31 de julho de 2021

Opinião – “Laços de Família” de Daniele Luchetti

Sinopse

Nápoles, início dos anos 80. Aldo e Vanda vão separar-se, depois de ele revelar que está a ter um caso. Os dois filhos são apanhados no turbilhão de ressentimento. Mas os laços que unem as pessoas são inevitáveis, mesmo sem amor. Agora, 30 anos depois, Aldo e Vanda continuam casados.

Opinião por Artur Neves

Mais uma vez os títulos atribuídos aos filmes em Portugal deturpam o sentido com que foram concebidos e realizados. No presente caso este “Lacci” (Laços) no original, reporta a história de um casal italiano da classe média em plena crise do casamento que os uniu uns anos antes. Convencionalmente eles são uma família; casados, com dois filhos menores a viverem sobre o mesmo teto, mas no seu espírito eles estão separados, propensos à infidelidade, ao rancor recíproco e à vergonha de possuírem esses sentimentos que os leva ao sofrimento, à traição, à tentativa de suicídio e ao afastamento. O romance de Domenico Starnone de 2017 (também “Laços”) que serve de base ao argumento do filme, faz uma autópsia às ligações entre estas pessoas, amarradas em erros por laços concretos e em Portugal chamam candidamente a esta excelente ficção: “Laços de Família”…

A história começa na década de 80 no meio de uma festa ao som de uma música e uma dança que se tornou emblemática daquela ápoca; a Yenka. O jovem casal Aldo (Luigi Lo Cascio) e Vanda (Alba Rohrwacher) divertem-se com amigos e em casa Aldo confessa a Vanda que está tendo um caso e não se sente bem naquela pele. Vanda lembra-lhe os seus deveres, bem como a promessa que ambos fizeram no dia do casamento. Vanda assume o papel da mulher injustiçada, reclamando os seus direitos mas com uma mágoa arrogante e preocupada com o efeito que a separação terá nos filhos; Anna e seu irmão mais novo Sandro. Eles tentam resolver essa situação no tribunal onde se estabelecem as condições da separação sem contudo se divorciarem. Aldo sai de casa para viver com Lídia (Linda Caridi) e Vanda fica em casa com os filhos ruminando a sua dor crescente que a leva a tomar uma medida desesperada, sem contudo alterar a dinâmica cruel do casal em ponto de rutura, embora sem conseguirem separar-se.

Trinta anos mais tarde Vanda (Laura Morante) é uma Vanda mais velha, amargurada pela desilusão e manipuladora de Aldo (Sílvio Orlando) punindo-o pela sua infidelidade durante todos os dias das suas vidas em comum. Aldo é agora um homem maduro, reformado depois de que a RAI lhe retirou o programa literário e de opinião que liderava, é um homem gasto, indiferente às investidas verbais de Vanda, sofredor e manso, sem por uma única vez levantar a voz para retorquir ou simplesmente defender-se das mesmas acusações de passividade e inércia de sempre.

Através de flashbacks percebemos que Lídia não teria sido má de todo e que Aldo se teria apaixonado sinceramente por ela. Vanda reconhece isso e pensa que ambos poderiam ter sido mais felizes se Aldo tivesse lutado por ela com mais convicção deixando em aberto a sugestão que a lassidão de Aldo, a sua compreensão e passividade, funcionaram como a cola do seu casamento. Veremos posteriormente que Vanda também teve outras opções embora nunca as tendo seguido ou alimentado. Todavia, o retorno de Aldo para Vanda, deu-se também por sugestão de Lídia após extinta a paixão que os juntou e os fez felizes enquanto durou.

No final, Aldo e Vanda regressam a casa de umas pequenas férias e a casa foi assaltada, tudo foi remexido e violado, até a caixa de segredo onde Aldo guardava fotografias de Lídia nua no auge da sua paixão, mas nada foi realmente roubado nem a porta arrombada e não quero revelar quem foi o autor da proeza, só quero acrescentar que nem com os filhos eles tiveram sucesso, pois todos aqueles anos de separação conjunta, ele com Lídia, ela lambendo as suas feridas e encontrando-se de acordo com o calendário estabelecido, provocou nas crianças em desenvolvimento raiva e ressentimento pelo carinho medido em horas de presença. Os pais e eles nunca foram uma família e os seus verdadeiros sentimentos explodem quando sentem que não mais precisam deles e se podem afirmar como autónimos.

No meu entender este “Lacci” é uma digna resposta europeia a “Marriage Story” “História de um Casamento” de 2019 nas desavenças entre um casal e nos distúrbios emocionais que mesmo sem querer eles legam aos seus filhos. Muito bom, recomendo vivamente.

Estreia nas salas de cinema em 05 de Agosto

Classificação: 8 numa escala de 10

 

29 de julho de 2021

Opinião – “Presos no Tempo” de M. Night Shyamalan

Sinopse

Gael García Bernal e Vicky Krieps são Guy e Prisca, os cabecilhas de uma família que vai de férias para uma praia remota. Não demora muito até perceberam que a tal praia os faz envelhecer rapidamente, transformando a vida inteira deles num só dia. A eles, aos filhos e aos outros banhistas.

Opinião por Artur Neves

M. Night Shyamalan é completo neste filme, produz, realiza e escreve o argumento embora aqui com a colaboração de Pierre-Oscar Lévy e a sua banda desenhada “Castelo de Areia”. Na peça, um resort de luxo no qual várias famílias procuram o descanso e o desfrute três famílias particulares são distinguidas com o “prémio”, só para os escolhidos na versão do diretor, de desfrutarem de uma praia privada para onde são levados numa minivan com a promessa do paraíso na terra em termos de isolamento, qualidade da água, do ar e da areia branca como em nenhum outro lugar.

Os escolhidos são o casal central da história; Guy (Gael García Bernal) e Prisca (Vicky Krieps) e seus filhos, Maddox (Alexa Swinton), de 11 anos, e Trent (Rio Nolan), de 6 anos, outro casal composto por Charles (Rufus Sewell) um médico de modos rudes e total falta de paciência e sua jovem esposa Chrystal (Abbey Lee) bem como a sua família. Adicionalmente foi também incluída Patrícia (Nikki Amuka-Bird), uma psicóloga dada a grandes tiradas filosóficas.

Todos são transportados na carrinha guiada pelo próprio Shyamalan, à boa maneira de Hitchcock que entrava nos seus filmes como figurante, que por entre as grutas rochosas da falésia os deixa perto da praia sem contudo os acompanhar até à areia porque ele conhece o segredo misterioso daquela praia que faz com que todos os que pisam aquelas areias, envelheçam a um ritmo acelerado, aproximadamente dois anos por hora que significa verdadeiramente o fim da vida antes do anoitecer para Guy e Prisca e uma infância seguida de puberdade e juventude acelerada para as crianças.

O que temos aqui é portanto um “Cocoon” ao contrário, porque nesse filme de Ron Howard de 1985 eram os velhos que rejuvenesciam ao entrar nas águas da piscina e muito embora o rejuvenescimento não fosse permanente, nesta praia o envelhecimento é consistente para todos e a morte é o destino final, a menos que se consigam evadir mas o caminho de chegada não serve como retorno pelo que têm de construir a sua própria fuga.

M Night Shyamalan já nos trouxe boas histórias que exploram o terror do envelhecimento, como “O Sexto Sentido” de 1999 que o tirou do anonimato ou “A Visita” de 2015 em que dois adolescentes em visitas aos avós que habitam numa propriedade rural tecem enredos e suspeitas assustadoras sobre o que não conhecem. Neste filme porém, a gerontofobia do autor é bastante acelerada, contudo Shyamalan parece não saber muito bem o que fazer com ela, considerando que os anos se esvaem nos minutos do dia, a praia é um espaço fechado sem retorno e os diálogos do mais básico que se possa imaginar, procuram apenas matar o tempo investido no filme em passeios entre a areia e o mar.

Há ainda a tentativa de puxar para a melancolia e fazer um exame de vida entre os esposos desavindos Guy e Prisca, que se contemplam e se tentam perdoar do tempo que passaram discutindo futilidades, ou quando ela toca no rosto do marido e lhe diz; “você tem rugas”, ou apreciar o crescimento acelerado de Trent e Madox, agora representados por Thomasin McKenzie e Eliza Scanlen, mas nada resulta porque desde muito cedo o destino é a morte que nem as explicações mais sérias para o mistério da praia podem evitar.

O filme foi rodado na República Dominicana, numa praia que deve ser realmente maravilhosa e socorre-se da maquiagem bem conseguida para ilustrar o envelhecimento dos personagens mas a ação arrasta-se penosamente e as falas entre os personagens são tudo menos inteligentes. Quando já se sabe que todos estão sujeitos a um envelhecimento rápido torna-se absurdo quando Guy diz a Prisca que ficou três horas mais velho enquanto ela tocou no seu rosto. É uma alusão idiota que não acrescente o que quer que seja à ação e quando se depende exclusivamente da caracterização dos personagens para ocupar o tempo do filme é porque a ideia do argumento é mesmo pobre. O twist final é no mínimo peregrino e continua a não preencher o vazio criado.

Estreia nas salas de cinema em 29 de Julho

Classificação: 4 numa escala de 10

 

23 de julho de 2021

Opinião – “Uma Família de Doidos” de Jean-Patrick Benes

Sinopse

Certa manhã, os Morel acordam com um grande problema. Descobrem que o espírito de cada um deles está preso no corpo de outro membro da família! Chacha, de 6 anos, está no corpo do pai, o pai (Franck Dubosc) está no corpo do filho adolescente, o filho está no corpo da irmã mais velha, a irmã mais velha está no corpo da mãe e a mãe (Alexandra Lamy) está no corpo de Chacha… Conseguiram acompanhar? Eles também não. E isso é apenas o início.

Opinião por Artur Neves

Esta é a proposta francesa para a silly season e como tal tem mesmo de ser silly, para respeitar o figurino que o cinema francês nos oferece todos os anos por esta altura, só que este ano para se sentir o lado cómico da ideia é necessário ter uma noção clara de cada um dos personagens, para apreciar no que eles se tornam depois da troca dos espíritos, tal como mencionado na sinopse, em todas as vezes que os espíritos individuais resolvem trocar de hospedeiro. Em abstrato a ideia potencia um largo espectro de situações mais ou menos cómicas, de acordo com o assunto abordado, por cada um dos elementos da família, apresentando-se assim uma comédia sustentada pela fantasia de uma situação improvável que a magia do cinema torna possível e concretizável.

Como cada um dos membros da família goza das idiossincrasias próprias da sua personalidade individual teremos de saber quem é quem e o que o torna diferente, para apreciar convenientemente a transformação na situação de quando é abduzido pelo espírito do outro. Para isto ser possível e necessário dar tempo para o conhecimento dos problemas dos personagens individuais primários, que o filme não tem nos seus 110 minutos de duração, para depois os pôr a divergir na interação com esses problemas quando possuídos pelo espírito dos outros.

Para simplificar procedimentos para a obtenção desta necessidade, a realização de Jean-Patrick Benes, que teve a ideia e foi coautor do argumento, mas que não apresenta curricula digna de registo no género, opta por várias estratégias, como colar na testa de cada um dos personagens um post-it com o nome do espírito abdutor, ou vesti-lo com uma T-shirt onde está estampada a cara do espírito abdutor, ou outros estratagemas semelhantes que no mínimo fazem perder a sequencia da história, ou ainda, tornam avulsas as peripécias com que cada personagem se confronta em cada situação que não lhe pertence e que deveriam servir para provocar graça, mas pecam pela confusão que lançam no desenrolar da história.

Todavia não se pode dizer que o filme seja completamente despido de graça, pois contém gags diretos, tais como, a descoberta do amante da mãe pela filha mais nova, ou a incorporação do espírito da mãe no corpo do pai que passa a receber as mensagens de amor do amante da mulher e fica a conhecer a sua infidelidade e outros trocadilhos do género que causariam maior impacto no espectador e na história, se tivesse havido tempo para os conhecer mais profundamente na sua originalidade.

Deste modo a maior conquista desta história esdrúxula, são breves sorrisos em situações imediatas, que não precisariam de tanta imaginação que se torna inerente considerando a complexidade da história, alguns bocejos esparsos para situações declaradamente forçadas e alguma complacência e admiração para a dificuldade de colocar em ação um script que por vezes perde lógica na sua ambição de provocar sorrisos a todo o custo. Vale também a sua promoção da família e a defesa da sua integridade e união em tempos difíceis fabricado à custa de uma fantasia inverosímil. É caso para dizer; … não havia necessidade…

Estreia nas salas de cinema em 5 de Agosto

Classificação: 4 numa escala de 10

 

20 de julho de 2021

Opinião – “Assalto à Casa Forte” de Jaume Balagueró

Sinopse

O Banco da Espanha não se compara a nenhum outro. Um banco absolutamente impenetrável; que nunca ninguém conseguiu assaltar. Não há projetos, nem há mapas. Não há dados sobre o engenho do cofre. É um mistério total. Além disso, o chefe de segurança guarda o banco ferozmente, como se a sua vida dependesse disso. Este emocionante desafio desperta a curiosidade de Thom (Freddie Highmore), um génio decidido a conhecer os segredos do cofre e chegar às profundezas do banco.

O alvo é um tesouro há muito perdido que só ficará guardado no banco por apenas dez dias. Liderada por Walter (Liam Cunningham), o carismático especialista em arte, a equipa tem apenas dez dias para preparar o assalto e realizar uma fuga nunca vista. Dez dias para planear, mas apenas noventa minutos para cumprir o plano: os noventa minutos da final da Taça do Mundo que atrairá para a porta do Banco da Espanha centenas de milhar de pessoas. Começou a contagem decrescente!

Opinião por Artur Neves

Só comparável aos filmes da “Missão Impossível” de outros tempos ou à saga “Oceans”, esta história constitui um excelente thriller que se prepara para ter continuação considerando o seu fim que aponta já na próxima direção.

Trata-se da preparação de um assalto ao banco presumivelmente mas seguro do mundo em que uma equipa de especialistas em várias modalidades precisa da contratação de um “cérebro” para resolver os problemas mais simples, mas nem por isso menos importantes e fundamentais, para a realização do assalto. Eles possuem a tecnologia mais sofisticada, a experiencia, o planeamento, a capacidade de realização e a audácia, que esbarra num mecanismo de proteção desconhecido que só uma inteligência humana descomprometida pode combater e anular.

“O assalto à Casa Forte” desenvolve o princípio de que tudo o que é seguro pode ser violado, desde que haja vontade, empenhamento e a conjugação sincronizada de esforços no sentido da operação. Temos a sensação de já ter presenciado cenas e cenários semelhantes, mas o filme desenvolve-se com suficiente agilidade e eficiência que nos envolve nas suas premissas tornando agradáveis e emocionantes todos os 118 minutos de duração.

A equipa de Walter (Liam Cunningham) que detém a ideia e os motivos para roubar os dados que ele encontrou no fundo do Mediterrâneo, no interior do galeão afundado é composta por James (Sam Riley), o mergulhador temerário que arranca o segredo do fundo do mar, a mestre dos disfarces com nervos de aço Lorraine (Astrid Berges-Frisbey), protegida de Walter, Simon (Luis Tosar), um veterano de feitio agradável, sentimental e confiável, o mestre dos hackers de computador, tipicamente alemão Klaus (Axel Stein) e o elemento extra tão fundamental como todos os outros Thom Laybrick (Freddie Highmore), de tendência rebelde, recentemente formado em engenharia que rejeita contratos de trabalhos com seis dígitos de remuneração, apenas porque não sabe se se sentirá bem na função oferecida, ou porque simplesmente não está para ali virado, mas aceita o desafio de um desconhecido que o convida a mudar a sua vida para sempre sem lhe revelar como, e que o cativa com o envio de um misterioso texto de aliciamento em que omite a possibilidade de fortuna segura ou prisão para sempre.

Constituída a equipa segue-se a preparação minuciosa do assalto que revela contratempos inesperados, só ultrapassáveis com a drástica limitação do tempo disponível para a ação, aproveitando o jogo da final do campeonato do mundo entre a Espanha e a Holanda que provocará a polarização da atenção de todas pessoas no jogo em progresso.

Para amenizar a história esboça-se um romance entre Thom e Lorraine que promete, mas a cena é de aventura, filmada elegantemente em widescreen por Daniel Aranyo que lembra as movimentações internacionais das histórias dos “Oceans”, bem como a sua estimulante banda sonora potenciando a intensidade do suspense. Como nada é perfeito temos ainda a traição de um dos membros do grupo, que toma em suas mãos um destino próprio e terá repercussões nos próximos capítulos. Para já constitui uma boa aventura de verão, com perigos vários e o espírito de camaradagem necessário para nos animar em mais este ano de chumbo em que as preocupações ainda não terminaram. Muito interessante proporcionando bons momentos de diversão.

Tem estreia prevista nas salas em 12 de Agosto, é de aproveitar.

Classificação: 7 numa escala de 10

 

15 de julho de 2021

Opinião – “Mistura Explosiva” de Navot Papushado

Sinopse

Sam (Karen Gillian, “Jumanji: O Nível Seguinte”) tinha apenas doze anos quando a mãe, Scarlet (Lena Headey, “Game of Thrones”), uma assassina profissional, se viu obrigada a abandoná-la. Sam foi criada pela Firma, uma implacável organização criminosa para a qual a mãe trabalhava. Agora, quinze anos depois, Sam seguiu os passos da mãe e tornou-se uma assassina temível que usa as suas "aptidões" para resolver as trapalhadas mais perigosas da Firma, com a supervisão de Nathan (Paul Giamatti). Ela é tão eficiente quanto leal.

Mas quando um trabalho de alto risco corre mal, Sam tem de escolher entre servir a Firma ou proteger a vida de uma inocente menina de oito anos - Emily (Culoe Coleman). Sob perseguição, Sam tem apenas uma hipótese de sobreviver: reencontrar a mãe e as suas letais associadas, As Bibliotecárias (Angla Bassett, Carla Gugino, Michelle Yeoh). Estas três gerações de mulheres têm de aprender a confiar umas nas outras, enfrentar a Firma e o seu exército de capangas, e infernizar a vida de quem lhes pode tirar tudo.

Opinião por Artur Neves

Nota-se uma tendência frequente na proliferação de filmes sobre assassinos que matam de qualquer maneira e por vezes até debaixo de água, bem ao género de John Wick e outras réplicas semelhantes, com a nuance de serem elas quem mais mata neles, invariavelmente representados por façanhudos, ineptos e mentecaptos que elas despacham em três penadas. Zaz, trás, pás e aí estão elas na mó cima, incólumes, sem mácula nem deficiências de maior, apesar de levarem uns tiritos que só lhes fez moça de raspão, mas nada que impeça às nossas heroínas de “levarem a taça” em todas as disputas em que se metem.

Ainda no recentemente estreado “Black Widow” encontramos situações semelhantes, parecendo estarmos a assistir a uma nova ordem social em que elas é que são o supra-sumo da barbatana e passam o “trofeu” de mães para filhas numa dinastia geracional de empoderamento feminino. Só que não basta ser-se a maior, porque os vilões que elas combatem, toscos, burros e manifestamente ineptos, surgem como que uma manobra de simplificação piedosa, já que a história em que se envolvem não tem profundidade, nem tempo, nem oportunidade para analisar as implicações da construção destas super-assassinas, considerando somente o seu trauma de se ligarem a uma franja de homens que manifestamente não as merece, nem em termos de competição física.

Não sei o que se pretende com isto, se é somente os proventos de uma bilheteira de massas, ou se existe algum substrato ideológico impulsionado pelo #MeToo ou outra plataforma semelhante que faz girar as histórias em torno de manifestações de energia feminina abundante, mas que por se restringir somente a isso torna-se fraco na obtenção de resultados que poderia ter tido se colocasse as heroínas, por exemplo, por detrás das câmaras a construir histórias mais apelativas do que em distribuir murros e pontapés em todo o bicho careto que lhes aparece.

Não sei o que se pretende na repetição de sketchs do mais banal que o cinema tem, agora interpretados por mulheres que fazem disso modo vida e pretendem continuar a saga porque a inclusão de uma criancinha abandonada, Emily (Culoe Coleman) uma menina sem mãe, a quem mataram o pai e que nutre particular simpatia e é protegida pela assassina Sam (Karen Gillian) que também foi iniciada pela sua própria mãe Scarlet (Lena Headey) também assassina agora reformada, só pode indiciar que na perspetiva do realizador israelita Navot Papushado, (que também escreveu o argumento em conjunto com Ehud Lavski), só pode significar que se preparam para mais uma saga de assassinos em barda, agora no feminino.

Assim esta “Mistura Explosiva” vive alimentada por ambientes super estilizados, agressivamente iluminados por neons, na sombra de uma organização secreta que se dedica a “trabalhos difíceis” discretamente executados por super assassinas como Scarlet, que passou a herança à filha 15 anos antes e no futuro esta irá passar à adotada Emily, para seguir o modo de vida da estirpe desenterrada de um estereotipo que cheira a mofo, tais são as vezes que o modelo é utilizado no cinema e agora até no feminino.

Temos assim mais um filme inspirado em histórias de quadradinhos, interpretado por um elenco comprometido e sério, com Nathan (Paul Giamatti, quase desaparecido desde “Sideways” de 2004), coadjuvado pelas “tias” da biblioteca (Angla Bassett, Carla Gugino, Michelle Yeoh) que guardam um arsenal de guerra em livros interiormente recortados à medida e os distribuem de acordo com as necessidades do “trabalho” e protagonizam significativas reviravoltas que fazem deste thriller?... ambientado numa cidade sem nome e filmado em Berlim, um filme de ação com muita porradinha e pouca surpresa durante os 116 minutos de duração.

Estreia hoje, dia 15 de Julho nas salas e promete diversão fácil…

Classificação: 4 numa escala de 10

 

7 de julho de 2021

Opinião – “Annette” de Leos Carax

Sinopse

Passado na Los Angeles contemporânea, “Annette” conta a história de Henry (Adam Driver), um comediante de stand-up com um sentido de humor intenso, e Ann (Marion Cotillard), uma cantora mundialmente famosa. Na ribalta, são o casal perfeito, saudáveis, felizes e charmosos. O nascimento da sua primeira filha, Annette, uma menina misteriosa com um destino excecional, mudará as suas vidas.

O filme, de Leos Carax (vencedor por duas vezes do Prémio Youth no Festival de Cannes), é candidato à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2021.

Opinião por Artur Neves

“Annette” é um thriller musical, sim um thriller com mortos, loucura e insanidade, mas sem suspense porque aqui a música é outra e os eventos vão decorrendo com a normalidade que os sucessivos espetáculos de cada um dos amantíssimos membros do casal permitem.

Henry (Adam Driver) com a sua estatura alta e encorpada criou um personagem com uma história peculiar intensa, egoísta e desdenhosa do público que o adora, que exibe provocadoramente em cada espetáculo. Com o nome de “Símio de Deus” Henry provoca o público em todas as suas atitudes de admiração e gosto pelo personagem. Henry ofende-os na sua fidelidade e submissão faz disso o seu número de êxito.

Pelo contrário, Ann (Marion Cotillard), de corpo esguio e delicado, cantora lírica de sucesso encanta o público que a idolatra pela sua maravilhosa voz de soprano e pela gentileza de interpretação dos personagens nas obras que representa. A sua morte em palco é chorada pelo público, a audição da sua voz é esperada com ansiedade.

Por artes que a razão desconhece, fora do palco apaixonaram-se definitivamente e formam um casal amantíssimo invejado pelo público que se despede com ternura sempre que os vê partir a ambos montados na mota de Henry, que espera à porta do teatro o fim do espetáculo de Ann para a transportar para o seu ninho de amor, uma mansão localizada em Los Angeles, com um frondoso jardim e uma enorme piscina retangular. O seu amor é fora do convencional e eles desfrutam-no intensamente, pertencem-se com a gulodice dos seres apaixonados. Da sua ligação resulta “Annette” uma criança diferente das outras, com corpo de marionete e voz celestial que encanta quem a houve e aqui começa o drama porque Henry perde a graça e a imaginação no seu espetáculo e sente-se perdido na sua relação familiar que o remete para um lugar nunca imaginado.

É com esta história simples que Leos Carax nos apresenta um trabalho visual soberbo sempre em música de diferentes géneros mas muito bem apresentada com cenários riquíssimos e representação de luxo em cenas visualmente fantásticas. Henry outrora exuberante mostra-se agora melancólico, incapaz de fazer rir, de continuar o seu show cujo caminho se cruza com a sua vida que anteriormente foi uma bela e intensa história de amor. Henry não se consegue encontrar e levanta barreiras à continuação do seu espetáculo, bem como o de Anne. É a atração irreversível para o abismo que Carax nos mostra com música, com sonhos onde a música serve agora de punição, onde a doce voz de Annette soa como a condenação mais dolorosa e incompreensível.

Todo filme é uma ode ao amor e à frustração que se lhe sobrepõe, com toda a poesia e sofrimento de uma obra poética magnificamente ilustrada por peças musicais desenvolvidas para o efeito, como tal pode não ser facilmente aceite por todos os espectadores, bem como ao senso comum que não inclui beleza no sofrimento e no crime.

Tal como no seu anterior filme; “Holy Motors” de 2012 que não ganhou qualquer prémio particular mas que ainda existirá na memória de algum público que o viu, não sei se conseguirá convencer Cannes, mas que é uma bela obra poética magnificamente construída na alegria, no amor e na morte parece-me que não há dúvida, embora como já referi, algo estranha.

Estreia nas salas a 8 de Julho e será o filme de abertura do 74º Festival de Cannes

Classificação: 8 numa escala de 10

 

5 de julho de 2021

Opinião – “A Cada Passo Teu” de Vaughn Stein

Sinopse

Philip (Casey Affleck) é um psiquiatra cuja carreira fica comprometida quando uma paciente com quem tem uma relação especial se suicida. Quando convida o irmão da paciente (Sam Claflin) para ir a sua casa conhecer a mulher (Michelle Monaghan) e a filha (India Eisley), a vida familiar de Philip é subitamente destruída.

Realizado por Vaughn Stein, “A Cada Passo Teu” é um intenso thriller psicológico.

Opinião por Artur Neves

Este é daqueles filmes em que se espera mais do que ele pode oferecer. Tem tudo para ser um sucesso, uma boa história, atores consagrados, um director com provas dadas embora com algumas fraquezas, aliás não se compreende bem como Casey Affleck deu corpo a este projeto, presumo que ao ler o argumento onde se desenvolve um thriller psicológico com alguma complexidade, ele deve ter pensado num resultado diferente do que se veio a revelar.

O início é verdadeiramente explosivo pois não se espera um evento daqueles a escassos minutos da abertura, mas em tudo o que se segue, para a qual a revelação inicial é fundamental embora não sendo central na história, o filme “perde gás” e só posteriormente toma o lugar que lhe é devido quando outros eventos chamam a atenção do espectador duma maneira arrastada, dúbia e pouco verosímil para o tema em apreço.

Tal como referido sumariamente na sinopse o princípio do drama ocorre quando, surpreendentemente Phillip (Casey Affleck) convida James (Sam Claflin), irmão da sua paciente que se suicidou, que lhe aparece à porta de casa com o motivo de devolução de um livro que tem escrito o nome dele. Acrescente-se ainda que o convite é coadjuvado por Grace (Michelle Monaghan) e por sua filha Lucy (India Eisley) que ficaram quase como que fascinadas por aquele estranho que lhes bate à porta à hora do jantar. Começa assim o argumento de telenovela, mais adequado a tarde de cinema de domingo do que a trhiller psicológico, e continua com o encantamento das duas mulheres durante o jantar relativamente a James, apesar de ele nem ter uma conversa muito interessante, nem o trabalho de romancista a que ele declara ter-se dedicado tenha tido o sucesso desejado pelas suas próprias palavras.

O convite, bem como a sua aceitação têm algo de insólito e confirma-se que as suas intenções, pela conversa travada, têm algo de sinistro. O que não soa bem é que através desse primeiro contacto que foi tudo menos auspicioso, ele consiga de uma penada seduzir a mãe e a filha que ficam ambas caidinhas por ele, a filha por ser jovem e se encontrar na idade das descobertas e a mãe como compensação para o afastamento emocional do marido após o evento que deteriorou a estabilidade do casal e para a qual esse afastamento apresenta-se como uma nota de culpa da qual ela não é responsável.

Como se pode inferir o enredo é complexo e tem todos os elementos que permitiriam criar múltiplas cenas de suspense. Aliás, James é hábil em deslizar entre dois modos de ser, na sombra a prejudicar a vida profissional de Phillip e à luz do dia manipulando as duas mulheres no sentido dos seus interesses sem qualquer dose de pudor ou compaixão, só que o argumento mostra-nos somente os factos sem dar espaço ao ator para trabalhar o personagem com mais profundidade nas complexidades psicológicas de um comportamento que se adivinha doente, ficando-se assim pelo estereótipo sem a análise da personalidade em presença. O que sabemos de James é estritamente o que ele nos mostra através das suas ações.

O filme socorre-se da doença mental obsessiva mas banaliza a sua ação para de alguma forma justificar o enredo que criou, inserindo um fator de previsibilidade ao tentar melhorar a trama que nos apresenta com o drama afetivo das duas mulheres para com o psicopata que as manipula. Já conhecemos o género em elementos utilizados em “O Cabo do Medo” de Scorsese, ou em “Atração Fatal”, mas aí de uma forma mais convincente.

Tem estreia prevista nas salas dia 8 de Julho

Classificação: 5 numa escala de 10

 

3 de julho de 2021

Opinião – “Black Widow” de Cate Shortland

Sinopse

No thriller de ação da Marvel Studios, "Black Widow", Natasha Romanoff, também conhecida como Black Widow, confronta as partes mais sombrias de seu livro-razão quando surge uma perigosa conspiração com laços ao seu passado. Perseguida por uma força que nada impedirá para derrubá-la, Natasha deve lidar com sua história como espiã e os relacionamentos quebrados deixados em seu rastro muito antes de se tornar uma Vingadora.

Opinião por Artur Neves

Inicialmente programado para estrear em Maio 2020 mas prorrogado várias vezes, ficou agendado para este mês de Julho devido à crise pandémica. Eis que chega às salas um filme da “Black Widow”, personagem quase secundário no universo da Marvel (MCU – Marvel Cinematic Universe) apenas referido de passagem em “Capitão América: O Soldado de Inverno” e “Iron Man” há muito que se perguntava para quando o destaque para este personagem tal como realizado para “Hulk”, Thor Ragnarok” ou “Hunt Man” e muitos outros. Black Widow” apresenta-se assim como o patinho feio da colecção considerando que em 2019, com “Vingadores: Endgame” a Marvel acabou com todos os super-heróis pela ação do semideus malvado “Thanos” que pura e simplesmente dizimou o planeta e o universo não havendo; em teoria, mais lugar para heróis e muito menos super-heróis, parecendo até que a Marvel matava alegremente e com pompa e circunstancia, a sua galinha dos ovos de ouro. Palavra que nunca acreditei nisso e disse-o na crónica que fiz sobre esse filme, publicada neste blogue, mas não sabia como encaixar a realidade da presumida extinção dos personagens mais emblemáticos da Marvel.

Assim, parece que a recuperação desse personagem quase esquecido nos filmes anteriores é afinal uma oportunidade de metamorfosear o renascimento do MCU começando pelo princípio da personagem super assassina, altamente treinada em artes marciais e guerra com facas, colocando-a no Ohio em 1995, como a pequena Natacha (Ever Anderson) pedalando na sua bicicleta pelas ruas arborizadas do seu bairro e brincando com a sua irmã mais nova (Violet McGraw) sob a supervisão da sua amorosa mãe Melina (Rachel Weisz) num ambiente calmo até aparecer o seu pai Alexei (David Harbor), com a determinante mensagem de que precisam fugir urgentemente de avião para Cuba, numa cena de arrepiar os cabelos, com várias violações da lei da física como é costume em histórias de aventura e de ciência de ponta. Todavia eles são intercetados por um vilão Russo, o General Dreykov (Ray Winstone), que separa os pais das filhas enviando as meninas para um centro de treino para assassinos de elite, chamadas “Black Widows”

Esta primeira parte do filme funciona assim como introdução, após a qual numa explosão surpreendente somos informados de Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) e Yelena (Florence Pugh) foram transformadas de garotas comuns em máquinas de matar e separadas quando Natasha assassinou o chefe do programa, o General Dreykov e destruiu a “Red Room”, ou pelo menos pensa que assim fez, porque a história vai desenrolar-se pela constatação do seu falhanço inicial e criação de uma segunda oportunidade para finalmente fazer justiça.

Podemos também dizer que a pandemia e o intervalo que gerou, modulou os filmes da Marvel numa coisa que eles não eram, uma luta por valores elevados, pois repare-se que em “Viúva Negra” (como em muitos outros filmes recentes) os homens são seres absolutamente normais e as mulheres, com um grau de emancipação elevada, dominam em toda a escala e no caso presente, lutam para obter um produto químico que transforma as super assassinas em mulheres normais, chocadas e arrependidas do seu papel anterior.

É uma inversão total de conceito em filmes de ação e ficção científica em que se procurava através de dispositivos mais ou menos complexos ou medicamentos secretos, transformar pessoas normais em super soldados com capacidades guerreiras superiores e invencíveis para proteger os mais fracos. Em “Viuva Negra” isso acabou, como que a dizer-nos que temos de vencer à nossa própria custa, pelos nossos meios, mantendo-nos sempre o mais normais possível.

Todavia as surpresas não se ficam por aqui, porque na saga vingadora de Natasha há lugar para o reencontro familiar, após uma fuga das duas irmãs reencontradas e reconciliadas, o resgate do pai Alexei preso numa prisão de alta segurança na Sibéria, voando sobre paisagens verdes e montanhosas até um vale onde reside Melina desfrutando de uma aparência pacata e muito familiar mas que continua engajada ao seu pepel secreto, continuando ser a agente de confiança do General Dreykov. Mas agora é tudo diferente e através de um twist que não vou revelar o combate ao vilão passa a ser o objectivo da família, com uma conversa justificativa, uma reunião familiar duradora que ocupa grande parte do filme e nos confirma que o MCU mudou… pelo menos em “Black Widow”…

Para os fans do género a história mantém o seu pendor de ação com cenas de luta e de aventuras muito arrojadas em situações que desafiam todas as leis da física, mas isso é o “alimento” normal dos espectadores indefetíveis, com a nuance de serem as mulheres a comandar o show, nomeadamente no aspeto das decisões mais difíceis e complexas enquanto Alexei, “o pai protector”, não passa de um fanfarrão em que o único superpoder é irritar as filhas e de alguma maneira, prejudicar o desenvolvimento da missão em que Melina, movida por fervor ideológico e devoção maternal ajuda a resolver o que o pai atabalhoadamente compromete, não podendo falar-se em falta de surpresa em todo o argumento.

Como objecto de diversão satisfaz, com um bom elenco e muito boas interpretações, com particular destaque para Yelena (Florence Pugh) que sem favor, polariza toda a ação apresentada no filme. Estará disponível nas salas e em streaming, na Disney Plus, a partir de 8 de Julho.

Classificação: 7 numa escala de 10