7 de julho de 2021

Opinião – “Annette” de Leos Carax

Sinopse

Passado na Los Angeles contemporânea, “Annette” conta a história de Henry (Adam Driver), um comediante de stand-up com um sentido de humor intenso, e Ann (Marion Cotillard), uma cantora mundialmente famosa. Na ribalta, são o casal perfeito, saudáveis, felizes e charmosos. O nascimento da sua primeira filha, Annette, uma menina misteriosa com um destino excecional, mudará as suas vidas.

O filme, de Leos Carax (vencedor por duas vezes do Prémio Youth no Festival de Cannes), é candidato à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2021.

Opinião por Artur Neves

“Annette” é um thriller musical, sim um thriller com mortos, loucura e insanidade, mas sem suspense porque aqui a música é outra e os eventos vão decorrendo com a normalidade que os sucessivos espetáculos de cada um dos amantíssimos membros do casal permitem.

Henry (Adam Driver) com a sua estatura alta e encorpada criou um personagem com uma história peculiar intensa, egoísta e desdenhosa do público que o adora, que exibe provocadoramente em cada espetáculo. Com o nome de “Símio de Deus” Henry provoca o público em todas as suas atitudes de admiração e gosto pelo personagem. Henry ofende-os na sua fidelidade e submissão faz disso o seu número de êxito.

Pelo contrário, Ann (Marion Cotillard), de corpo esguio e delicado, cantora lírica de sucesso encanta o público que a idolatra pela sua maravilhosa voz de soprano e pela gentileza de interpretação dos personagens nas obras que representa. A sua morte em palco é chorada pelo público, a audição da sua voz é esperada com ansiedade.

Por artes que a razão desconhece, fora do palco apaixonaram-se definitivamente e formam um casal amantíssimo invejado pelo público que se despede com ternura sempre que os vê partir a ambos montados na mota de Henry, que espera à porta do teatro o fim do espetáculo de Ann para a transportar para o seu ninho de amor, uma mansão localizada em Los Angeles, com um frondoso jardim e uma enorme piscina retangular. O seu amor é fora do convencional e eles desfrutam-no intensamente, pertencem-se com a gulodice dos seres apaixonados. Da sua ligação resulta “Annette” uma criança diferente das outras, com corpo de marionete e voz celestial que encanta quem a houve e aqui começa o drama porque Henry perde a graça e a imaginação no seu espetáculo e sente-se perdido na sua relação familiar que o remete para um lugar nunca imaginado.

É com esta história simples que Leos Carax nos apresenta um trabalho visual soberbo sempre em música de diferentes géneros mas muito bem apresentada com cenários riquíssimos e representação de luxo em cenas visualmente fantásticas. Henry outrora exuberante mostra-se agora melancólico, incapaz de fazer rir, de continuar o seu show cujo caminho se cruza com a sua vida que anteriormente foi uma bela e intensa história de amor. Henry não se consegue encontrar e levanta barreiras à continuação do seu espetáculo, bem como o de Anne. É a atração irreversível para o abismo que Carax nos mostra com música, com sonhos onde a música serve agora de punição, onde a doce voz de Annette soa como a condenação mais dolorosa e incompreensível.

Todo filme é uma ode ao amor e à frustração que se lhe sobrepõe, com toda a poesia e sofrimento de uma obra poética magnificamente ilustrada por peças musicais desenvolvidas para o efeito, como tal pode não ser facilmente aceite por todos os espectadores, bem como ao senso comum que não inclui beleza no sofrimento e no crime.

Tal como no seu anterior filme; “Holy Motors” de 2012 que não ganhou qualquer prémio particular mas que ainda existirá na memória de algum público que o viu, não sei se conseguirá convencer Cannes, mas que é uma bela obra poética magnificamente construída na alegria, no amor e na morte parece-me que não há dúvida, embora como já referi, algo estranha.

Estreia nas salas a 8 de Julho e será o filme de abertura do 74º Festival de Cannes

Classificação: 8 numa escala de 10

 

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