Sinopse
Passado na Los Angeles
contemporânea, “Annette” conta a história de Henry (Adam Driver), um comediante
de stand-up com um sentido de humor intenso, e Ann (Marion Cotillard), uma
cantora mundialmente famosa. Na ribalta, são o casal perfeito, saudáveis,
felizes e charmosos. O nascimento da sua primeira filha, Annette, uma menina
misteriosa com um destino excecional, mudará as suas vidas.
O filme, de Leos Carax
(vencedor por duas vezes do Prémio Youth no Festival de Cannes), é candidato à
Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2021.
Opinião
por Artur Neves
“Annette” é um thriller musical, sim um thriller com mortos, loucura e
insanidade, mas sem suspense porque
aqui a música é outra e os eventos vão decorrendo com a normalidade que os
sucessivos espetáculos de cada um dos amantíssimos membros do casal permitem.
Henry (Adam Driver) com a
sua estatura alta e encorpada criou um personagem com uma história peculiar
intensa, egoísta e desdenhosa do público que o adora, que exibe
provocadoramente em cada espetáculo. Com o nome de “Símio de Deus” Henry
provoca o público em todas as suas atitudes de admiração e gosto pelo
personagem. Henry ofende-os na sua fidelidade e submissão faz disso o seu número de
êxito.
Pelo contrário, Ann (Marion
Cotillard), de corpo esguio e delicado, cantora lírica de sucesso encanta o
público que a idolatra pela sua maravilhosa voz de soprano e pela gentileza de
interpretação dos personagens nas obras que representa. A sua morte em palco é
chorada pelo público, a audição da sua voz é esperada com ansiedade.
Por artes que a razão
desconhece, fora do palco apaixonaram-se definitivamente e formam um casal
amantíssimo invejado pelo público que se despede com ternura sempre que os vê
partir a ambos montados na mota de Henry, que espera à porta do teatro o fim do
espetáculo de Ann para a transportar para o seu ninho de amor, uma mansão
localizada em Los Angeles, com um frondoso jardim e uma enorme piscina
retangular. O seu amor é fora do convencional e eles desfrutam-no
intensamente, pertencem-se com a gulodice dos seres apaixonados. Da sua ligação
resulta “Annette” uma criança diferente das outras, com corpo de marionete e
voz celestial que encanta quem a houve e aqui começa o drama porque Henry perde
a graça e a imaginação no seu espetáculo e sente-se perdido na sua relação
familiar que o remete para um lugar nunca imaginado.
É com esta história simples
que Leos Carax nos apresenta um trabalho visual soberbo sempre em música de
diferentes géneros mas muito bem apresentada com cenários riquíssimos e
representação de luxo em cenas visualmente fantásticas. Henry outrora
exuberante mostra-se agora melancólico, incapaz de fazer rir, de continuar o
seu show cujo caminho se cruza com a sua vida que anteriormente foi uma
bela e intensa história de amor. Henry não se consegue encontrar e levanta
barreiras à continuação do seu espetáculo, bem como o de Anne. É a atração
irreversível para o abismo que Carax nos mostra com música, com sonhos onde a
música serve agora de punição, onde a doce voz de Annette soa como a condenação
mais dolorosa e incompreensível.
Todo filme é uma ode ao amor
e à frustração que se lhe sobrepõe, com toda a poesia e sofrimento de uma obra
poética magnificamente ilustrada por peças musicais desenvolvidas para o
efeito, como tal pode não ser facilmente aceite por todos os espectadores, bem como ao
senso comum que não inclui beleza no sofrimento e no crime.
Tal como no seu anterior
filme; “Holy Motors” de 2012 que não ganhou qualquer prémio particular mas que
ainda existirá na memória de algum público que o viu, não sei se conseguirá convencer
Cannes, mas que é uma bela obra poética magnificamente construída na alegria,
no amor e na morte parece-me que não há dúvida, embora como já referi, algo
estranha.
Estreia nas salas a 8 de
Julho e será o filme de abertura do 74º Festival de Cannes
Classificação: 8 numa escala
de 10
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