25 de janeiro de 2018

Opinião – “Chama-me pelo teu Nome” de Luca Guadagnino

Sinopse

Verão de 1983, norte de Itália. Elio Perlman (Timothée Chalamet), um precoce rapaz italo-americano de 17 anos, passa as férias na casa de família, uma mansão do século XVII, a transcrever e tocar música, a ler e a nadar. Elio tem uma relação próxima com o seu pai (Michael Stuhlbarg), um famoso professor especializado em cultura greco-romana, e a sua mãe Annella (Amira Casar), tradutora. Apesar da sua educação sofisticada e talento natural, Elio continua a ser bastante inocente, principalmente em assuntos do coração.

Opinião por Artur Neves

O amor, tão profusamente abordado em cinema, tem nesta história um lugar de destaque em toda a obra, não só pela abordagem que lhe foi feita, como pela delicadeza pueril com que se conta a história do despertar da sexualidade de um jovem e do amor que este dirige para outro homem, adulto jovem, também gentil e delicado, embora com uma presença de “estrela de cinema”, por vir da América, pela sua estatura atlética, simpático, disponível e atraente logo ao primeiro contacto.
Luca Guadagnino, de origem Italiana, nascido em Palermo em 1971, apresenta-nos agora o ultimo romance da trilogia “Desejo” escrita por André Aciman, utilizada para argumento dos filmes; “Eu sou o Amor” de 2009 e “Mergulho Profundo” em 2015, também realizados por ele com assinalável êxito.
A história decorre numa quinta de uma família abastada e culta que não descura a educação de Elio embora lhe permita toda a liberdade de que ele precisa para crescer e evoluir de modo sadio e civilizado. Naquele verão Elio descobre a sua sexualidade no relacionamento com Chiara (Victoire do Bois) mas vacila na sua orientação entrando em competição com outras raparigas do lugar que se sentem atraídas por Oliver (Arnie Hammer) o charmoso investigador universitário americano que vem concluir a sua formação em cultura greco-romana com o pai de Elio, especialista na matéria.
Oliver corresponde ao chamamento de Elio e ambos vivem em segredo uma relação de amor e de desejo que começa num companheirismo afetivo e evolui para níveis superiores de pertença, permitindo-lhes viverem naquele cálido verão o amor das suas vidas. O brilhantismo do filme assenta portanto na evolução de um relacionamento “fora da caixa” contado durante 132 minutos de modo a esmiuçar os pormenores da descoberta de si, através duma paixão acidental, mas avassaladora que lhes veio revelar as suas verdades intrínsecas e provar que a nossa vida é feita por nós próprios e pelas escolhas que assumimos em determinadas alturas.
A reboque do amor também lá estão ilustrados; o ciúme, a dúvida decorrente da entrega que leva à frustração quando sentimos que o tempo muda tudo, até o grande primeiro amor das nossas vidas. Extraordinariamente bem contado é um filme que se vê sem pressa, permitindo-nos compreender as personagens nas suas expectativas e prazer mas precisa ser encarado sem convencionalismos nem ideias feitas, aceitando que o amor é um sentimento de “banda larga”. A ver recomendo

Classificação: 8,5 numa escala de 10

23 de janeiro de 2018

Opinião – “Maze Runner – A Cura Mortal” de Wes Ball

Sinopse

Em “Maze Runner: A Cura Mortal”, Thomas lidera o seu grupo de Clareirenses na sua última e mais perigosa missão. Para salvar os seus amigos, eles devem invadir a lendária Última Cidade, um labirinto controlado pela CRUEL que pode vir a ser o labirinto mais mortal de todos. Qualquer um que consiga sair de lá com vida, receberá respostas às perguntas que os Clareirenses têm feito desde que chegaram ao labirinto.

Opinião por Artur Neves

Na sequência de “Maze Runner – Correr ou Morrer” em 2014 e “Provas de Fogo” em 2015, surge agora mais este filme em 2018 que embora sem dar declaradamente continuidade às histórias anteriores cumpre o conteúdo do 3º livro desta saga de: James Dashner, escritor de histórias de ficção especulativa, histórias infantis e de fantasia para crianças e adultos.
Deste modo, este 3º filme repleto de aventura e de efeitos especiais, recheado de ação e conduzido pela mão de Wes Ball, também realizador dos dois filmes anteriores, inclui sequências de perder o fôlego quer pela sua ousadia de representação como pela impossibilidade de ocorrência real. Como o fim último é o entretenimento e a fruição de uma aventura improvável num mundo distópico, tudo é permitido e o espetador deve saber ao que vem e intuir o que o espera.
De livro para livro as histórias não apresentam propriamente uma sequência de eventos nem um fio condutor, mas são desempenhados pelos mesmos personagens que nos filmes, Wes Ball conseguiu que fossem sendo interpretados pelo mesmo lote de atores que decorrente do seu crescimento como pessoas, implica diferentes relações entre si nas ações em que estão envolvidos.
A história é muito simples, como convém em filmes que privilegiam a componente visual da ação e da aventura que neste filme toma grande dimensão potenciado pela sua realização em 3D. Trata-se de combater a instituição CRUEL, que escraviza humanos saudáveis para servirem de cobaias nos testes de desenvolvimento de uma vacina e de um antídoto para combater um vírus que transforma os humanos em zombies, mas não a disponibilizando universalmente para assim conseguir um controlo seletivo de raça e de espécie, de acordo com as suas necessidades de domínio hegemónico, efetuando uma segregação discricionária e injusta.
Tenho recebido vários comentários de pessoas que não são sensíveis às imagens estereoscópicas produzidas em filmes com tecnologia 3D e lamento que assim seja porque esta técnica está particularmente adequada a filmes de ação como este em que metade do seu interesse reside precisamente no reconhecimento da tridimensionalidade dos objetos que inserem o espetador na história, tornando o espetáculo mais imersivo do ponto de vista visual. Para além disto, o que fica é realmente muito pouco, uma história poucochinha de um amor atraiçoado, uma aliança entre machos que se entreajudam e emocionantes aventuras e batalhas que devem parte do seu fulgor à tecnologia 3D, sem a qual parecerão banais.

Classificação: 4 numa escala de 10

10 de janeiro de 2018

Opinião – “O Sacrifício de um Cervo Sagrado” de Yorgos Lanthimos

Sinopse

Steven é um cardiologista conceituado, casado com Anna, com quem tem dois filhos. Já algum tempo que ele mantém contacto frequente com Martin, um adolescente cujo pai morreu na mesa de operação, justamente quando estava a ser operado por Steven. A relação entre ambos é de uma cumplicidade enorme que o médico decide apresentá-lo à família. Entretanto o jovem sente que não está a receber a mesma dedicação e por isso, decide elaborar um plano de vingança.

Opinião por Artur Neves

Em 2009 Yorgos Lanthimos torna-se notado no mundo cinematográfico com o filme “Canino” que mostrava uma forma algo estranha de educar jovens, neste caso os jovens eram filhos do próprio educador que apresentava tendências despóticas e autoritárias, provocando nos filhos, revolta e o inerente desequilíbrio de personalidade. Mas tudo bem a história continha também uma crítica implícita ao modo de educação apresentado e o filme ficou como uma referência temática.
Em 2015 este realizador Grego nascido em 1973 em Atenas apresentou-nos “A Lagosta” como sendo uma forma inovadora de tratar os desequilíbrios mentais de pessoas em qualquer idade, tendo o filme sido premiado em festivais, considerando alguma razoabilidade do argumento que embora ficcional e fantasista, mostrava coerência na ação desenrolada na história.
Agora em 2017 Yorgos apresenta-nos esta história que pretende ser um filme sobre a culpa, pois um médico faz amizade e tenta compensar o filho do homem que morreu às suas mãos quando ele o operava debaixo do efeito do álcool. Esta relação é-nos apresentada sob contornos dúbios pois mostra-nos um afeto de obrigação, sem carinho explícito mas com um desvio “subliminar” para a perversão sexual velada e nunca assumida por qualquer dos intervenientes, que sugere alguma perplexidade ao espectador.
A mulher do médico Anna (Nicole Kidman) vive com este, Steven (Colin Farrell), numa bela casa nos arredores da cidade e ambos disfrutam de um ambiente social de classe média alta em que a sua relação íntima é-nos apresentada distorcida, considerando que na preparação para um contacto amoroso de índole sexual a mulher faz-se de morta sendo nessa condição possuída pelo marido, indiciando mais fortemente uma perturbação de personalidade já aflorado anteriormente na relação com o rapaz.
Este rapaz, por seu lado, mostra descontentamento no nível de relação do médico com ele e roga-lhe uma praga de morte a toda a família a menos que um dos elementos seja sacrificado como compensação para a morte do seu pai, sem que se saiba qual é o poder que o rapaz tem sobre ele, exceto a acusação de culpa pela morte do seu pai. A partir daqui a punição (segundo a mitologia Grega) que dá o nome ao filme (em que Ifigénia é sacrificada em benefício do cervo sagrado) vai cumprir-se e o sacrifício do seu próprio filho é executado como compensação pela morte que ele infligiu ao seu paciente durante a operação falhada por sua própria responsabilidade.
É pois este imbróglio que Yorgos apresenta ao espectador com este filme, mas de uma forma algo “doutoral”, ensimesmado pela representação que deu à imputação da “culpa”, incluindo uma superioridade paternalista, através de personagens sem espessura que nunca chegamos a conhecer ou sequer a fazer um juízo concreto das suas atitudes, porque no cerne deste filme de Yorgos, ele está lá para nos dizer precisamente tudo o que precisamos de saber, cabendo ao espectador apenas ver e ouvir sem quaisquer outros comentários. Passou-se!...

Classificação: 4 numa escala de 10

8 de janeiro de 2018

Opinião – “Três Cartazes à Beira da Estrada” de Martin McDonagh

Sinopse

“Três Cartazes à Beira da Estrada” é uma comédia dramática do vencedor do Oscar Martin Mcdonagh com; “Em Bruges”. Depois de meses sem ser encontrado o culpado no caso do homicídio da sua filha, Mildred Haynes (vencedora de um Oscar Frances McDormand) faz uma jogada ousada ao alugar três cartazes à entrada da cidade com uma mensagem polémica dirigida a William Willoughby (nomeado para o Oscar Woody Harrelson), o respeitado chefe de polícia da cidade. Mas quando o seu adjunto Dixon (Sam Rockwell), um menino da mamã imaturo com uma inclinação para a violência, se envolve, a batalha entre Mildred e a lei de Ebbing, descontrola-se.

Opinião por Artur Neves

Temos de volta uma história da América profunda que neste filme acentua o caráter rural e atávico de uma comunidade fechada sobre si própria, envolvida mas em paz com os seus próprios problemas desde que eles não agitem a pacatez social e a ordem estabelecida, permitindo a cada um fazer e agir como melhor lhe aprouver e até manter uma polícia local que cultiva o que de pior a América tem em preconceito racial, homofobismo, laxismo e inépcia operacional.
A história é simples e direta (como é apanágio dos vencedores) e o ambiente criado assemelha-se ao oscarizado filme de 2007; “Este País não é para Velhos”, embora menos violento, mais mordaz e cínico do ponto de vista da crítica social que a história aborda, através de personagens fortes e bem caracterizados pelos atores acima mencionados que criam a tensão perfeita nesta “comédia negra” já galardoada na 75ª edição dos Globos de Ouro 2018 na categoria; Melhor Drama.
A utilização dos cartazes à beira da estrada para denunciar a dor de uma mãe pela perda de uma filha, num hediondo crime sexual ainda impune é o gatilho que afeta transversalmente toda a sociedade da cidade de Ebbing no estado do Missouri, provocando as mais díspares reações sociais, a favor e contra a denúncia, que põem a nu as contradições das forças vivas mais representativas e estimáveis da cidade, tais como a lei e a religião que se sentem atingidas na sua missão de ordem, a primeira, e de fé conformista, a segunda, cuja agitação em curso não lhe é favorável à sua progressão.
Como se tudo não bastasse, nos “subterrâneos” da alma de cada um dos humanos envolvidos naquele drama emergem todos os conflitos e compromissos latentes estabelecidos no passado que agora emergem e se confrontam entre si, revelando as suas naturezas, os seus pecados e a vergonha de os terem cometido em momentos de fraqueza e que atualmente colidem frontalmente com a dor do momento.
Muito bem estruturado e interpretado este filme vê-se, por vezes com um sorriso amargo, e noutras como um murro no estomago, pelas palavras contidas nas cartas do chefe da polícia William Willoughby antes do seu suicídio, tentando corrigir in extremis tudo o que de muito mau foi cometido nesta história. A ver, recomendo vivamente.

Classificação: 8,5 numa escala de 10