28 de janeiro de 2022

Opinião – “A Filha Perdida” de Maggie Gyllenhaal

Sinopse

Sozinha numas férias à beira-mar, Leda (Olivia Colman) fica obcecada com uma jovem mãe e a sua filha ao observá-las na praia. Enervada com a relação cúmplice entre as duas (e a sua família numerosa, barulhenta e ameaçadora), Leda é dominada pelas suas próprias memórias do terror, confusão e intensidade da maternidade precoce. Um ato impulsivo atira Leda para um mundo estranho e sinistro da sua própria mente onde é obrigada a enfrentar as escolhas inconvencionais que fez enquanto jovem mãe e as suas consequências.

Esta é a estreia de Maggie Gyllenhaal enquanto realizadora, baseada no romance de Elena Ferrante. “A Filha Perdida” conta também com Dakota Johnson, Jessie Buckley, Ed Harris, Peter Sarsgaard, Dagmara Dominczyk e Paul Mescal.

Opinião por Artur Neves

É com prazer que registo mais uma estreia auspiciosa de uma atriz já com créditos firmado no meio como em “A Secretária” de 2002 ou “Frank” de 2014. Maggie Gyllenhaal oriunda de uma família de atores e com o seu irmão Jake Gyllenhaal também seguindo uma carreira de realização já com algum sucesso assinalável, tem neste filme a estreia numa longa metragem baseada num romance de Elena Ferrante que apresenta diversos argumentos para estarmos atentos às suas futuras iniciativas.

Em “A Filha Perdida” segue-se o percurso solitário de Leda (Olivia Colman) em gozo de uma semana de férias numa praia da Grécia, onde ela se dispõe a observar uma jovem mãe, Nina (Dakota Johnson) que cuida da sua pequena filha Elena no seio de uma família cujas atividades em grupo levantam alguma especulação. A observação de Leda é tão intensa e levanta-lhe tanta curiosidade e interesse o relacionamento de Nina com Elena que lhe desperta memórias do seu próprio relacionamento com as suas duas filhas Bianca e Martha, que a certa altura ela reconhece como falhado, ou pelo menos sem o desvelo e a atenção que Nina revela para com Elena.

Apesar de tudo, numa das voltas da praia escarpada e perto de um pequeno bosque, Elena perde-se dos pais o que faz perturbar toda a paz da praia e do pequeno lugarejo onde se insere. Acidentalmente é Leda quem a encontra e a entrega a Nina estabelecendo assim uma forte ligação entre as duas mulheres, com Nina agradecida e Leda experimentando sentimentos confusos na solidão das suas férias e dos seus curtos sonos onde experimenta uma saudade e um remorso de não ter sido a mãe que hoje desejava ter sido. É aqui que o argumento se centra e que a realização pontua, pois esta espécie de expedição psicológica em que o argumento percorre o passado através dos pensamentos de Leda e das suas lembranças, levanta-nos as mais atuais questões sobre a condução da maternidade, que são simultaneamente a evidência da necessidade condicionada por tabus.

O filme mostra-nos através de flashbacks de Leda (Jessie Buckley) quando nova, os problemas que levam a perturbação aos pensamentos de Leda de hoje e neste ponto deixo uma nota que durantes as primeiras vezes temos alguma dificuldade em estabelecer essa relação, que só posteriormente se vem a confirmar. A partir daí a história já se torna mais fluida porque as ações de hoje são provocadas por situações que vemos como são recordadas pelo espírito de Leda, e neste ponto está verdadeiramente a dificuldade de pôr em filme este romance de Elena Ferrante sem o complemento da palavra que exprima o contexto.

O personagem de Olívia Colman, de uma mulher com um pensamento que a condiciona nas suas atitudes, serve-se do lastro de outros personagens já representados por esta atriz, tem a capacidade de ser simultaneamente a vítima e o algoz de Elena, quando encontra e guarda a sua boneca preferida, perdida quando ela momentaneamente desapareceu, pois é a tentativa derradeira de Leda encenar a retoma do seu relacionamento com as suas filhas, já que durante a vida anterior Leda se limita a suportar o papel de mãe, ou na melhor da hipóteses, representar esse papel, após ter voltado para as filhas depois de uma longa ausência apenas justificada por puro egoísmo sem justificação. Agora, já sem esperança ela rouba a boneca a Elena como compensação para os maus tratos que Bianca provocou na boneca de Leda. Ela trata bem da boneca, compra-lhe vestidos novos, limpa-a, no desejo de mostrar os cuidados maternos que em tempos ela não soube dar ás suas filhas.

É um filme muito curioso, passível de diversas interpretações dos factos que nos são mostrados, mas que confronta sempre o princípio de que a maternidade é inerente a todas as mulheres, embora o individualismo como mulher e as suas falhas de caráter devem acabar ou corrigir-se com a maternidade. São 121 minutos de ação intelectual que se vão consumindo lentamente apesar das perguntas que ficam com a resposta a cargo do espectador. Recomendo

Tem estreia prevista em sala dia 03 de Fevereiro

Classificação: 7 numa escala de 10

 

24 de janeiro de 2022

Opinião – “Agentes 355” de Simon Kinberg

Sinopse

Quando uma arma ultra-secreta cai em mãos erradas, a agente da CIA Mason “Mace” Brown terá de unir forças com a sua rival Marie, com a antiga aliada do MI6 e especialista em informática Khadijah e ainda com a hábil psicóloga colombiana Graciela numa intensa e perigosa missão na qual terão de estar sempre um passo à frente da misteriosa Lin Mi Sheng...

Opinião por Artur Neves

Este é mais um filme de ação… feminista. Não é qua ação esteja reservada para os homens, para os “James Bond” desta vida, ou até mesmo sem “Bond”, para todos aqueles que alardeiam virtudes física em lutas sem fim sempre do lado do “bem” e da “verdade”, mas há uns tempo a esta parte chegou o tempo da mulheres, que apesar de manterem a sedução a atração sensual sofisticada, mesmo com nodoas negras e vestígios de luta porque batem em todos que com elas se metem como se não houvesse amanhã, ainda os continuam a convencer. Este é sem tirar nem por um filme desses e não é que isso seja um mal em si mesmo, porque com uma boa história, com uma história consistente, com enredo, com reviravoltas no argumento, com suspeitas e pistas falsas ou não, que não nos façam pensar como tudo vai ser resolvido logo à partida, poderia ainda assim constituir um puro entretenimento do olhar.

Lamentavelmente não é o caso desta história em que o objetivo se resume a uma drive portátil onde está instalado um programa de IA, que quando ligado a um computador e a uma rede, produz inconfessáveis proezas tecnológicas como fazer explodir aviões em voo, apagar toda a distribuição de energia a uma cidade ou até interferir no normal funcionamento da bolsa. Não se pode dizer que á partida que não se trate de um objetivo poderoso, mas a sua perseguição para o capturar, uma, outra e outra vez, com as mesmas pessoas inicialmente inimigas e rivais e depois aliadas, perseguindo sempre o mesmo objeto que até parece que tem asas, apenas mudando somente o local começando por várias cidades na Europa, depois Marrocos e finalmente a China que começa a estar na moda… cansa, satura torna-nos impertinentes e faz-nos pensar o que estamos ali afazer.

Bom… mas se você não é dos que desistem e continua a ver vai-se espantar com a relação entre as heroínas carismáticas que nos apresentam cuja química entre elas é da mais desligada para o funcionamento de um conjunto como equipa. Elas estão sempre em ação, mas todas dirigem farpas a todas, os seus diálogos são do mais banal que possa haver em que as mais banais brincadeiras soam sempre como provocações. Numa das cenas de ação, Mace (Jessica Chastain) correndo intensamente atras de um inimigo, enverga um vestido vaporoso de verão com motivos florais estampados, donde, vá-se lá sabe de que algibeira secreta, ela tira uma pistola de 9 mm equipada com um silenciador no cano para se defender. Aqui, o que nos apraz perguntar é se o argumentista julga que nós não sabemos o que é um vestido de verão e o impacto que causaria na personagem se tivesse costurado no vestido um bolso capaz de transportar um objeto daqueles. E isto é apenas um pequeno exemplo, mas durante todo o filme fica-nos a sensação que o realizador Simon Kinberg, que também escreveu o argumento em conjunto com Theresa Rebeck, pensa que o público é todo tonto e que nunca terá visto um filme de ação antes, revelando o pouco interesse que tem em criar para as suas personagens preferidas um thriller com contornos realistas e verosímeis.

As múltiplas cenas que o filme exibe servem somente para refrescar os motivos já extintos na cena anterior e todas acabam sempre em mortes, que por vezes não o são, lutas, combates artísticos feitos pelo extenso batalhão de duplos que vem referido no genérico final e pelo menos com esses resta-nos a esperança que tenham sido bem pagos e que tenham gozado um período de trabalho que a pandemia tem tornado difícil. Não é uma fatalidade que os filmes de ação sejam apenas isto, é apena uma questão de talento, gosto e respeito pela integridade do público a quem se dirige.

Tem estreia prevista em sala dia 27 de Janeiro

Classificação: 4 numa escala de 10

 

19 de janeiro de 2022

Opinião – “Ilusões Perdidas” de Xavier Giannoli

Sinopse

Lucien (Benjamin Voisin) é um jovem poeta desconhecido na França do século XIX, com grandes esperanças e aspirações. Deixa a tipografia na sua província natal para tentar a sorte em Paris sob tutela da sua mecenas. Rapidamente deixado à sua sorte nesta fabulosa cidade, Lucien descobrirá os meandros deste mundo submisso à lei do lucro e do fingimento.

Uma comédia humana onde tudo tem um preço, seja sucesso literário ou imprensa, política ou sentimentos, reputações ou almas…

Adaptação do livro “Ilusões Perdidas” (Comédia Humana) de Honoré de Balzac.

Filme da competição oficial no 78.º Festival de Veneza

Opinião por Artur Neves

Quem conhece o escritor do século XIX Honoré de Balzac deve ter a noção de que este romance constitui a obra capital do conjunto de 98 obras completas e 48 incompletas da “La Comédie Humaine” no setor “Études de Moeurs”, mais precisamente da série “Scènes da la vie de province” e constitui o seu romance mais famoso e mais extenso. O romance foi publicado em três partes entre 1836 e 1843. Este romance conta a história de Lucien Rubempré (Benjamin Voisin) que nasceu como Lucien Chardon (Chardon era o nome do pai que ele rejeita e quer trocar pelo nome da mãe; Rubempré) em 1798 em Angoulême e morreu em Paris em 1830 depois de ter sofrido as vicissitudes contadas no romance e magistralmente adaptadas ao cinema por Xavier Giannoli, um realizador francês nascido na década de 70 que tem no seu curriculum outros filmes interessantes, nem sempre conhecidos como mereceriam.

O filme porém não integra todo o romance e conta a história do 1º e 2º livros (o mais importante) começando com Lucien como funcionário de uma tipografia e com vincadas tendência para a palavra e a escrita, nomeadamente poesia que resolve demitir-se para procurar melhor vida na cidade, Paris, depois de ser descoberta a sua relação com Luisa de Bargeton (Cecile de France) uma dama da nobreza da província que farta de ser infeliz com o seu marido por este dar mais atenção aos cavalos e à caça do que a ela, cedendo aos encantos de Lucien e às sua declarações em verso dando origem a um caso de amor intenso que preenche a vida de ambos. Quando o caso é conhecido pelo marido de Bargeton, ambos são obrigados a fugir e fogem juntos cometendo um grave “pecado” para os preceitos da época que poe em causa a o comportamento de Bargeton no contexto da nobreza reconhecida pela sociedade parisiense.

Decorrente disso, eles são obrigados a separar-se e Lucien fica entregue à sua sorte numa cidade totalmente desconhecida e com ideias de pureza e de escrita completamente desajustadas à vida real da época. Inicialmente lady Bargeton tenta protege-lo mas ele comporta-se de modo ridículo na ópera que justifica sua prima a marquesa d’Épard (Jeanne Balibar) a abandoná-lo para não se comprometer diante da alta sociedade parisiense, o que o faz aperceber-se da sua condição miserável nos meios mais elegantes da sociedade parisiense.

Ele fica assim entregue a si próprio, muito embora o marido da marquesa d’Èpard lhe tenha arranjado um lugar onde ficar e lhe tenha dado algum dinheiro para os primeiros tempos que de seguida lhe é roubado devido à sua inocência em o guardar em casa e sair sem ele. A partir daqui vê-se a ascensão atribulada da sua pessoa como jornalista, da qual não me vou deter em pormenores, ao seu romance com Coralie (Candice Bouchet), á sua perda de valores com que largou a província e onde foi educado, e duma maneira geral à entrada na sociedade parisiense que inicialmente o recusou, usando nos mesmos degraus que foi aprendendo na sua dura luta pelo pão de cada dia. Todavia o sucesso cega, ele começa a gastar mais do que ganha e rapidamente volta à estaca zero, volta ao início, mas com uma grande lista de inimigos e de credores que o fazem voltar à província, a Angoulême, que é onde o filme termina.

O terceiro livro não faz parte do filme e conta o seu ressurgimento já com a experiencia entretanto obtida, que o faz voltar a Paris e morrer calmamente em 1830. De facto a parte mais significativa desta história é o segundo livro onde o filme magistralmente encena a sociedade da época, a evolução social do jornalismo e a sua relação com a política, o dinheiro, a nobreza, os costumes, mostrando-nos o que eram as trapaças, a falta de respeito com o próximo onde Dauriat (Gérard Depardieu) um editor negreiro, era o expoente máximo, da maledicência mútua para a qual não fazia qualquer falta a inexistência de redes sociais como hoje as conhecemos, sendo nesta vivencia social que o filme mais se destaca ao apresentar-nos uma caricatura da sociedade desta época.

Todo o filme está muito bem feito, com decors muito bem construídos, filmagens à luz de velas e muitos atores secundários que compõem a Paris fervilhante de 1800 com o aparecimento do que mais tarde se vem a chamar de Boulevards. É um filme com uma duração de 150 minutos e uma narrativa história rica em pormenores que nos são narrados ao longo de toda a história, que recomendo sem reservas.

Tem estreia prevista em sala dia 20 de Janeiro

Classificação: 8 numa escala de 10

 

18 de janeiro de 2022

Opinião – “O Bom Patrão” de Fernando Léon da Aranoa

Sinopse

Básculas Blanco, uma empresa espanhola de produção de balanças industriais aguarda a iminente visita do comité do trabalho que tem o seu destino em mãos para saber se a empresa merece o prémio de Excelência Empresarial local: tudo tem que estar em perfeito equilíbrio quando o dia chegar. Trabalhando contra o relógio, o proprietário da empresa, Blanco (Javier Bardem) faz de tudo para abordar e resolver os problemas com os seus funcionários, cruzando todas as linhas imagináveis no processo.

Opinião por Artur Neves

A história que suporta o filme é a suposta vida empresarial de uma empresa familiar de fabricação de balanças e básculas de diferentes formatos e dimensões. Blanco (Javier Bardem) é o patrão, o dono (herdou a fábrica por via umbilical através do seu pai que a herdou do seu avô) o conselheiro e amigo do seu pessoal a quem considera “família” numa dimensão de média empresa para a qual a noção de gestor, ou de gestão de pessoal, fica muito ao cuidado das suas preferências pessoais, dos seus humores e concentrado num homem só, ele próprio, que só delega tarefas nos quadros intermédios seus colaboradores, no âmbito estrito da cadeia de fabricação.

Fernando Aranoa tem um filme de referência no âmbito da comédia dos serviços públicos “Um dia Perfeito” de 2015 em que um grupo de trabalhadores dos serviços humanitários públicos mostram bem a sua incompetência e inépcia numa intervenção para salvar um indivíduo que caiu num poço e não tem maneira fácil de se salvar e a ajuda deles também não conduz a bons resultados. Aqui todos os pormenores da envolvência das forças instituídas são escrutinadas e glosadas de forma a servirem de exemplo para qualquer instituição com fins administrativos em qualquer parte do mundo. Aqui, nada disso acontece porque a empresa é pequena demais, governada pela vontade de um homem só, que só servirá de modelo para empresas familiares semelhantes ou mesmo chafaricas com aspirações.

Blanco despede, promove e admite quem ele quiser a seu belo prazer. No início vêmo-lo num palanque, na fábrica, a proferir um discurso de encorajamento para o próximo desafio que é a visita uma entidade classificadora das atividades empresariais, para a qual ele chama a atenção de todos os colaboradores, de toda a família (trabalhadores assalariados que dependem dele como posteriormente se refere noutras circunstancias) para intensificarem as suas tarefas com mais cuidado e desvelo, mantendo tudo limpo, tudo em ordem porque a data da visita é desconhecida, enquanto ao mesmo tempo um empregado, José (Oscar de la Fonte) que foi despedido se debate no gabinete com o encarregado de produção, alegando a injustiça de que foi alvo. O filme não diz nada sobre os motivos do despedimento e o espectador tem de assumir que foi uma decisão justa, praticada por um homem que é justo e amigo dos trabalhadores. (ponto final)…

Ao nível do estilo de empresa a que se reporta (Aranoa não deve ter querido interferir com corporações maiores que sem atos explícitos são mais criticáveis) o senhor Blanco não é um patrão qualquer, mas um chefe dedicado à sua equipa e aos seus trabalhadores, que também o idolatram porque ele está sempre lá para os ajudar em todas as situações, quer sejam relativas à vida da fábrica, ou às suas dificuldades pessoais que em última instância irão refletir-se no sucesso de vendas, pelo que ele procura sempre resolver todos os problemas. As estagiárias admitidas ao mês, são selecionadas pela sua aparência e pelo seu corpinho e aqui ele cria um grande problema ao ter admitido a filha de um grande amigo seu, andou com ela ao colo a agora 17 anos depois não a conheceu, nem se interessou saber quem era porque com aquele corpinho cumpria todos os requisitos do Sr. Blanco, compreensivelmente cansado da sua augusta esposa.

Quanto à direção de atores não há nada a apontar, a história flui e o personagem de Javier Barden encaixa na perfeição num gestor sempre envergando fatos caros e um bom carro onde se desloca, de quem temos mais referências de dramas do que comédias (a sua interpretação de um vingador em “Este País não é para Velhos” de 2007 marcou a sua carreira). Todavia ele não trabalha sozinho e todos os secundários que o servem na fábrica têm brilhantes interpretações e posição na história com particular destaque para o porteiro Romám (Fernando Albizu) pelas suas opiniões sobre todos os eventos ou a recatada esposa Adela (Sonia Almarcha) que só peca pelas poucas exibições que o argumento lhe destina.

Não se compara a “Nas Nuvens” e 2009 em que George Clooney interpreta um executivo investido na missão de despedimento de trabalhadores mais antigos e depois do trabalho feito é ele que é despedido, ou mais anteriormente, como em “O Grande Salto” de 1994 em que um jovem executivo vê-se envolvido numa complicada teia corrupta de jogadas e armadilhas empresariais de uma grande empresa, mas Fernando Aranoa não é qualquer dos famosos irmãos Coen, como tal, temos apenas a velhacaria bacoca de um patrão esperto da província e deve ser visto como tal.

Tem estreia prevista em sala dia 20 de Janeiro

Classificação: 5 numa escala de 10

 

13 de janeiro de 2022

Opinião – “A Vida Extraordinária de Louis Wain” de Will Sharpe

Sinopse

Esta é a extraordinária história verídica do excêntrico artista britânico Louis Wain (Benedict Cumberbatch), cujas imagens lúdicas, às vezes até psicadélicas, ajudaram a transformar para sempre a perceção do público sobre os gatos. Passado entre o final de 1800 até a década de 1930, o filme acompanha as incríveis aventuras deste herói inspirador e anónimo que, ao procurar desvendar os mistérios "elétricos" do mundo, pretendia compreender melhor a sua própria vida e o profundo amor que o uniu à sua mulher, Emily Richardson (Claire Foy).

Opinião por Artur Neves

Fazer um biopic sobre alguém que mesmo sendo anónimo para a maioria do público, devido a ficar mais ou menos esquecido entre os outros factos que com ele conviveram entre o século XIX e XX em que é difícil conhecê-lo e recordá-lo, não é somente evidenciar os factos mais significativos da sua vida, especialmente o período em que conhece o amor para a vida e tem o único tempo feliz ao viver esse amor, na época até mal visto. O objeto do seu amor Emily Richardson (Claire Foy) pertencia a uma classe inferior à dele e a sua paixão não foi apoiado pelas irmãs e pela mãe que desde cedo tudo fizeram para complicar a relação.

Ela cedo morre vítima de um cancro e depois disso o filme perde gás em direção a um final já conhecido (o filme começa por nos apresentar Louis Wien já doente) sem um esforço de enaltecimento do seu trabalho que continua mesmo durante essa fase.

Aliás Louis Wain é um jovem com algumas particularidades a nível mental, (hoje seria considerado hiperativo) que desenha a duas mãos simultaneamente fazendo na época um desenho, uma ilustração, perfeita de uma pessoa ou situação sendo como tal útil para ilustrador de um jornal ou revista, numa altura em que ainda não havia fotografia e o desenho era o elemento que figurava o acontecimento. Aliás essa evolução técnica da fotografia veio roubar-lhe emprego e ocupação, para ele que mantinha uma casa com a mãe e as suas cinco irmãs das quais Caroline (Andrea Riseborough) a mais velha, tinha as funções de governanta e desde cedo que ficou desagradada com a presença de Emily em casa e mais se opôs ao amor entre os dois.

Durante o namoro e posterior casamento há algo de doce na aceitação de Louis por Emily pois ela absorve as suas insuficiências e serve de amortecedor perfeito para a sua inesgotável energia, aceita que apesar de ter casado sem o apoio da família ele continue a suportar os dois orçamentos da sua casa e da mãe e irmãs. O amor entre ambos é completo e poderoso, eles são particularmente cúmplices e é aqui que se dá o aparecimento de Peter, o gato de Emily que desperta nele uma imaginação multiplicadora de imagens inéditas de gatos que virão a constituir a sua obra central e deixará um legado a toda a sociedade que motivará a nossa aceitação pela adoção de felinos.

O personagem de Louis Wien está magistralmente desempenhado por Benedict Cumberbatch que teve em 2021 um ano de glória na sua carreira se contarmos com a sua interpretação em “O Poder do Cão” já comentado nestas crónicas, em que se nota a dedicação de um ator em interiorizar o espírito do personagem, tanto na idade de novo, como posteriormente quando já vencido pela doença, mostrando-nos com verossemelhança a degradação devida à idade e à doença que ele tentou controlar em novo, multiplicando-se em tarefas e atividades que serviam para lhe cansar o corpo que lhe exigiam movimento constante. Outra coisa que reputo de qualidade neste filme é o trabalho de caracterização tanto em Louis como em Emily, devido a ser pormenorizada e muito cuidada.

Todavia o filme embora com seguimento seguro e uma narração eficiente de Olívia Coleman, desenvolve-se num formato 4 x 4, pouco usual nos tempos de hoje, com uma fotografia muitas vezes desfocada e baça nas cores que são a principal atração do trabalho de Louis Wien. A mudança de planos ou a confrontação com cenas fora do presente faz-se de maneira estranha fazendo deslizar os traços da fotografia de forma pouco ortodoxa, provocando que nos perguntemos o porquê de tal enviesamento. O filme e a história são interessantes mas perdem valor pelo modo de realização utilizado.

Tem estreia prevista em sala em 20 de Janeiro

Classificação: 5 numa escala de 10

 

12 de janeiro de 2022

Opinião – “Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas” de Guillermo del Toro

Sinopse

Quando o carismático, mas sem sorte, Stanton Carlisle (Bradley Cooper) se torna querido para a vidente Zeena (Toni Collette) e o seu marido mentalista Pete (David Strathairn) numa feira itinerante, ele ganha um bilhete dourado para o sucesso, usando o conhecimento adquirido com eles para ludibriar a elite rica da sociedade de Nova Iorque dos anos 1940. Com a virtuosa Molly (Rooney Mara) lealmente ao seu lado, Stanton planeia enganar um magnata perigoso (Richard Jenkins) com a ajuda de uma psiquiatra misteriosa (Cate Blanchett) que pode vir a ser sua melhor adversária.

Opinião por Artur Neves

Guillermo del Toro depois do seu premiado filme “A Forma da Água” que sinceramente não me agradou e muito menos para ser destacado com o Óscar de 2017, que me pareceu ser mais uma carolice da Academia Americana nunca justificada, apresenta-nos agora este “Beco das Almas Perdidas” com base na novela com o mesmo nome “Nightmare Alley” de William Lindsay Gresham escrita em 1946 e levada ao cinema numa obra com o mesmo nome realizada por Edmund Goulding em 1947. Temos portanto um remake, quiçá mais inteligente segundo um argumento do próprio Guillermo del Toro, transformado num neo-noir thriller psicológico que decorrente da supremacia dos meios tecnológicos atuais deve acrescentar mais emoção e suspense a uma história com uma base interessante sobre os propalados poderes da mente. Todavia a versão do primeiro filme que passou em França foi rebatizada com o nome de “Le Charlatan” comprovando que ontem tal como hoje, aqueles “poderes” são uma falácia.

Logo no início do filme temos a cena de abertura em que um homem empurra para um buraco no chão de uma casa um volume que parece um cadáver, arruma as suas coisas, acende um cigarro, deita o fósforo para o buraco donde começam a emergir chamas que consomem toda a casa e ele calmamente se afasta da casa para um destino sombrio. Não conhecemos nada sobre o sítio, a casa, o homem nem os seus motivos o que pode ser classificado como o início perfeitamente adequado a um noir inspirado nos clássicos. No seu caminho, que pode ser entendido como um recomeço, ele apanha um autocarro e sai no fim da carreira, depois de ser acordado por uma feira itinerante para onde ele se dirige à procura de trabalho, ou de algo para ganhar uns cobres a fim de se alimentar. Todo o ambiente é escuro, com detalhes macabros. Ele consegue uma ocupação que vai potenciar a descoberta de si como mentalista, e dos amigos e companheiros de espetáculo que o ajudam a compreender que pode escalar a sua ocupação para outro nível de sociedade e de clientes.

Stanton “Stan” Carlisle (Bradley Cooper) recebe todas as indicações de Pete (David Strathairn) e sua mulher Zeena a Vidente (Toni Collette) que lhe ensinam toda a verdade por detrás do mentalismo de feira recheado de pistas verbais que criam a ilusão ao espectador crente que ele está a entrar no cérebro e a conhecer os seus segredos e angústias. O elenco está cuidadosamente escolhido, Toni Collette e David Strathairn como o par da magia, ela cartomante, ele o mentalista de feira. Molly (Rooney Mara) é a rapariga elétrica por quem Stan se apaixona depois de incrementar o seu número com um cenário que prende mais a atenção dos espectadores. Em pouco tempo ambos se apaixonam e separam-se da companhia para procurar rumo numa vida a dois.

O argumento de Guillermo em conjunto com Kim Morgan, um historiador de cinema, seguem os passos da novela original mas os ambiente onde se movem os personagens, os da feira mais pobres e sujos e os da classe alta, mais sofisticados e ricos, vivendo nas melhores casa da época recriadas com cuidado e requinte tanto nas superfícies brilhantes como nas decorações ArtDeco das casas em que vivem. Toda a história decorre com o cuidado e pormenor que os 150 minutos de filme permitem. A música utilizada é deliciosamente barroca em sintonia com os cenários e os figurinos da época impecavelmente produzidos. O cinema de del Toro vale-se de imagens com beleza dura e brutal que ele não tem pressa de as mostrar sem ser na altura certa, na altura em o clímax da sua história explode em sangue, neve e morte, numa boa interpretação de Bradley Cooper. Muito interessante, gostei e recomendo.

Classificação: 8 numa escala de 10

Tem estreia prevista em sala em 27 de Janeiro

 

10 de janeiro de 2022

“Best-Sellers” de Lina Roessler

Sinopse

Lucy Skinner (Aubrey Plaza) herda do pai uma seleta editora, mas a ambiciosa aspirante a diretora quase afunda a empresa com uma série de péssimos livros que recebem críticas negativas. Quando descobre que Harris Shaw (Michael Caine), um escritor recluso, rabugento e entorpecido pelo álcool, que inicialmente pôs a editora no mapa, lhe deve um livro, vê nele a tábua de salvação, tanto comercial como crítica.

E o momento não podia ser mais perfeito. Harris deve dinheiro e tem um novo livro que ele próprio odeia. Lucy fica eufórica, até descobrir que o antigo contrato de Harris estipula que ninguém pode rever o seu trabalho. Porém, em troca, tem de fazer uma digressão para promover o livro. E assim nasce a digressão literária do inferno, onde a fama não é igual a fortuna, os seguidores do Twitter valem zero e o legado que se tenta defender pode ter nascido de mentiras que não poderão ficar guardadas no passado.

Opinião por Artur Neves

Este “Best Sellers” vale pela aparição de Michael Caine com os seus 89 anos bem medidos e bem usados nos seus mais de 130 filmes ne curriculum, em que presumo, deve dar-lhe o privilégio de trabalhar só quando o argumento o diverte e onde pode exibir ser prejuízo para o papel, o seu olhar descaído e o seu sotaque inglês de classe trabalhadora média baixa, algo diferente do Inglês tradicional de Londres, o seu sotaque cockney que já lhe serve com imagem de marca e de identificação de origem.

Em termos de atuação Harris Shaw (Michael Caine), traz o seu melhor para o personagem de um romancista britânico, velho, com pouco cuidado com a sua pessoa, forte consumidor de álcool enquanto fuma o seu charuto, recluso de memórias na casa desarrumada e em ruínas, em que vive e sofre a solidão pela morte da sua mulher, acompanhado de um gato que apesar da pouca atenção com que o trata é o único elemento vivo que o acompanha. Harris está zangado com tudo e com todos e mostra bem esse desagrado nos avisos que coloca na porta de entrada e nas traseiras para que se afastem todos os que o procuram.

Uma entusiasta do mundo dos livros Lucy Stanbridge (Aubrey Plaza) herdou de seu pai uma editora independente em Nova Iorque, (algo muito improvável hoje em dia) outrora promissora, mas agora com as múltiplas alternativas ao dispor para ler livros já teve dias melhores. Os jovens de hoje não entendem o valor dos livros, a importância de os folhear, de os conhecer na sua integridade, considerando que atualmente os meios eletrónicos e as redes sociais determinam o que se lê, o que é importante, o que marca, o que vale a pena, com duas palavras e pouco conteúdo. Ela porém, está determinada a salvar o legado de seu pai e a marca da livraria, pelo que entende que seria o aparecimento de um Best Seller o elemento capaz de operar o milagre. Para isso procura um êxito antigo e propõe-se encontrar o seu autor. Todavia, quando ela encontra a obra que tornou famoso o seu pai e projetou o autor do livro, fica horrorizada ao ver que ele se tornou um bêbado, velho, e mais famoso pelo seu comportamento excêntrico do que pelo seu valor literário. Porém a necessidade une-os, ela precisa de dinheiro e ele tem um novo livro chamado “The Future is X-Rated” que com alguma dificuldade e quezílias ela consegue que ele promova para o benefício de ambos.

Lina Roessler é uma realizadora de primeira viagem, uma estreia em longas metragens, tendo apenas até agora dado corpo a três pequenos filmes curtos, mas não se pode dizer que saia mal da empreitada. Apoiada por bons desempenhos anteriormente citados e um secundário de peso, Scott Speedman como (Jack Sinclair) que quer conquistar Lucy para a convencer a vender a editora, desenvolve uma história pouco verosímil mas com momentos doces entre Harris e Lucy que com a convivência a que a digressão literária promoveu, a diferença de idades faz despertar entre ambos sentimentos de pai e filha e as revelações que são proferidas por Harris fazem-nos descobrir a verdade sobre o seu pai e reconhecer os motivos de Shaw que justificam a sua posição de descrença e revolta. A história também refere algo interessante sobre a morte da alfabetização pelos livros e como do nada, nascem as celebridades nas redes sociais apenas porque são faladas e são os meios que os podem fazer nascer e acabar. O final é com uma surpresa adequada á temática e se não houver mais nada para fazer, porque não vê-lo?...

Estreia em sala no dia 13 de Janeiro

Classificação: 5 numa escala de 10