Sinopse
Em 1872, Eça de Queiroz é
nomeado Cônsul em Havana por um novo governo português de carácter mais liberal
e parte com o objetivo de enfrentar as autoridades locais em defesa dos
trabalhadores chineses que são atraídos para plantações de cana-de-açúcar, mas
acabam explorados e escravizados.
Opinião
por Artur Neves
“O Nosso Cônsul em Havana”
começou por ser uma série de 13 episódios emitida pela RTP 1 em 2019, produzida
por várias entidades portuguesas e estrangeiras, que agora, na forma de filme tem
estreia prevista nas salas para 19 de Novembro, que embora seja uma ficção, foi
inspirada no período em que Eça de Queiroz desempenhou a função de Cônsul de Portugal
de 1ª Classe nas Antilhas Espanholas, hoje Cuba, em Março de 1872.
O enquadramento histórico
desta nomeação está ligado aos avanços sociais que a política portuguesa
verificava na época, tais como; a abolição da escravatura em 1869, a queda do
governo de então, que proibira as Conferências Democráticas do Casino
Lisbonense, das quais Eça esteve presente na 4ª conferência em 1871, bem como o
seu envolvimento na organização da qual resultaria no futuro a fundação do
Partido Socialista Português, inicialmente designado por Partido Operário
Socialista, em 1875.
A história do filme
reporta-se assim à chegada de Eça (Elmano Sancho) a Cuba, onde sofre vários percalços
com a receção da sua bagagem por exemplo, que desapareceu misteriosamente e só
foi recuperada através dos bons ofícios de um funcionário do consulado, Esteves
(Joaquim Nicolau), profundo conhecedor da vida real e dos meandros da
clandestinidade na ilha.
Com o seu entrosamento social
no meio e com as informações que trouxera de Lisboa, cedo Eça se vê confrontado
com a atividade industrial de Cuba que utilizava mão de obra escrava chinesa,
imigrada de Macau e que ele se esforçou por combater. Claro que esta ação não
pode ser aceite nem bem vista pelos fazendeiros locais que se viram assim
reduzidos na obtenção da sua força de trabalho que tantos e tão chorudos
proventos lhes traziam, com a conivência do governo local e do governador
(António Capelo) para quem Eça se tornou um empecilho.
A ação de Eça centra-se na
proteção aos chineses representados na história por Lô, (Zirui Cao) uma menina
chinesa que embarca clandestinamente para Cuba com destino a uma plantação de
cana de açúcar mas que um tripulante a desvia e entrega aos cuidados de uma
ordem monástica presidida pela Madre Filomena (Fátima Reis) que a protege
enquanto pode.
O desfecho seria o previsto,
não fora a intervenção de Eça, que evitou a sua entrega ao fazendeiro Zulueta (Júlio
Martin) através da atribuição de nacionalidade portuguesa a Lô, que mesmo com
um nome falso, fugiu ao seu destino de escrava na fazenda que a tinha comprado.
Para lá da história que é ficcional,
honra seja feita ao governo português da época que através do cônsul em Havana
reconheceu vários emigrantes chineses na ilha como cidadãos de pleno direito,
em pé de igualdade com outros emigrantes oriundos de outras nacionalidades não
destinadas à escravatura que aliás, terminou oficialmente em 1881.
O filme está bem
estruturado, os personagens são credíveis e todo o ambiente circundante não
destoa do que se devia verificar no arquipélago das Antilhas, constituindo mais
uma peça na minha reconciliação com o cinema português e reconheça neste, o meu
terceiro filme que reconheço com qualidade equivalente aos filmes de época
estrangeiros que tenho visto. O guarda-roupa é completo na sua variedade masculina
e elegância feminina da época e o trato entre os personagens cumpre as regras
de cortesia, deferência e decoro com a necessária pitada de história de alcova com
que Eça de Queiroz é reconhecido e lhe serviu para apimentar os romances que
escreveu com histórias tão progressistas para a época e que ainda hoje justificam
reservas em certos círculos. Gostei, não contempla qualquer choradinho amoroso
ou tragédia à portuguesa, é sóbrio, progressista e merece ser visto.
Classificação: 6,5 numa escala
de 10
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