4 de novembro de 2020

Opinião – “Até às Estrelas” de Martha Stephens

Sinopse

No ambiente fechado e opressivo de uma pequena cidade do Oklahoma, durante os anos de 1960, a jovem filha de um casal de agricultores inicia uma amizade íntima com outra rapariga.

Opinião por Artur Neves

Com uma sinopse tão concisa e redutora quase que pode pensar-se que o filme veicula um manancial de erotismo lésbico, mas nada disso e muito pelo contrário a história deste filme mostra-nos com considerável rigor como era a vida social na zona rural da pequena cidade americana de Oklahoma no início da década de 1960, onde as convenções religiosas e a moral cristã convencional da época motiva as suas atenções, nos vestidos, nos penteados, no visual da saia lápis dos anos 50, generalizadamente em uso nas senhoras da terra, de vida simples, cuja principal atenção é para a fofoca e para a crítica social do vizinho, justificadamente ou não.

A família central da história é o casal Deerborne, constituída pela mãe Francie (Jordana Spiro) ocasionalmente acompanhada de outras mulheres, mas sempre de um copo com whisky que beberrica durante a solidão do seu dia, o pai Hank Deerborne (Shea Whigham) de feitio compassivo embora por vezes se mostre agressivo, mais por formatação ao ambiente que o cerca do que por convicção e Iris Deerborne (Kara Hayward) a filha de temperamento solitário e objeto de bulling no colégio pela sua postura preferencialmente isolada, óculos de aros grossos e pela sua luta constante contra a incontinência urinária, facilmente detetável pelos colegas através do cheiro que dela emana.

Iris vive com intensidade a sua vida interior de solidão, sonha com os seus desejos de futuro e foge á noite para o lago perto de sua casa onde boia sobre as águas enquanto perscruta as estrelas, confiante que o facto de ter havido um afogamento recente de uma jovem, afasta as pessoas daquele local onde ela pode sentir-se mais livre, senhora de si e dos seus pensamentos.

A sua deslocação para a escola, a pé, pela estrada de terra batida é sempre um sacrifício agravado pelos colegas que passam de carro, metem-se com ela e seguem sem lhe dar boleia. Esta saga diária é alterada com a chegada de Maggie Richmond (Liana Liberato), uma rapariga mais velha, vinda da cidade por motivo da profissão do seu pai, mais madura, conhecedora de outro tipo de relações sociais que rapidamente se faz amiga dela, sendo correspondida por Iris que vê nela o apoio que faltava para vencer a sua solidão.

O contacto inicial não é fácil, Maggie não é verdadeira em todas as revelações que divulga, criando uma aura em torno de si que esconde uma vida privada sombria e uma relação difícil com o pai Gerald (Tony Hale), um homem normalmente zangado, documentarista de profissão que foi destacado para Oklahoma com o objetivo de produzir o retrato de uma pequena cidade da América.

Com estes elementos interagindo entre si a história desenvolve-se como num sonho que inclui detalhes de uma vida bem real nem sempre favorável a todos os protagonistas. A fotografia a cargo de Andrew Reed torna autêntico o universo da história, constrói com segurança as imagens desgastadas pelo passado tornando o filme numa parábola de tolerância escolar que contrasta com a violência social dos espíritos cristãos, ofendidos pela descoberta da tendência desviante de Maggie por Hazel (Adelaide Clemens), a cabeleireira da cidade, lésbica envergonhada que usa a fotografia do irmão falecido como marido, para justificar a sua situação de viúva celibatária.

Toda a história decorre lentamente, naquela cidade profundamente conservadora, mostrando ao espectador o porquê daquela relação LGBTQ de uma garota jovem, bonita, inteligente e igualmente misteriosa e gay na sua opção sexual, descrevendo o seu passado por si mesma e pelos olhos bondosos da desajeitada Iris que a toma como modelo para um personagem que só existe nos seus pensamentos. A partir de certa altura o filme “cai” para o melodramático o que todavia não lhe fica mal, considerando que se passa na província em 1960, iniciando também uma viragem para algo mais atual, embora sombrio, que significa uma mudança de conceito na utilização do género individual com que nascemos. Muito interessante, estreia em 12 de Novembro.

Classificação: 6 numa escala de 10

 

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