Sinopse
A rotina de María (Noomi Rapace) e Ingvar, (Hilmir
Snær Guðnason), um casal que vive na Islândia rural, é interrompida quando
descobrem um bizarro recém-nascido no seu curral de ovelhas. Este evento leva o
casal a tomar uma decisão que desafia as leis da natureza, com a perspetiva
inesperada de uma vida familiar poder trazer-lhes muita felicidade… antes de
começar a destruí-los.
Opinião
por Artur Neves
Este filme, que caberá na
classificação de suspense e fantasia,
apesar da qualidade da interpretação dos seus intérpretes, comedido,
fundamentalmente usando imagens que valem pelo que significam, com poucas
falas, pode entediar-nos se não tivermos conhecimento da figura mitológica de “Pã”,
o deus grego dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores assumindo um
comportamento maioritariamente protetor, embora possa ser vingativo para quem
não cuida da natureza e destrói a flora e a fauna. É representado com orelhas
longas e chifres, tronco humano e pernas de bode, andando em duas patas e
carregando consigo um flauta. Os caminhantes noturnos dos bosques, que andam
sem destino, possuídos por solidão que os predispõem a terrores súbitos sem
causa aparente, podem ser acometidos de pânico, ou seja: medo de “Pã”.
O livro “O grande Deus Pã”
escrito por Arthur Machen dá-nos uma visão algo diferente, não tão bucólica,
mas antes destruidora e maligna, cheio de desejo sexual insaciável, sem
escrúpulos, que está mais de acordo com o papel que lhe cabe nesta história,
porque ele encarna uma tendência comum a todo o universo.
O filme começa por nos
apresentar o casal que vive numa casa no meio de nada. Eles estão equipados
para as suas necessidades, com motocultivadores e um carro para deslocação à
vila, familiarizando-nos com o ambiente frio, a paisagem sempre coberta de neve
e eles fazem o que é necessário debaixo de chuva e de vento, porem, apesar de
se entreajudarem e colaborarem em todas as tarefas o seu semblante é monótono,
triste e sem vida. As cenas são interpretadas pelas ações dos personagens,
cumprindo o calendário da vida no local, com pouquíssimos diálogos, mostrando-nos
os grandes planos da região vazia, montanhosa, embora bela e envolvente. Os olhares
silenciosos entre Ingvar e Maria deixam transparecer um luto dolorido por
continuarem sós, os dois estão isolados naquela imensidão geográfica e vivem
sem interferências externas e estão preparados para eventos inexplicáveis, que
nós, tal como eles, esperamos que aconteçam.
Uma das tarefas realizadas
pelos dois é a alimentação dos cordeiros e a ajuda aos partos que ocorrem. Numa
dessas alturas um acontecimento bizarro ocorre quando o terceiro filho de uma
ovelha apresenta uma forma hibrida entre animal e humano a que ela batiza
imediatamente por Ada e toma-a no colo sem que nós vejamos declaradamente a sua
forma particular. É aqui que temos de pensar que a aceitação imediata da filha
de um sátiro, de Pã, ou seja lá de que pai deu à vida aquele nascimento. A
história não está nem um pouco interessada em teorizar a essência do seu aparecimento,
mas antes o facto de a sua existência provocar alterações dos relacionamentos
entre humanos e com criaturas de outra natureza o que pressupõe que essa coabitação
entre partes diferentes da natureza não pode ser apaziguadamente entronizada.
Desde o início daquele
nascimento, as coisas complicam-se quando a mãe natural, a ovelha que a pariu,
reclama a sua presença, balindo continuamente para reclamar a sua posse. Maria
resolve as coisas matando a mãe natural, reconhecendo assim uma falha da
natureza e assumindo o papel da ovelha que matou. Curiosamente é de Maria que
depende todas as decisões e Ingvar aceita placidamente todos os acontecimentos
seja em que sentido for.
Ficamos a saber que Ingvar
tem um irmão que subitamente chega ao lugar, como que introduzindo um fator
desiquilibrante na relação entre os dois. Pétur (Björn Hlynur Haraldsson) tem dificuldade
em aceitar Ada, aquele ser hibrido que ele não consegue classificar como pessoa
ou animal. Mais uma vez é Maria que o põe fora de casa levando-o á paragem do transporte
e dando-lhe algum dinheiro para que ela não volte. Ele não pertence aquela
história nem tem lugar ali. Só nos resta agora dar corpo às sombras, aos passos
furtivos, ao horror mitológico que de súbito se revela para levar o que lhe
pertence. Só Maria fica viva, não somente para ver quem leva a sua filha, mas
também para chorar a morte do marido e para sentir a completa solidão por ter
mandado embora o seu cunhado.
Este filme é a primeira
longa metragem de Valdimar Jóhannsson, um realizador Islandês que até agora só
tinha sido responsável de efeitos especiais e conseguiu com este argumento de
horror mitológico manter um elevado grau de imprevisibilidade, um bom suspense dramático com uma história
simples embora complexa, que justifica ficarmos atentos aos seus próximos
trabalhos. Muito interessante.
NOTA: O poster publicado não
é o oficial do filme, mas eu escolhi-o por representar com mais propriedade os
dois elementos fundamentais da história.
Tem estreia prevista em sala
dia 31 de Março
Classificação: 7 numa escala
de 10
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