Sinopse:
Califórnia.
Pinky Rose (Sissy Spacek) é uma jovem que acaba de conseguir um emprego num spa
de idosos. Mildred "Millie" Lammoreaux (Shelley Duvall), que já trabalha
no local, é encarregada de orientar Pinky sobre o serviço. Ela encanta-se com
Millie e logo se torna sua amiga. Ironicamente ninguém gosta dela, mas Millie
tenta passar a imagem de ser muito popular. Millie divide o seu apartamento com
uma colega, mas quando esta se casa ela passa a dividir com Pinky o
apartamento. Pinky fica cada vez mais dependente de Millie, mas a ligação
obsessiva ameaça romper-se quando ela vê que Millie levou para o apartamento
Edgar Hart (Robert Fortier), um cowboy que é marido de Willie Hart (Janice
Rule), uma artista local, que está grávida. Isto provoca uma forte discussão
entre Pinky e Millie, que gera um grave facto que, por sua vez, provoca uma
grande mudança de comportamento de ambas.
Opinião por
Marta Nogueira
O que impressiona em todo o filme é a solidão que cada uma
das mulheres carrega e a forma como, cada qual do seu modo, procura compensar
essa solidão estreitando cada vez mais o círculo que elas próprias constituem
umas com as outras.
Pinky chega à cidade sem conhecer ninguém e logo se afeiçoa
a Millie que, por sua vez, graças à sua língua afiada e aos ares superiores que
transpira permanentemente, não consegue estar acompanhada durante tempo
suficiente para estabelecer relações duradouras. As duas vão ter um caso com o
marido da terceira mulher, a pintora Willie, uma artista estranha e solitária
que mal abre a boca e que expressa os seus sentimentos através de pinturas
murais grotescas.
Ao logo da acção as três mulheres alteram progressivamente
os seus comportamentos – Pinky sofre um acidente em consequência de ter
assistido à traição de Willie por Millie e o marido da primeira. E é
precisamente este acidente que vai consituir o ponto de partida para a
aproximação das vidas destas mulheres, até se misturarem por completo como um
“female melting pot”. Pinky torna-se mais extrovertida e Millie menos arrogante
e preocupada com algo mais do que a sua própria pessoa. As duas vão acabar por
ajudar Willie a livrar-se de um marido traidor e alcoólico, o macho cowboy em
pessoa (ex-duplo de um famoso actor de westerns), perfeito contraponto ao
universo feminino.
O mais interessante neste filme é o facto de ser
precisamente o testemunho da visão de um homem (Robert Altman) e do universo
masculino em geral sobre o complexo e intrigante mundo feminino, ou seja, o
filme não traz respostas mas sim perguntas, mostrando, isso sim, uma
perplexidade um tanto ingénua perante tal mundo. A própria atmosfera estranha
com que o realizador envolve o enredo acentua isso. Quase que o ouvimos dizer:
“Vejam estas mulheres. Reparem bem em todos os seus pormenores, as suas bocas,
os seus olhos, os assuntos das suas conversas, as cores que escolhem para se
vestirem e para decorarem as suas casas. Ouçam as suas vozes, os seus
silêncios, os seus desejos. Reparem como são tão diferentes, tão cheias de
ambiguidades, tão vulneráveis e ao mesmo tempo capazes de coisas maquiavélicas
como matar um homem.” É, nesse aspecto, um filme deliciosamente masculino,
embora possa parecer muito feminino.
O mais engraçado é que, apesar da mistura de identidades,
estas nunca deixam de ser isso mesmo, identidades. Ou seja, não há, afinal, o
tal “female melting pot” porque o que acontece é apenas uma troca de
identidades, sem sequer se estabelecer um qualquer laço entre elas – Millie
torna-se Willie, esta em Pinky e a última na primeira, resumindo-se a uma
simples troca de papéis, como se a única forma que as três encontram para se
salvarem da própria solidão é tomar a personalidade da outra e emprestar a sua
própria para que a outra lhe possa talvez dar um novo uso que a primeira não
conseguiu. O que mostra, no fim de contas, que nenhuma delas se menospreza ou
quer acabar com a sua vida (como a tentativa de suicídio de Pinky poderia fazer
crer). O que elas pretendem é viver uma outra vida, até dela se fartarem e
poderem retomar a anterior, guardada pelas outras. Apesar de tudo, no final,
este círculo continua a girar em torno da solidão e mantém-se a inexistência de
um verdadeiro elo que as una. A última frase que se ouve já sem vermos as três,
que desaparecem no interior do bar, é “Millie, porque és sempre tão má para
ela?” Mas só na geometria os círculos são perfeitos. E não é o círculo o
símbolo feminino por excelência?
Sissy Spacek é deliciosamente obscura na sua “embalagem”
aparentemente inocente e Shelley Duvall é portentosa.
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