por ter recebido um torrão de carvão como prenda de Natal, contrata um assassino profissional, de personalidade mal resolvida com a frustração pelo recebimento de prendas em Natais anteriores, que se presta a viajar até ao pólo norte para matar o Pai Natal Chris Cringle (Mel Gibson) que ainda assim, apesar da indigência da história, cumpre escrupulosamente o personagem que lhe incumbiram, pois em tempos de crise real não há oportunidade para recusar trabalho. Outro tanto poderei dizer da mulher do Pai Natal Ruth (Marianne Jean-Baptiste), especialista em tricô e doçaria, esforça-se por animar o espírito natalício do marido e de lhe incentivar a sua anterior vocação de generosidade e calor humano, construindo um personagem generoso e afável sempre pronta a amenizar as suas alterações de humor.

Posso até compreender o objetivo desta história absurda, sem mensagem explícita ou efeito prático objetivo, num mundo em mudança e generalizadamente perigoso… mas por favor, precisamos de férias, pelo menos que uma vez por ano que nos seja permitido sentir uma ilusão de paz, de descontração, que permita baixar as nossas defesas para usufruirmos de um sonho de inocência.

Ainda sem data anunciada para estrear.

Classificação: 3 numa escala de 10

 

19 de novembro de 2020

Opinião – “Dreamland: Sonhos e Ilusões” de Miles Joris-Peyrafitte

Sinopse

Eugene Evans (Finn Cole da série TV “Peaky Blinders”) e a sua família têm de lutar para manter a quinta em plena praga de tempestades de areia e de execuções hipotecárias no Texas. Numa cidade vizinha, cinco civis inocentes são mortos num assalto a um banco, e as autoridades locais perseguem a assaltante em fuga, Allison Wells (Margot Robbie). Com a recompensa de 10 mil dólares pela captura de Wells, Eugene espera impedir a execução hipotecária da quinta. E a tarefa torna-se mais fácil do que esperado quando Eugene a encontra escondida no celeiro da família.

No entanto, Eugene descobre que a história dos crimes de Allison é um pouco diferente do que pensava, e que entregá-la pode não ser a melhor forma de salvar a sua família. Até porque Allison é bonita e bem-falante, mas, mais do que isso, Eugene começa a apaixonar-se, pois partilham outra coisa: o sonho de fugirem das suas histórias.

Opinião por Artur Neves

Cheira a “Bonnie e Clyde” o casal de bandidos preferido da América, mas este “Dreamland” tem um caminho próprio a percorrer no âmbito da perda da inocência de Eugene Evans (Finn Cole), 17 anos, órfão de pai na década de 1930, em plena grande depressão que ele não compreende para lá dos limites da sua fazenda falida que é parte da maior catástrofe económica que assola o país. Vive com a sua mãe, Olivia Evans (Kerry Condon), com a sua meia-irmã mais nova Phoebe (Darby Camp) uma garotinha doce e corajosa que defende bem o seu personagem e já mais velha narra esta história (dobrada por Lola Kirke) que lhe pertence por completo. O padrasto, George Evans (Travis Fimmel) novo marido de sua mãe, de temperamento forte e modos rudes, é ajudante do xerife na pequena localidade do estado do Texas frequentemente assolada por tempestades de terra e poeira, muita poeira repleta de produtos tóxicos que cobrem toda a paisagem e contaminam os campos.

Eugene desperdiça os seus dias em pequenos furtos com o seu amigo Jo (Stephen Dinh), ou escondido no celeiro, lendo revistas de quadradinhos com os heróis rebeldes que povoam o seu imaginário e lhe permitem sonhar acordado com um destino que deseja mas que não pode prever. A realidade “cai-lhe no colo” na pessoa de Allison Wells (Margot Robbie com estofo de estrela e co-produtora deste filme, algo distante da exuberância histriónica de Harley Quinn em “Esquadrão Suicida” que lhe trouxe notoriedade) uma foragida à justiça na sequência de um assalto a um banco que correu mal e provocou a morte do seu companheiro, mas que encontra refúgio temporário no celeiro de Eugene.

Pouco depois Eugene encontra Allison ferida no celeiro e de imediato a chispa da atração incendeia o seu coração virgem de sentimentos fortes. Ele trata-a, das feridas, ouve a sua confissão de inocência relativamente à morte acidental de uma menina durante a fuga do assalto, bebe as suas palavras com os olhos os ouvidos e o coração que quer acreditar na sua versão, estando aqui a essência da história centrada na sedução de Allison por Eugene, que se deixa envolver no seu feitiço.

A história do filme é até bastante simples não contendo alterações significativas de sequencia nem qualquer moral especial a reter, pois tudo o que pretende é desenvolver a essência deste relacionamento acidental que nos apresenta um jovem a lutar entre o certo e o errado, entre a paixão que Allison lhe sugere só por existir e a honra e os princípios ensinados em casa. A dicotomia entre a juventude de onde vai emergindo e a idade adulta que quer iniciar sem a necessária preparação para o fazer.

Esta é a segunda longa metragem de Miles Joris-Peyrafitte, que com 20 anos nos apresenta uma maneira notável de filmar ao representar o tempo presente de Eugene no ecrã total e os seus sonhos, ou os seus desejos de realização em formato caseiro de filme de 8 mm, separando objetivamente o presente do passado ou de um futuro que só existe nos seus sonhos, podendo até nunca acontecer. Outra nota que sublinho é a forma de filmar a resposta de Eugene ao chamamento de Allison no chuveiro de um quarto de motel onde pararam para passar a noite. A câmara só foca Eugene que se sente confrontado com uma situação nova e só aos poucos vai reagindo, denunciando toda a sua insegurança pela novidade.

Com estreia prevista para 26 de Novembro é um filme linear que se vê com agrado.

Classificação: 6 numa escala de 10

 

16 de novembro de 2020

Opinião – “Protótipo” de Gavin Rothery

Sinopse

2049. George Almore (Theo James), especialista em robots, está à beira de uma descoberta. Instalado num complexo remoto e secreto, tem trabalhado no modelo dum androide que é um verdadeiro equivalente humano. O mais recente protótipo deste, o J3, está praticamente terminado. J3 é o aperfeiçoamento de dois protótipos anteriores, o J1 e o J2, em que cada um dos quais é uma versão cada vez mais avançada da sua esposa, Jules (Stacy Martin), que morreu num violento desastre de viação.

Motivado pelo seu amor por Jules, George desviou secretamente o foco do seu trabalho, desenvolvendo os robots com o objetivo de criar um simulacro da falecida mulher.

Opinião por Artur Neves

O local é uma montanha coberta de neve na China, perto de Kyoto (na realidade o filme foi realizado na Hungria, num cenário igualmente severo, e digo isto, não para retirar a mística da história mas simplesmente para reposicionar o filme) onde encontramos uma instalação de investigação científica de alta segurança, em que George Almore (Theo James) assume o papel de um one man show, um lobo solitário da ciência robótica que passou quase três anos a desenvolver um androide que mais se aproximasse de um ser humano através da introdução de Inteligência Artificial na sua programação.

Embora o trabalho se encontre praticamente concluído do ponto de vista técnico, George chegou à fase mais sensível do trabalho com uma máquina que replica o livre arbítrio da condição humana, começando a formar os seus próprios desejos diferentes dos do seu criador, já notados nos protótipos anteriores J1 e J2 que apesar de possuírem uma forma quadrada, distante da forma humana e de terem ficado paralisados nos níveis; infantil e adolescente, respetivamente, já experimentam sensações de ciúme e insegurança, particularmente J2 que questiona diretamente George sobre o seu distanciamento atual, decorrente do envolvimento com J3 em fase avançada de realização.

Sendo este o tema principal da história, esta complica-se quando George mistura no seu trabalho o seu sofrimento pela perda da sua mulher num desastre de automóvel e pretende encontrar a imortalidade e a suavização da sua dor, através da programação da personalidade da sua falecida esposa Jules Almore (Stacy Martin) na consciência de J3, tornando-a no monstro ciumento de Frankenstein. Esta evolução é conseguida através de flashbacks sobre a vida de ambos antes do desastre, dos tempos felizes que passaram, que confere à história um fundo emocional que nos mostra o que ele perdeu, justificando a sua vontade de trazê-la de volta.

Gavin Rothery é também o autor do argumento que não dá respostas ao espectador e pelo contrário até levanta questões sobre os limites do controlo através da Inteligência Artificial, sem todavia ensaiar qualquer resposta e adicionar assuntos periféricos, tais como a vigilância remota do seu trabalho por uma supervisora mal humorada Simone (Rhona Mitra) e a intervenção de vilões sombrios e deslocados que presumidamente vêm inspecionar o seu trabalho mas de uma forma a todos os níveis imprópria para um trabalhador intelectual na área da investigação robótica. É uma utilização avulsa do ator Toby Jones que definitivamente não pertence a esta história nem contribui para ela.

O desenvolvimento da narrativa não é linear, mas para nos fazer entender que ele pretende recuperar a sua falecida esposa no corpo de um androide talvez isso se justifique. O ambiente do laboratório foi conseguido em tons de prata serenos que alternam com o vermelho pulsante no caso de alarme, ou em neons elétricos sempre que o mundo exterior se intromete no santuário tecnológico isolado de George. A música de Steven Price (compositor de “Gravidade”) faz o seu trabalho envolvendo a ação em cordas suaves e sintetizadores nos momentos mais agudos. O enredo prende-nos se tivermos disponibilidade para o aceitar e isso só se verifica através de um esforço de vontade durante 109 minutos. A data de estreia está prevista para 26 de novembro.

Classificação: 5,5 numa escala de 10

 

15 de novembro de 2020

Opinião – “Uma Pequena Mentira” de Julien Rappeneau

Sinopse

Theo (Maleaume Paquin) é um miúdo de 12 anos cheio de talento que joga num clube de futebol local. Tem grandes hipóteses de vir a ser profissional, mas também tem um pai que entrou numa espiral de autodestruição desde que se divorciou e começou a beber, o que o deixa ansioso e impotente. Theo recusa-se a desistir dele e quando chama a atenção de um olheiro de um clube inglês importante, vê aí uma oportunidade de dar um objetivo e alguma esperança ao pai.

No entanto, e apesar do esforço, Theo não é selecionado o que o leva a mentir ao pai, na esperança de o deixar feliz e orgulhoso, o que, de facto, acontece. Empenhado em ajudar o filho a agarrar “uma oportunidade única”, Laurent (François Damiens, o ator principal de A Família Belier) recupera o gosto pela vida e passa a acreditar no futuro feliz. Mas a mentira atinge proporções demasiado grandes e Theo perde o seu controlo…

Será que as mudanças que a vida de Theo e Laurent verificaram subsistem ao desmoronar desta pequena mentira?

Opinião por Artur Neves

Tal como o resumo descrito na sinopse, trata-se de uma história para toda a família visível numa altura em que não exista mesmo nada para fazer de mais dinâmico e interessante. O miúdo é um jeitoso com uma bola nos pés quando confrontado com o resto da sua equipa e da equipa adversária que o deixa jogar. Decorrente da sua baixa estatura seria fácil neutralizá-lo mas a história tem de seguir o seu curso e Theo lá consegue “botar” figura para gaudio do seu pai alcoólico, que não se cansa de lhe enaltecer as virtudes futebolísticas.

O clube é de aldeia e os adultos que o enquadram são simples, modestos e diretos à acção que os trás à cena, começando pelo treinador Claude (André Dussollier) que o trata como um filho, o chefe da equipa técnica Antoine (Sébastien Chassagne) que mostra mais interesse em apresentar os seus dotes culinários mal aprendidos num curso online, do que na situação física dos atletas e acabando no presidente do clube (Pierre Diot) que vê uma oportunidade de divulgação para o clube na mentira piedosa que Theo forjou, (sem o seu conhecimento) para não desiludir o seu pai como adepto e seu fan incondicional.

O pai de Theo, Laurent (François Damiens) é um homem desempregado, brigão, alcoólico, divorciado em guarda partilhada da custódia do filho, com a mãe que já constituiu outra família. É aqui que a história atinge algum dramatismo ao abordar um problema actual e cada vez mais frequente, gerador de conflitos emocionais nos filhos de pais divorciados e nos próprios pais como em Laurent que nunca mais foi o mesmo desde o divórcio.

A recusa do clube inglês, o Arsenal, em não contratar Theo por este ser baixo para a idade e fraco de físico, justifica a mentira de Theo que não tem coragem de dar mais esse desgosto ao pai. Todavia essa mentira é um incentivo para Laurent que na expectativa de o acompanhar em Inglaterra, deixa de beber, procura um emprego, e aluga uma casa para que o filho possa lá morar em condições adequadas á sua recente contratação pelo clube inglês. É a redenção de um homem desestruturado para mudar a sua condição de vida embora fundamentada numa mentira que ele e todos os outros, assumem como verdade.

Para manter a narrativa Theo tem de continuar a simulação com a ajuda de Max (Pierre Gommé) um miúdo com uma dependência patológica da Internet, que passa os dias em casa em jogos online e recusa-se a enfrentar o sol e o dia claro por receio de contaminação pelos ultravioletas. Theo pede-lhe ajuda ao mesmo tempo que o motiva a largar a sua clausura constituindo uma contribuição positiva para todos os casos em que esta patologia se torna incurável.

O filme esforça-se por nos mostrar o ponto de vista das crianças face a problemas que estão fora do seu alcance mas não tem força, nem motivação séria para nos empolgar ou entusiasmar com o enredo, ficando-se por uma história de bem-estar em que no final tudo se resolve.

Classificação: 4,5 numa escala de 10

 

11 de novembro de 2020

Opinião – “O Nosso Cônsul em Havana” de Francisco Manso

Sinopse

Em 1872, Eça de Queiroz é nomeado Cônsul em Havana por um novo governo português de carácter mais liberal e parte com o objetivo de enfrentar as autoridades locais em defesa dos trabalhadores chineses que são atraídos para plantações de cana-de-açúcar, mas acabam explorados e escravizados.

Opinião por Artur Neves

“O Nosso Cônsul em Havana” começou por ser uma série de 13 episódios emitida pela RTP 1 em 2019, produzida por várias entidades portuguesas e estrangeiras, que agora, na forma de filme tem estreia prevista nas salas para 19 de Novembro, que embora seja uma ficção, foi inspirada no período em que Eça de Queiroz desempenhou a função de Cônsul de Portugal de 1ª Classe nas Antilhas Espanholas, hoje Cuba, em Março de 1872.

O enquadramento histórico desta nomeação está ligado aos avanços sociais que a política portuguesa verificava na época, tais como; a abolição da escravatura em 1869, a queda do governo de então, que proibira as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, das quais Eça esteve presente na 4ª conferência em 1871, bem como o seu envolvimento na organização da qual resultaria no futuro a fundação do Partido Socialista Português, inicialmente designado por Partido Operário Socialista, em 1875.

A história do filme reporta-se assim à chegada de Eça (Elmano Sancho) a Cuba, onde sofre vários percalços com a receção da sua bagagem por exemplo, que desapareceu misteriosamente e só foi recuperada através dos bons ofícios de um funcionário do consulado, Esteves (Joaquim Nicolau), profundo conhecedor da vida real e dos meandros da clandestinidade na ilha.

Com o seu entrosamento social no meio e com as informações que trouxera de Lisboa, cedo Eça se vê confrontado com a atividade industrial de Cuba que utilizava mão de obra escrava chinesa, imigrada de Macau e que ele se esforçou por combater. Claro que esta ação não pode ser aceite nem bem vista pelos fazendeiros locais que se viram assim reduzidos na obtenção da sua força de trabalho que tantos e tão chorudos proventos lhes traziam, com a conivência do governo local e do governador (António Capelo) para quem Eça se tornou um empecilho.

A ação de Eça centra-se na proteção aos chineses representados na história por Lô, (Zirui Cao) uma menina chinesa que embarca clandestinamente para Cuba com destino a uma plantação de cana de açúcar mas que um tripulante a desvia e entrega aos cuidados de uma ordem monástica presidida pela Madre Filomena (Fátima Reis) que a protege enquanto pode.

O desfecho seria o previsto, não fora a intervenção de Eça, que evitou a sua entrega ao fazendeiro Zulueta (Júlio Martin) através da atribuição de nacionalidade portuguesa a Lô, que mesmo com um nome falso, fugiu ao seu destino de escrava na fazenda que a tinha comprado.

Para lá da história que é ficcional, honra seja feita ao governo português da época que através do cônsul em Havana reconheceu vários emigrantes chineses na ilha como cidadãos de pleno direito, em pé de igualdade com outros emigrantes oriundos de outras nacionalidades não destinadas à escravatura que aliás, terminou oficialmente em 1881.

O filme está bem estruturado, os personagens são credíveis e todo o ambiente circundante não destoa do que se devia verificar no arquipélago das Antilhas, constituindo mais uma peça na minha reconciliação com o cinema português e reconheça neste, o meu terceiro filme que reconheço com qualidade equivalente aos filmes de época estrangeiros que tenho visto. O guarda-roupa é completo na sua variedade masculina e elegância feminina da época e o trato entre os personagens cumpre as regras de cortesia, deferência e decoro com a necessária pitada de história de alcova com que Eça de Queiroz é reconhecido e lhe serviu para apimentar os romances que escreveu com histórias tão progressistas para a época e que ainda hoje justificam reservas em certos círculos. Gostei, não contempla qualquer choradinho amoroso ou tragédia à portuguesa, é sóbrio, progressista e merece ser visto.

Classificação: 6,5 numa escala de 10

 

10 de novembro de 2020

Opinião – “Blackbird: A Despedida” de Roger Michell

Sinopse

Lily (Susan Sarandon) e Paul (Sam Neill) convocam os seus filhos adultos para um encontro na casa de praia com a intenção de lhes comunicar uma decisão. O casal planeara um fim de semana de amor com as habituais tradições de família, mas o ambiente começa a ficar tenso quando surgem problemas mal resolvidos entre Lily e as filhas Jennifer (Kate Winslet) e Anna (Mia Wasikowska). Para além das filhas, estão o genro de Lily, a sua amiga de longa data, a companheira da filha Anna e o neto. Neste derradeiro encontro na casa de praia, e ainda na posse de todas as suas faculdades Lily partilha a sua decisão de pôr fim à sua longa batalha contra a doença. A sua história é, em última análise, um relato de esperança, amor e uma celebração da vida.

Opinião por Artur Neves

Neste filme aborda-se de modo suave a temática da eutanásia, sem conflito, sem discussão política e apenas respondendo à pergunta crucial desta questão, que impropriamente tem levantado tanta polémica e que se resume à seguinte pergunta: Afinal, de quem é a vida?...

Na história, uma família de classe média alta convoca uma reunião que inclui três gerações para a mãe e avó desfrutar um fim de semana com todos antes de cometer suicídio acompanhado e assim usufruir do seu direito à vida que deve incluir a definição do seu termo de acordo com a sua vontade. Lily tem ELA que já lhe paralisou um braço e lhe dificulta o andar, arrastando a perna direita e provocará imenso sofrimento no futuro próximo, tal como, não poder alimentar-se, nem somente respirar sem ajuda mecânica. Ela rejeita esse sofrimento e enquanto goza das suas faculdades mentais e de um braço ativo, e quer despedir-se de todos os que lhe são mais próximos, pelo que inclui a sua amiga desde os anos de faculdade Liz (Lindsay Duncan) que sempre desempenhou um papel particular na sua vida e que vai continuar para lá da sua morte.

Para o almoço de domingo ela pede que seja um almoço de Natal (antecipado, não gosta do Dia de Ação de Graças) em que todos se empenham em recriar o ambiente Natalício, embora numa família estável existam sempre divergências, questões não resolvidas do passado e sofrimento contido que extravasa os limites em momentos de tensão como este. Sua filha mais velha; Jennifer (Kate Winslet) de temperamento nervoso, crítica absoluta, louca por controlo e impulsiva é casada com um homem, Michael (Rainn Wilson), que fala de assuntos que ninguém liga e facilmente se desliga do ambiente ou é posto de parte por este. Têm um filho; Jonathan (Anson Boon), um adolescente em plena descoberta da sua vocação e autonomia que lhes faz inusitadas revelações durante o almoço. A sua filha mais nova; Anna (Mia Wasikowska) gay, sofre de distúrbio bipolar nem sempre controlado, e vive uma relação instável com a sua namorada Chris (Bex Taylor-Klaus) que apesar de tudo vai contendo as imprevisibilidades comportamentais de Anna.

A cena do almoço que se celebra com estas pessoas é digna de ser apreciada pela cordialidade e elevação dos temas abordados, em que o sexo é comentado sem culpa nem preconceito, mas antes como a maior pulsão natural, própria de pessoas. São ditas coisas sem nota de culpa ou vergonha, incluindo as prendas que Lily destinou a cada um dos membros da família que inclui um vibrador para acalmar a impulsividade física e verbal de Jennifer que o marido é incapaz de compensar. É aqui que o cinema mais cumpre a sua função mostrando-nos eventos do quotidiano de uma forma neutra, despida de formalismo ou convenções atávicas, fazendo-nos refletir (se quisermos) sobre a nossa própria realidade.

Todo o elenco tem excelente desempenho em personagens realistas e credíveis mas Lily, Susan Sarandon, destaca-se pela sua habilidade de lidar com as inevitáveis cenas pesadas entre personalidades tão diversas, assim como em todos os momentos de humor suave criados para aliviar os momentos tensos. O seu desejo de ter um fim de semana “normal” só é conseguido depois de imprevistas revelações que ela não estava preparada para ouvir, embora isso não a afaste do seu objetivo, pois a sua decisão de morte é imposta pela progressiva degradação física provocada pela doença. Para lá das palavras, a história é enquadrada pelas árias de Johan Sebastian Bach e pela sonata para piano nº 16, de Mozart, que conferem a solenidade que o evento se reveste.

É um filme completo no aspeto da diversidade humana, importante, apesar de ser um remake de um filme dinamarquês de 2014, “Coração Silencioso”, cujos argumentos têm o mesmo autor; Christian Torpe, desta vez tendo como cenário a costa inglesa que só o valoriza. Está prevista a sua estreia em sala, sem contudo possuir ainda uma data. Recomendo sem reservas.

Classificação: 8 numa escala de 10

 

6 de novembro de 2020

Opinião – “Um Bando de vigaristas em Holywood” de George Gallo

Sinopse

O produtor Max Barber (Robert de Niro) contrai uma dívida junto do chefe da máfia Reggie Fontaine (Morgan Freeman), devido ao seu último fiasco cinematográfico. Com a vida em jogo, Max produz um novo filme apenas para matar o protagonista numa acrobacia e cobrar o prémio do seguro. Mas quando Max escolhe Duke Montana (Tommy Lee Jones), não espera que o velho alcoólico se sinta revitalizado perante as câmaras. Incapaz de matar Duke numa acrobacia básica, Max coloca-o em situações cada vez mais perigosas, das quais Duke se vai safando sempre. Até onde irá Max, o produtor falhado, para salvar a sua pele?

Opinião por Artur Neves

Com algumas semelhanças conceptuais com “Era uma vez em Hollywood”, a história deste filme, contada em tom de comédia evoca o cinema dentro do cinema na pessoa de Max Barber um produtor empedernido pelos falhanços de bilheteira das suas apostas comerciais, mas que ainda assim tem um sonho de produzir um filme que fique para a memória do cinema e o resgate a ele do secundaríssimo papel que a indústria relegou todos os seus trabalhos até agora.

Para isso, George Gallo um realizador americano que tem no seu curriculum reconhecidos êxitos no género de comédia, tais como; a saga dos “Bad Boys” (4 filmes), “Negócio para Adultos” de 2009, ou “Fuga à Meia-noite” de 1988 para o qual escreveu o argumento, todos no mesmo estilo de comédia capciosa que reúne, suspense e caraterísticas de thriller, rodeou-se de nomes sonantes de Hollywood ainda no ativo e sem copiar Tarantino, inspirou-se na sua mais recente realização pegando no tema dos westerns, que estiveram em voga nas décadas de 50, 60 e 70 e concebeu o argumento que deu origem a esta paródia que recria as cenas mais emblemáticas dos filmes ditos “de cowboys” em que estes perseguem os índios numa qualquer epopeia da conquista do oeste pelos imigrantes que aportaram a este novo mundo.

A história está concebida com graça, contendo vários momentos que nos fazem rir, num enredo velhaco em que os princípios que o norteiam não são nem por sombras, os mais nobres, mas que acaba na redenção do seu autor e na satisfação das suas dívidas aos credores que o perseguem, mas que imediatamente se associam ao êxito conquistado por este. Até os rivais reconhecem o sucesso dando-lhe oportunidade de o incluir justificadamente na galeria dos heróis da sétima arte.

Ao apreciar esta história, descrita na sinopse, que não passa de uma comédia inofensiva sem mensagem ética ou moral, pois Max Barber é largamente recompensado pelos seus instintos canalhas de pretender enriquecer à custa do seguro de vida de Duke Montana (Tommy Lee Jones), ao convidá-lo para protagonizar um filme para o qual ele manifestamente não apresenta condições físicas de resistência para as interpretar e que podem causar-lhe a morte, que aliás, ele procura porfiadamente provocar o mais rapidamente possível, pergunto-me; o que justificará o envolvimento destes atores consagrados e em fim de carreira, participar num filme como este em que os seus nomes associados à memória de êxitos passados, são maiores do que o personagem que aqui desempenham.

Será o dinheiro?... será a continuação do trabalho?... será o ambiente de camaradagem que se forma na equipa enquanto duram as filmagens?... não sei, e talvez até seja um pouco de tudo, mas para Robert de Niro significa um furos abaixo do seu desempenho em “O Irlandês” de 2019. Todavia o filme é engraçado, promove umas boas gargalhadas e todos os saudosos dos velhos “westerns” irão com certeza gostar.

Classificação: 6 numa escala de 10

 

5 de novembro de 2020

Opinião – “No Centro do Labirinto” de Donato Carrisi

Sinopse

Numa manhã de inverno, Samantha Andretti foi raptada quando ia para a escola. Quinze anos depois, acorda num quarto de hospital sem memória de onde esteve ou do que aconteceu. Ao lado dela está um 'profiler', o Dr. Green (Dustin Hoffman), que promete ajudá-la a recuperar a memória e a capturar o monstro, mas para que tal aconteça terá de ser dentro da mente de Samantha. "Isto é um jogo, certo?", repete ela, insegura.

Bruno Genko (Toni Servillo) é um detetive privado contratado há quinze anos pelos pais de Samantha para encontrar a filha deles e que, quando a menina reaparece, se sente em dívida e tenta capturar o homem sem rosto que a raptou. A busca de Genko é também uma corrida contra o tempo. O prognóstico médico prevê que só tem mais dois meses de vida, que terminarão no mesmo dia em que Samantha regressa da escuridão. Quem irá chegar à verdade primeiro: o detetive ou o traçador de perfis?

Algures lá fora, há um labirinto de portas. Atrás de cada porta esconde-se um enigma, um truque. Neste jogo, o labirinto que o mantém prisioneiro já está dentro de si.

Opinião por Artur Neves

Este é daqueles filmes pouco frequentes, em que o espectador é conduzido por uma narrativa à qual se junta uma demonstração em flashback, que ao longo do tempo somos levados a pensar que alguns dos factos mostrados talvez não pertençam ao mesmo evento, muito embora exista entre eles uma relação próxima, como uma imagem no espelho que não corresponde ao objeto colocado em frente dele.

Donato Carrisi faz aqui o plenum de escrever o romance, construir o argumento e realizar o filme, apostado em nos confundir com duas histórias paralelas que durante 130 minutos nos mantêm vivamente interessados para tentar descortinar quem é quem, para lá de levantar suspeitas sobre a identidade do verdadeiro criminoso que na realidade não é nenhum dos personagens que nos são apresentados. Ele existe, nós vemo-lo mascarado com uma mascara de coelho na cabeça, conhecemo-lo por Bunny, mas não é revelado quem seja, nem ao que vem concretamente, porque por várias vezes são-nos apresentados sinais e alusões que escondem a verdade para manter o jogo com que o filme envolve o espectador para ganhar a sua atenção.

Ambos os parágrafos da sinopse estão corretos e sumarizam todo o enredo do filme, só que pertencem a duas histórias diferentes embora entrelaçadas no seu desenvolvimento e atribuição, em que a primeira reporta-se à busca de Samantha Andretti pelo investigador arrependido, Bruno Genko que demorou 15 anos em interessar-se pelo caso que lhe foi confiado pelos pais da menina raptada e só o anúncio do seu previsível falecimento por doença o faz vencer o remorso sentido ao longo do tempo de inação.

A segunda história reporta-se ao jogo entre a falsa Samantha Andretti, Sam, (Valentina Bellè) com o Dr. Green, um profiler que pretende através da análise das memórias de Sam, construir o perfil do seu sequestrador, que o realizador nos leva a acreditar tratar-se da mesma Samantha Andretti, a menina desaparecida procurada por Bruno Genko. O elemento comum é o labirinto em que ambas as vítimas estão contidas e a verdadeira caça está dentro da nossa mente, quando somos levados a acreditar numa narrativa, quando não sabemos que não possuímos todos os dados de um problema e os que efetivamente possuímos não são totalmente claros.

Admito que talvez nem todos possam gostar de um argumento que pode ser tudo, menos linear e que está concebido para provocar uma continuada expectativa no espectador sobre qual será o verdadeiro sequestrador, através dos elementos contraditórios que nos são apresentados presumidamente para encontrarmos a verdade, mas qual verdade?... será que só existe uma verdade?... As vítimas revelam muitos medos e o medo pode ter muitas faces que a nossa mente retém em lugares inacessíveis da nossa memória para que causem o menor distúrbio possível no dia a dia da nossa vida. É tudo isto que este complexo filme nos sugere, num intrincado jogo de identidade contido num enredo em labirinto multifacetado.

Na sua essência é uma excelente história que nos prende durante todo o tempo e recomendo a todos aqueles que aceitem a complexidade como um desafio. Estreia nos cinemas em 10 de Novembro.

Classificação: 7 numa escala de 10

 

4 de novembro de 2020

Opinião – “Até às Estrelas” de Martha Stephens

Sinopse

No ambiente fechado e opressivo de uma pequena cidade do Oklahoma, durante os anos de 1960, a jovem filha de um casal de agricultores inicia uma amizade íntima com outra rapariga.

Opinião por Artur Neves

Com uma sinopse tão concisa e redutora quase que pode pensar-se que o filme veicula um manancial de erotismo lésbico, mas nada disso e muito pelo contrário a história deste filme mostra-nos com considerável rigor como era a vida social na zona rural da pequena cidade americana de Oklahoma no início da década de 1960, onde as convenções religiosas e a moral cristã convencional da época motiva as suas atenções, nos vestidos, nos penteados, no visual da saia lápis dos anos 50, generalizadamente em uso nas senhoras da terra, de vida simples, cuja principal atenção é para a fofoca e para a crítica social do vizinho, justificadamente ou não.

A família central da história é o casal Deerborne, constituída pela mãe Francie (Jordana Spiro) ocasionalmente acompanhada de outras mulheres, mas sempre de um copo com whisky que beberrica durante a solidão do seu dia, o pai Hank Deerborne (Shea Whigham) de feitio compassivo embora por vezes se mostre agressivo, mais por formatação ao ambiente que o cerca do que por convicção e Iris Deerborne (Kara Hayward) a filha de temperamento solitário e objeto de bulling no colégio pela sua postura preferencialmente isolada, óculos de aros grossos e pela sua luta constante contra a incontinência urinária, facilmente detetável pelos colegas através do cheiro que dela emana.

Iris vive com intensidade a sua vida interior de solidão, sonha com os seus desejos de futuro e foge á noite para o lago perto de sua casa onde boia sobre as águas enquanto perscruta as estrelas, confiante que o facto de ter havido um afogamento recente de uma jovem, afasta as pessoas daquele local onde ela pode sentir-se mais livre, senhora de si e dos seus pensamentos.

A sua deslocação para a escola, a pé, pela estrada de terra batida é sempre um sacrifício agravado pelos colegas que passam de carro, metem-se com ela e seguem sem lhe dar boleia. Esta saga diária é alterada com a chegada de Maggie Richmond (Liana Liberato), uma rapariga mais velha, vinda da cidade por motivo da profissão do seu pai, mais madura, conhecedora de outro tipo de relações sociais que rapidamente se faz amiga dela, sendo correspondida por Iris que vê nela o apoio que faltava para vencer a sua solidão.

O contacto inicial não é fácil, Maggie não é verdadeira em todas as revelações que divulga, criando uma aura em torno de si que esconde uma vida privada sombria e uma relação difícil com o pai Gerald (Tony Hale), um homem normalmente zangado, documentarista de profissão que foi destacado para Oklahoma com o objetivo de produzir o retrato de uma pequena cidade da América.

Com estes elementos interagindo entre si a história desenvolve-se como num sonho que inclui detalhes de uma vida bem real nem sempre favorável a todos os protagonistas. A fotografia a cargo de Andrew Reed torna autêntico o universo da história, constrói com segurança as imagens desgastadas pelo passado tornando o filme numa parábola de tolerância escolar que contrasta com a violência social dos espíritos cristãos, ofendidos pela descoberta da tendência desviante de Maggie por Hazel (Adelaide Clemens), a cabeleireira da cidade, lésbica envergonhada que usa a fotografia do irmão falecido como marido, para justificar a sua situação de viúva celibatária.

Toda a história decorre lentamente, naquela cidade profundamente conservadora, mostrando ao espectador o porquê daquela relação LGBTQ de uma garota jovem, bonita, inteligente e igualmente misteriosa e gay na sua opção sexual, descrevendo o seu passado por si mesma e pelos olhos bondosos da desajeitada Iris que a toma como modelo para um personagem que só existe nos seus pensamentos. A partir de certa altura o filme “cai” para o melodramático o que todavia não lhe fica mal, considerando que se passa na província em 1960, iniciando também uma viragem para algo mais atual, embora sombrio, que significa uma mudança de conceito na utilização do género individual com que nascemos. Muito interessante, estreia em 12 de Novembro.

Classificação: 6 numa escala de 10