Sinopse
Provida de uma autoconfiança
de tubarão, Marla Grayson (Rosamund Pike) é uma guardiã profissional nomeada
pelo tribunal para dezenas de enfermarias de idosos cujos bens ela apreende e
astutamente rouba por meios duvidosos, mas legais. É uma estratégia bem
lubrificada que Marla e sua parceira de negócios e amante Fran (Eiza González)
usam com eficiência brutal na sua mais recente atividade empresarial para com
Jennifer Peterson (Dianne Wiest) uma aposentada rica sem herdeiros vivos ou
família. Mas quando a visada revela ter um segredo igualmente obscuro e ligações
muito próximas com um gângster volátil (Peter Dinklage), Marla é forçada a
subir de nível num jogo em que só predadores podem jogar.
Opinião
por Artur Neves
Com uma tradução nacional que
aceitamos; “Tudo pelo vosso Bem”, porque assume os objetivos explícitos da
história, embora não sendo reais, temos aqui um thriller tragicómico sobre a obtenção de poder para exclusivo
benefício próprio quando transformado em dinheiro que nunca é demais nem tem
limite porque facilmente obtido, dedicadamente obtido, por uma Marla Grayson que
sem um pingo de respeito pelo próximo ou comiseração, se apropria de todos os bens
e fortuna de quem cai na alçada da sua tutoria arranjada, com a conivência de diferentes
cúmplices situados em condições adequadas para o conseguir.
Quando vemos Jennifer
Peterson ser arrastada de casa pela ordem de um tribunal, contra sua vontade,
sem possibilidade de argumentação ou defesa e ser entregue a uma instituição,
que lhe restringe a liberdade, lhe confisca o telemóvel e a impede de qualquer
contacto com o exterior incluindo ter visitas, com o “carinhoso” acompanhamento
de Marla que exibe um sorriso largo, brilhante e comovente, em conjunto com uma
voz ronronada de contralto que adiciona uma ameaça velada aquele sorriso, que
sabemos exprimir “és a cereja em cima do meu bolo porque vou ficar com toda a
tua fortuna…” provoca-nos uma revolta interior e sugere-nos a pergunta se nos
USA aquela situação poderia ocorrer de facto.
Pelos vistos parece que sim,
especialmente quando a decisão depende de um pouco interveniente juiz (Isiah
Whitlock Jr.) que se limita a corroborar tudo o que lhe é apresentado pelas “entidades
competentes” naquele tribunal de família em que se pretende defender os idosos alegadamente
fragilizados pela doença e pela demência.
Em boa verdade esta é uma história
de terror que me faz lembrar “Distúrbio” de 2018 realizado por Steven
Soderbergh, só que sem qualquer laivo de comédia. Aí a cativação da vítima é
mesmo a sério. Nesta história para os nossos dias, depois de um qualquer Trump ter
abandonado contrafeito a Casa Branca, trata-se de obter poder e dinheiro
através da exploração dos mais vulneráveis, por uma Marla, que no início do
filme ri e escarnece da máxima de que; “trabalhar duro e jogar limpo leva ao
sucesso e à felicidade…”, depois explica-se que não é um cordeiro, mas sim uma
leoa e nesta altura ainda não sabemos o que ela se prepara para fazer.
Vemo-la depois no seu
escritório, olhando para uma parede cheia de fotografias dos seus “clientes”,
dos seus “protegidos”, que ela espera que durem o tempo suficiente para lhe
darem lucros depois de pagar as luvas à cadeia de “colaboradores” que propiciam
aquela situação. Quando por qualquer motivo eles morrem antes do previsto é um
falhanço comercial e Jennifer Peterson apresenta um extraordinário potencial de
futuro que lhe caiu no colo e ela projeta explorar em todo o seu esplendor.
Todos os 118 minutos deste
filme são emocionantes na sua malvadez, na sua história retorcida mas que nos
parece próximo do possível e nos faz sentir inquietos com tamanha injustiça. Quase
sentimos alívio quando começamos a perceber que Jennifer Peterson não é bem o
que parece, só que a sua relação com Roman Lunyov (Peter Dinklage, mais
conhecido como o anão Tyrion Lannister em Game of Thrones) também não nos
transmite sossego. São só vilões, todos maus, mas aqui a diversão já continua
com outro ânimo porque ganhamos a espectativa de que Marla não obterá os seus
intentos, mantendo-nos interessados e a tentar adivinhar o próximo passo desta
rocambolesca história.
Rosamund Pike está notável
neste desempenho de uma pessoa profundamente horrível, socialmente desdenhosa,
perversa, com um belo sorriso aterrador, porque encerra o quanto de pior a
espécie humana possui. O argumento está muito bem conseguido e J. Blakeson
merece parabéns como autor, inspirado por casos publicados no The New Yorker que
usam vazios legais não revistos com mais de 800 anos, sobre a proteção de
idosos, e realizador porque, com graça e emoção concebeu uma história com vários
twists imprevisíveis que nos divertem
e emocionam. Recomendo vivamente, em exibição na Netflix.
Classificação: 7 numa escala
de 10