Sinopse
Nápoles, início dos anos 80.
Aldo e Vanda vão separar-se, depois de ele revelar que está a ter um caso. Os
dois filhos são apanhados no turbilhão de ressentimento. Mas os laços que unem
as pessoas são inevitáveis, mesmo sem amor. Agora, 30 anos depois, Aldo e Vanda
continuam casados.
Opinião
por Artur Neves
Mais uma vez os títulos atribuídos
aos filmes em Portugal deturpam o sentido com que foram concebidos e
realizados. No presente caso este “Lacci” (Laços) no original, reporta a história
de um casal italiano da classe média em plena crise do casamento que os uniu uns
anos antes. Convencionalmente eles são uma família; casados, com dois filhos
menores a viverem sobre o mesmo teto, mas no seu espírito eles estão separados,
propensos à infidelidade, ao rancor recíproco e à vergonha de possuírem esses
sentimentos que os leva ao sofrimento, à traição, à tentativa de suicídio e ao
afastamento. O romance de Domenico Starnone de 2017 (também “Laços”) que serve
de base ao argumento do filme, faz uma autópsia às ligações entre estas pessoas,
amarradas em erros por laços concretos e em Portugal chamam candidamente a esta
excelente ficção: “Laços de Família”…
A história começa na década
de 80 no meio de uma festa ao som de uma música e uma dança que se tornou emblemática
daquela ápoca; a Yenka. O jovem casal
Aldo (Luigi Lo Cascio) e Vanda (Alba Rohrwacher) divertem-se com amigos e em
casa Aldo confessa a Vanda que está tendo um caso e não se sente bem naquela
pele. Vanda lembra-lhe os seus deveres, bem como a promessa que ambos fizeram no
dia do casamento. Vanda assume o papel da mulher injustiçada, reclamando os
seus direitos mas com uma mágoa arrogante e preocupada com o efeito que a
separação terá nos filhos; Anna e seu irmão mais novo Sandro. Eles tentam
resolver essa situação no tribunal onde se estabelecem as condições da
separação sem contudo se divorciarem. Aldo sai de casa para viver com Lídia
(Linda Caridi) e Vanda fica em casa com os filhos ruminando a sua dor crescente
que a leva a tomar uma medida desesperada, sem contudo alterar a dinâmica cruel
do casal em ponto de rutura, embora sem conseguirem separar-se.
Trinta anos mais tarde Vanda
(Laura Morante) é uma Vanda mais velha, amargurada pela desilusão e manipuladora
de Aldo (Sílvio Orlando) punindo-o pela sua infidelidade durante todos os dias
das suas vidas em comum. Aldo é agora um homem maduro, reformado depois de que
a RAI lhe retirou o programa literário e de opinião que liderava, é um homem
gasto, indiferente às investidas verbais de Vanda, sofredor e manso, sem por
uma única vez levantar a voz para retorquir ou simplesmente defender-se das
mesmas acusações de passividade e inércia de sempre.
Através de flashbacks percebemos que Lídia não
teria sido má de todo e que Aldo se teria apaixonado sinceramente por ela.
Vanda reconhece isso e pensa que ambos poderiam ter sido mais felizes se Aldo
tivesse lutado por ela com mais convicção deixando em aberto a sugestão que a
lassidão de Aldo, a sua compreensão e passividade, funcionaram como a cola do
seu casamento. Veremos posteriormente que Vanda também teve outras opções embora
nunca as tendo seguido ou alimentado. Todavia, o retorno de Aldo para Vanda,
deu-se também por sugestão de Lídia após extinta a paixão que os juntou e os
fez felizes enquanto durou.
No final, Aldo e Vanda
regressam a casa de umas pequenas férias e a casa foi assaltada, tudo foi remexido
e violado, até a caixa de segredo onde Aldo guardava fotografias de Lídia nua
no auge da sua paixão, mas nada foi realmente roubado nem a porta arrombada e
não quero revelar quem foi o autor da proeza, só quero acrescentar que nem com
os filhos eles tiveram sucesso, pois todos aqueles anos de separação conjunta,
ele com Lídia, ela lambendo as suas feridas e encontrando-se de acordo com o
calendário estabelecido, provocou nas crianças em desenvolvimento raiva e
ressentimento pelo carinho medido em horas de presença. Os pais e eles nunca
foram uma família e os seus verdadeiros sentimentos explodem quando sentem que
não mais precisam deles e se podem afirmar como autónimos.
No meu entender este “Lacci”
é uma digna resposta europeia a “Marriage Story” “História de um Casamento” de
2019 nas desavenças entre um casal e nos distúrbios emocionais que mesmo sem
querer eles legam aos seus filhos. Muito bom, recomendo vivamente.
Estreia nas salas de cinema
em 05 de Agosto
Classificação: 8 numa escala
de 10