26 de fevereiro de 2019

Opinião – “O Poder da Palavra” de Yvan Attal


Sinopse

Neïla Salah (Camélia Jordana) é uma jovem de ascendência argelina que cresceu nos arredores de Paris e sonha tornar-se advogada. Matriculada na prestigiada universidade parisiense de Assas, Neila confronta-se, desde início, com Pierre Mazard (Daniel Auteuil), um professor conhecido pelas suas provocações e controvérsias.
Em busca de redenção pública, Mazard aceita preparar Neïla para uma prestigiada competição de discursos em que a sua universidade participa.
Ao mesmo tempo cínico e exigente, o professor poderia vir a tornar-se o mentor de que a estudante necessita, mas para isso é preciso que os dois sejam capazes de ultrapassar os seus preconceitos.

Opinião por Artur Neves

A primeira questão que esta história levanta é se são as palavras que contribuem para a formulação das ideias, ou se pelo contrário, são as ideias que se servem da palavra para se revelar. A resposta não é fácil, nem definitiva e caberá ao leitor encontrá-la, depois de uma reflexão sobre o conteúdo deste filme.
Neïla Salah é uma jovem com todas as naturais reservas de pertencer a uma família de imigrantes, embora o seu nascimento em França lhe tenha conferido um sentimento de pertença a uma comunidade diferente da sua. Não obstante, os seus amigos, o seu namorado e as amigas da sua mãe que frequentam a sua casa, embora franceses ou residentes em França, demonstram idênticas peculiaridades culturais que os identificam entre os seus.
O problema começa quando ela enfrenta a frequência do primeiro ano de um curso superior numa universidade clássica cheia de tradições e muito particularmente, um determinado professor, Pierre Mazard, francês genuíno por nascimento e herança familiar, que tanto pela cadeira que ministra, como por sentimento e cultura, utiliza uma sobranceria e um autoritarismo exacerbado nas relações com os outros, muito particularmente os alunos, que precisam dos seus conhecimentos. Particularmente os não franceses são os que sofrem mais de perto com o seu chauvinismo e a sua arrogância cultural que choca de frente com Neïla Salah.
Destas duas personalidades opostas, vai nascer uma ligação profissional improvável que fará deste filme uma demonstração do “Poder da Palavra” no diálogo professor aluna, enumerando as sucessivas e vastas referências literárias em que se baseiam os pressupostos da utilidade da palavra como veículo de convencimento da razão, da argumentação necessária para levarmos os outros a ouvir-nos e a seguir-nos nas suas opiniões.
Yvan Attal é o realizador israelita que consegue a proeza de tornar muito interessante um argumento com muitas palavras, muito dialogado sobre a forma e os conteúdos da dicção, em que a primeira é preponderante relativamente à segunda. Como Pierre Mazard afirma e ensina nas suas aulas, a verdade não interessa, o importante é o modo, a forma como se apresentam as razões.
Filme interessante, com a ação focada na palavra, nas palavras, produzidas por uma representação de personagens consistentes, particularmente no que concerne a Neïla Salah (Camélia Jordana) que recebeu o Prémio de Melhor Atriz Revelação no festival de Cannes 2017. Duma maneira geral sentimos alguma resistência aos filmes franceses, mas este, quer pelo assunto como pela representação merece ser visto. Recomendo.

Classificação: 7 numa escala de 10

22 de fevereiro de 2019

Opinião – “Green Book - Um Guia para a Vida” de Peter Farrelly


Sinopse

Baseado na verdadeira relação entre dois homens muito diferentes. É a história de um famoso pianista negro Don Shirley que contrata um segurança Italo-americano, Tony Vallelonga, para o conduzir pelo Sul dos EUA, na década de 60, pois Don a fazer uma tour. No entanto, esta viagem não corre bem, mesmo seguindo o guia "Green Book", uma orientação que as pessoas de cor usavam para viajar sem correr riscos. Nesta viagem, os dois vão perceber melhor o mundo no qual vivem.

Opinião por Artur Neves

Don Walbridge Shirley foi um negro culto para a época em que viveu, entre 1927 e 2013, tendo passado o seu tempo de vida ativa durante o período de regime segregacionista dos USA, nomeadamente nos estados do sul, derrotados na guerra da secessão, a guerra civil americana entre 1861 e 1865, que pretendia abolir a escravatura nos estados confederados rurais do sul. Estes pretendiam a secessão do país em dois regimes diferentes.
Derrotados mas não convencidos, a segregação pela cor da pele continuou (e continua no sentimento profundo destes americanos, embora com reservas) na altura em que Don Shirley (Mahershala Ali) contrata Tony “Lip” (Viggo Mortensen) em 1962 para uma tournée de exibição artística pelo sul dos USA, seguindo por obrigação e comodidade as instruções do “Green Book” sobre os locais permitidos a pessoas de cor.
Repare-se na contradição; um negro com boa posição social, culto, reconhecido pela classe alta e abastada dos Estados Unidos como um virtuoso do piano, e preferido para abrilhantar as suas confraternizações mais “in”, contrata um branco, emigrante italiano, para seu motorista e guarda-costas durante uma tournée pelos estados do sul, em que Don, além de exibir o seu virtuosismo, pretende desafiar os poderes instalados, através da sua classe, das suas idiossincrasias (só toca em pianos Steinway e só bebe whisky Cutty Sark) sempre bem vestido, e agindo de modo muito diferente dos outros negros com quem se cruza, na tentativa vã de mostrar a todos que a cor da pele não é motivo suficiente para descriminação. Ele está perfeitamente consciente de todas as dificuldades que irá encontrar no caminho mas prossegue com os seus objetivos.
Tony “Lip” Vallelong é diametralmente oposto de tudo isto, segurança desempregado de um clube nocturno que fechou para obras, italiano, brigão provocatório, ardiloso, homem de muitos recursos e expedientes evasivos que lhe vão permitindo sustentar a família não pode recusar esta oferta de trabalho. Todavia ele sente-se confortável em aceita o lugar que lhe oferecem, decorrente de uma indiferença ignorante a tudo o que o cerca e inicia o serviço sem reservas, sem qualquer alteração de comportamento, sem abdicar dos seus hábitos rudes e da sua maneira truculenta de estar na vida. A seu favor tem somente uma honestidade muito peculiar e a sua palavra, que procura cumprir em todas as situações.
Desta convivência permanente durante 8 semanas surgem confrontos, discussões, arrufos e questões sociais várias que moldam os dois homens a uma nova realidade de conceitos e conceções da vida e do mundo. Nenhum dos dois será o mesmo no fim da viagem onde chegarão próximos como nunca pensaram. É a história dessa transformação que este filme nos traz, numa altura incerta em que racismo e xenofobia se tornam familiares no nosso dia-a-dia. Como tal é importante conhecer e por isso recomendo, como diversão com um “toque” azedo, assunto para reflexão e retrato de uma época.

Classificação: 8 numa escala de 10

20 de fevereiro de 2019

Opinião – “O Prodígio” de Nicholas McCarthy


Sinopse

Em “O Prodígio”, Taylor Schilling (protagonista da série "Orange is the New Black") interpreta a protagonista Sarah, cujo filho sobredotado, Miles (Jackson Robert Scott - o jovem Georgie de "It") manifesta um comportamento perturbador que evidencia a eventual possessão por uma força maléfica e possivelmente sobrenatural. Receando pela segurança da família, Sarah terá de escolher entre o instinto maternal de amar e proteger Miles e uma necessidade desesperada de investigar aquilo que – ou quem – é responsável pela sombria e assustadora transformação deste.

Opinião por Artur Neves

Não podemos esquecer que o objectivo constantemente presente em filmes de suspense ou de terror é fazer-nos estremecer pela surpresa da acção, venha lá de onde ela venha. Para isso é necessário induzir pistas no espetador que o levem por caminhos que a realização não irá, ou pelo menos, não vá tão directamente como a pistas oferecidas nos possam levar a inferir. Ora não é bem isso que acontece nesta história.
Com um argumento próximo de “O Génio do Mal” de 1976, esta história escrita por Jeff Buhler e realizada por Nicholas McCarthy, nunca chega a preocupar muito o espetador porque cedo se compreende que Miles é uma criança possuída por alguma força estranha e decorrente disso, superdotada em áreas indefinidas que Buhler não especifica nem detalha porque o seu verdadeiro objectivo á criar “pontos quentes” em que a acção se afirme e nos perturbe.
Porém a realização de McCarthy também não ajuda, gastando tempo demais na preparação do susto, ou sequer, para a cena se tornar emocionante, considerando que decorre enquanto ficamos à espera de que aconteça o que já sabemos que vai acontecer. Para que o suspense se mantenha estes dois elementos não devem acontecer na mesma cena, ou temos uma surpresa, ou somos informados da forma como se processa o que já sabemos que vai acontecer.
Tal como em “O Génio do mal” uma jovem mãe dá à luz uma criança que ao longo do seu desenvolvimento começa a agir de forma esquisita, o que causa as preocupações inerentes à sua progenitora que para lá de não ter a solução imediata, procura ajuda onde quer que ela se encontre embora rejeite à partida o veredicto que nós já conhecemos desde o início da história. Este figurino é semelhante aos desafios de wrestling em que as presumíveis ofensas mútuas entre os dois contendores são muitas, mas todos sabemos que os combates são encenados e no fim do jogo vão todos tomar um copo no bar mais próximo.
A banda sonora é outro elemento fundamental nestas histórias e Joseph Bishara é honesto no seu trabalho sem ser particularmente imaginativo, como na saga “Insidious”, mas ainda assim funciona ao nível do esperado. Sarah (Taylor Schilling) compõe uma mãe suficientemente credível para o terror envolvido embora o argumento a obrigue a tomar decisões estúpidas que numa encenação mais realista não seria possível. É o resultado da busca do sucesso a qualquer preço pela produção. Ela merecia tomar melhores decisões e nós merecíamos melhor, nós só queremos o estímulo emocional produzido por uma história bem composta, mas não é exactamente isso que encontramos… é pena.

Classificação: 5 numa escala de 10

19 de fevereiro de 2019

Opinião – “Ervas Daninhas” de Kheiron


Sinopse

Waël (Kheiron), um antigo menino da rua, vive nos subúrbios parisienses, subsistindo através  de pequenas vigarices que comete com a ajuda de Monique (Catherine Deneuve), uma mulher  reformada que depende muito dele. Um dia, a vida de Waël sofre grande reviravolta, quando um amigo de Monique lhe oferece, por insistência dela, um trabalho no seu centro de crianças excluídas do sistema escolar. Pouco a pouco, Waël fica responsável por um grupo de seis adolescentes expulsos devido à falta de assiduidade, insolência e porte de armas. Do encontro explosivo com estas “ervas daninhas” vai florescer um verdadeiro milagre.

Opinião por Artur Neves

Kheiron é um ator, escritor e realizador que nos apresentou em 2015 “Ou Todos ou Nenhum” sobre a fuga de uma família iraniana após o Irão se ter transformado num estado religioso após a tomada do poder pelos ayatollahs, que teve a virtude de transformar um problema emergente e preocupante, o endurecimento da política Iraniana, numa história ligeira embora séria, com laivos de comédia, que abordava com sobriedade os novos problemas da sociedade iraniana.
Neste segundo filme de 2018 a expectativa era justificada, considerando que se tratava do problema da marginalidade juvenil num contexto de desacompanhamento familiar, justificado pela incerteza dos tempos que vivemos em que os objectivos a atingir, ou não existem, ou são de muito curto prazo, ou pura e simplesmente não se projectam no futuro de forma a constituírem uma forma de vida possível.
A história começa com a apresentação de um expediente levado a cabo por Waël (Kheiron) com a ajuda de Monique (Catherine Deneuve) para obterem o seu sustento, mas que são apanhados por um antigo amigo desta, quando o tentavam enganar; Victor (André Dussollier) que os convida para o seu projecto de recuperação de menores, no qual Waël a muito custo adere, embora posteriormente se venha a revelar uma boa solução e um bom trabalho.
Só que o desenvolvimento da acção é pouco credível, os rapazes e raparigas ao seu cuidado não são tão maus assim, nem tão pouco estão tão abandonados que necessitem da sua intervenção, exctuando um deles que por ser imigrado não fala a língua e gera maiores dificuldades de comunicação. Todavia, os protegidos são rostos sem história, nada se sabe acerca deles, exceto de uma das raparigas que por “artes mágicas” é irmã da rapariga, advogada de profissão, por quem Waël se enamora, embora com pouca expressão.
Depois, Catherine Deneuve, apresenta-se como uma sombra de si mesma, muito distante de Séverine Serizy de “Belle de Jour” (1967) de Luis Bunuel, representando uma reformada, convidada por Victor para secretária da organização e que posteriormente acaba “juntando os trapinhos” com ele mas sem qualquer relação com o objecto principal da história que se desenvolve penosamente. Para animar, ainda temos a denúncia e a armadilha de Waël a um malandreco que explorava um dos moços à sua guarda, mas resulta tudo muito chocho, muito simplista, algo piegas, que desvanece todas as expectativas iniciais. Não convence.

Classificação: 4 numa escala de 10

8 de fevereiro de 2019

Opinião – “Homens do Diabo” de Matthew Hope


Sinopse

Um antigo soldado e marinheiro das forças especiais dos E.U.A. torna-se em caçador de recompensas como agente externo da CIA, sendo forçado a ir para Londres numa caça ao homem de um agente da CIA desautorizado, o que o conduz a uma corrida mortífera com um antigo companheiro militar e o seu exército privado.

Opinião por Artur Neves

Este filme é um thriller de acção cheio de tiros e de lutas, com uma boa história. Só é pena que dentro do género é mais do mesmo. Não é um mal em si mesmo, pois dentro do mesmo género pode-se inovar e recriar histórias surpreendentes o que todavia não corresponde ao presente caso. De novidade apresenta a estreia no papel principal de Milo Gibson, filho de Mel Gibson, que para uma semelhança de idade com que o pai se notabilizou no cinema, apresenta recursos físicos mais evidentes.
O filme começa com uma acção em Marrocos, para apresentar os personagens ao espetador, numa cena de assassínio de um árabe, que é retido no seu próprio carro por meios electrónicos que trancam as portas do automóvel transformando uma protecção segura numa prisão inviolável até que o assassino cumpra a sua missão. Não sabemos quem são, não sabemos para quem trabalham, nem porque lutam, apenas cumprem uma missão.
Depois a acção passa para Londres e somos informados que a próxima missão é a captura de um agente da CIA traidor, que se pretende apoderar de uma ogiva para fins comerciais de venda a um grupo terrorista. A missão é ultra secreta e inclui as nuances comuns no género, que se forem descobertos estão por conta própria porque a CIA não tem nada a ver com isso.
Collins (Milo Gibson) apresenta-se como um militar veterano de guerra no Afeganistão, apto para diferentes formas de luta e de sacrifícios para cumprir a sua missão, apesar de apresentar sequelas de guerra que ele compensa tomando pílulas que o acalmam nos momentos de maior crise de nervos que lhe instabilizam a postura. A sua preocupação principal é a família que tem nos USA, mulher e filha que ainda não conhece. São os “condimentos” humanos da história.
O realizador e argumentista Matthew Hope, desenvolve assim um thriller de baixo orçamento, em Londres mas em zonas despovoadas, armazéns vazios, fábricas abandonadas, docas e becos escuros que descaracterizam os locais da acção podendo ser em qualquer lugar e não necessariamente em Londres. Todavia apresentam-se lutas competentes, quer corpo a corpo, quer usando armamento sofisticado e elevada tecnologia de detecção e rastreamento.
Os diálogos são apenas os estritamente necessários e a única presença feminina não passa de mais um militar sem qualquer componente romântica ou sexual, que tem um papel bem definido inicialmente mas que posteriormente se subverte num twist infantil mas que contribui para manter o interesse na acção que sem esses imprevistos seria demasiado previsível e maçudo. Para além disso a linha de coerência narrativa da história apresenta vários cruzamentos duplos e triplos que mantêm a expectativa numa história com um grupo de profissionais competentes, mas que sabe a pouco.

Classificação: 5 numa escala de 10

5 de fevereiro de 2019

Opinião – “VICE” de Adam McKay


Sinopse

Do argumentista e realizador vencedor do ÓSCAR Adam McKay (“A Queda de Wall Street”) VICE explora o percurso de Dick Cheney (interpretado pelo vencedor do ÓSCAR Christian Bale), desde a época em que era um humilde operário no Texas, até se tornar no homem mais poderoso do planeta, depois de, sob a orientação da sua leal mulher Lynne (Amy Adams), ascender ao cargo de Vice-Presidente dos EUA, redefinindo para sempre o país e o mundo.
Com a participação de Steve Carell, Sam Rockell e Tyler Perry, o filme foi já nomeado para 6 Globos de Ouro, garantindo a Christian Bale o prémio para Melhor Ator (Musical ou Comédia) pela sua interpretação de Dick Cheney.

Opinião por Artur Neves

Em presença dos factos que nos são revelados neste filme, não sei se é melhor conhecê-los ou permanecer na suave ignorância de pensar que quem nos governa, ou como neste caso, quem governa o mundo, reúne as melhores condições, conhecimentos e possui ambição e objetivos de melhoria e progresso para todos. É o contrário de tudo isto que nos mostra esta história.
A história que nos trás este filme é uma biografia sobre um dos homens mais poderosos da terra, quando, percebendo as fragilidades de George W. Bush, filho, o manipulou de tal forma, com o consentimento deste, que o convenceu a neutralizar as leis e os princípios de gestão do governo americano para que o lugar de vice-presidente, tradicionalmente simbólico e pouco relevante, fosse fundamental e determinante em todas as decisões. De tal forma isso aconteceu que Dick Cheney no exercício do seu mandato, teve direito a escritórios de trabalho, apoiados pelo correspondente staff, no Senado, na Câmara dos Representantes, no Pentágono e na própria CIA, de forma e conseguir reunir antecipadamente todos os elementos e informações úteis para a sua hegemónica tomada do poder em Washington DC.
Inicialmente Cheney é-nos apresentado como um mau aluno que foi expulso de Yale, bêbado e sem futuro, tendo mesmo sido empregado numa empresa de distribuição de energia elétrica. É sua mulher, Lynne que duramente o chama à razão e ele, para honrar a promessa feita, chega a estagiário do Congresso em 1969, sob a orientação de Donald Rumsfeld, (Steve Carell) de quem permaneceu amigo e compagnon de route até ao final da guerra do Iraque.
Considerando o largo período abarcado pelo filme, este é narrado por um personagem, que só no final saberemos de quem realmente se trata, pois a multiplicidade de assuntos, factos e eventos que envolvem o casal Cheney só seriam percebidos em tempo útil através de um narrador, como tal, todo o filme é de sequência rápida, em jeito de reportagem, destacando-se todavia duas partes; a primeira até 1977 com a presidência de Jimmy Carter, democrata, e a segunda a partir de 1989 com a presidência de G. W. Bush, republicano, que o convidou e lhe entregou o lugar de VP que ele transformou a seu modo. Neste intervalo o realizador e autor do argumento Adam McKay insere uma sequência falsa de créditos finais, para recomeçar e segundo e definitivo esplendor deste personagem.
Com este filme McKay provoca-nos a refletir se estamos de acordo com este homem, com esta forma de poder, mostrando-nos o lado humano e o lado que executa atrocidades da dimensão da invasão do Iraque e suas sequelas. Estivemos cá todos e vivemos isto, pelo que nos cabe também interrogarmo-nos se nos sentimos considerados e envolvidos pelas ações que presenciámos. Obrigatório ver.

Classificação: 9 numa escala de 10

4 de fevereiro de 2019

Opinião – “Vingança Perfeita” de Hans Petter Moland


Sinopse

Bem-vindos a Kehoe. A temperatura é de 10 graus negativos e a descer nesta requintada estância de esqui nas Rocky Mountains.
A polícia local não está habituada a ter de lidar com muita ação até que um dia o filho de Nels Coxman (Liam Neeson), um pacato limpador de neve, é assassinado às ordens de Viking (Tom Bateman), um excêntrico barão da droga.
Consumido pela raiva e armado com artilharia pesada, Nels parte para a vingança e decide desmantelar o cartel de Viking, um homem de cada vez, embora quase tudo o que ele sabe sobre homicídios vem do que leu em livros de crime.
À medida que os cadáveres se amontoam, as ações de Nels provocam uma guerra entre Viking e o gang rival liderado por White Bull (Tom Jackson), um chefe da máfia Nativo-Americano. Rapidamente, os sopés brancos da cidade vão começando a ficar pintados de vermelho.

Opinião por Artur Neves

Com base numa história já contada em 2014, pelo mesmo Hans Petter Moland, realizador Sueco de “Kraftidioten”, a história tem agora uma reedição americana, que para não fugir ao ambiente gelado da Escandinávia, decorre em Denver USA, no estado do Colorado, com protagonistas equivalentes e enredo a condizer, numa pequena cidade, a localidade de Kehoe que vive do turismo e dos desportos de inverno.
Tal como no primeiro filme em que um bando de traficantes Sérvios de droga mata o filho do protagonista, motorista de limpa neves, pessoa querida e reconhecida na terra, também aqui um crime semelhante ocorre, só que os traficantes são americanos, de boas famílias locais e dividem o território da droga com índios americanos, mantidos na reserva estadual que lhe permite autonomia através da contemporização das autoridades com o tráfico que eles praticam, num ato de justiça social por lhes terem ocupado os territórios, anteriormente de caça.
Esta transmutação de local permite uma certa nuance na moral do filme, considerando o relativismo moral da situação de contexto dos índios na América, que não era permitido aos sérvios na Suécia e assim se obtém alguma novidade de conceito, embora sem justificar a reedição.
Nels Coxman, abandonado pela mulher na sequência da morte do filho, sem todavia se perceberem completamente os reais motivos dela, está de mãos livres para encetar a “Vingança Perfeita” da morte do filho começando por investigar todos os antecedentes que lhe deram origem e liquidar, um a um, todos os implicados. Aqui, também as mortes são confirmadas com um separador que anuncia o falecimento e de morte em morte, a história segue uma toada lenta, pacata, considerando as paisagens geladas em que tudo se passa e ensaiando uns gags aqui e ali porque nesta história o ambiente de thriller tem os seus limites.
O mau muito mau e traficante mor, Viking, não passa de um psicopata chorão e imaturo que se circunda de um grupo de capangas feiosos, com dois homossexuais para apimentar o argumento, que todos os dias levam e trazem o filho da escola que vive em custódia partilhada com uma índia que foi sua mulher. O miúdo é francamente mais esperto do que o pai mas essa característica revela-se perfeitamente esdruxula nesta história.
No final consumam-se alegremente muitas mortes de ambos os lados, pelo que a leitura dos separadores é significativa, e Nels lá consegue a sua vingança e o seu descanso solitário. Nada que não se evapore até à saída do cinema.

Classificação: 5 numa escala de 10

1 de fevereiro de 2019

Opinião – “Cafarnaum” de Nadine Labaki


Sinopse

Uma história cheia de significado politico, apresentando atores não profissionais, sobre uma criança libanesa de 12 anos que põe um processo judicial contra os seus pais.
Filme vencedor do Prémio do Júri no Festival de Cinema de Cannes 2018.
Nomeado ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro 2019.

Opinião por Artur Neves

A história contada neste filme é um colossal murro no estomago para toda a comunidade internacional no aspeto político, social e de assistência a povos em crise grave. Do ponto de vista histórico, Cafarnaum é uma cidade bíblica situada na margem norte do mar da Galileia que ligava o Egito à Siria e ao Líbano, próxima das cidades Betsaida e Corozaim que constituíam o “quartel-general” do ministério de Jesus na Galileia. Quando o povo deixou de seguir a fé cristã e a palavra de Jesus, as três cidades foram amaldiçoadas por este, tendo mesmo profetizado a sua destruição que veio a verificar-se.
A história deste filme consiste num período da vida de Zain (Zain Al Rafeea) um rapaz de 12 anos que se revolta contra os pais pela venda da sua irmã Sahar (Haita Izzam) de 11 anos, a Assaad (Nour El Husseini) seu patrão e senhorio e foge de casa sobrevivendo nas ruas até encontrar Rahil (Yordanos Shiferaw) uma refugiada Etíope com um filho de colo, Yonas (Bluwaitife Bankole) de quem passa a tomar conta enquanto Sahar vai trabalhar. Porém, Sahar é presa devido à caducidade da sua permissão de permanência no país e a responsabilidade de Yonas recai sobre Zain, que agora terá de cuidar e proteger o pequeno Yonas, além de si próprio e dos múltiplos problemas com que se vê confrontado.
Nadine Labaki, a realizadora e autora do argumento, nascida em Beirute, Líbano em 1974, utilizou atores não profissionais para interpretar os personagens deste filme, cujas vidas tocam de muito perto a realidade da vida dos atores, solicitando-lhes que agissem espontaneamente com palavras suas, gestos e atitudes que teriam se confrontados com as cenas criadas pelo guião do argumento na resposta mais real possível aos eventos em sequência.
O filme é conseguido pelo seu diretor de fotografia (Chistopher Aoun), que de câmara na mão, pelas ruas, becos e prédios degradados dos arredores de Beirute, seguindo os atores, provoca uma multiplicidade de sentimentos de elevada intensidade emocional, que tanto podem revoltar os mais calmos com a apresentação de uma sociedade sistematicamente desumanizada, como surpreender-nos com fugazes imagens poéticas e ternurentas, naquela Babel social de desordem e pobreza extrema.
O que é particularmente notável é que toda a denúncia da situação é conseguida com atores não profissionais que magistralmente conseguem reproduzir numa história ficcionada, toda a miséria e o caos nas ruas, desde o mercado caótico, aos agentes de tráfico humano, à sobrelotação e promiscuidade da prisão onde Zain acaba por ficar detido, ou durante as cenas no tribunal, em que os pais de Zain reproduzem as suas carências que justificaram as escolhas que fizeram com detalhes que se tornam chocantes ouvir.
“Cafarnaum” é um filme muito duro e difícil em todas as cenas que nos são apresentadas, no entanto, Labaki não quer deixar-nos deprimimos oferecendo-nos uma brecha de esperança em alguns casos individuais. Recomendo vivamente.

Classificação: 8,5 numa escala de 10