25 de janeiro de 2016

Opinião – “O Padrinho” de Francis Ford Coppola

 
Sinopse:
Baseado no romance best-seller de Mário Puzo, o filme acompanha o patriarca da família mafiosa Corleone e toda a ascensão do clã siciliano e da sua quase perda de poder na América. Retrato da vida familiar e do negócio criminoso dos Corleone.
 
Opinião por Marta Nogueira
"A man who doesn't spend time with his family, can never be a real man."
Don Vito Corleone (Marlon Brando)
 
Para falar d' O Padrinho poder-se-ia escrever uma tese (como decerto já alguém se terá lembrado de fazer). Material não faltaria. As conotações são múltiplas. O espectro de história coberta também. O Padrinho atravessa várias culturas (não apenas a americana), várias tribos sociais (não apenas a Máfia) e centra-se na trave mestra sustentadora de qualquer sociedade, que é universal - a família, os laços de consanguinidade, a fidelidade (ou infidelidade) fraterna.
Para começar, poder-se-á afirmar que O Padrinho é uma saga trágica moderna, à maneira da tragédia grega clássica, com todos os ingredientes daquela transpostos para a actualidade.
A história d'O Padrinho é muito simples, percorrendo uma linha com princípio, meio e fim, muito fácil de resumir: Vito Corleone (Robert De Niro como jovem Vito, depois Marlon Brando como o patriarca Vito) emigra da Sicília para os EUA, onde constrói um poderoso negócio mafioso e se torna numa das famiglias que comandam o submundo do crime nova-iorquino. Vito tem 4 filhos - o irascível Sonny (James Caan), o doce Fredo (John Cazale), o corajoso patriota Michael (Al Pacino) e a única mulher Connie (Talia Shire - irmã de Coppola) e ainda um quinto filho adoptivo, Tom (Robert Duvall), o advogado da família. É suposto que seja Sonny o sucessor de Vito, o que tem mais fibra e garra e que parece seguir as pisadas do seu pai em todos os aspectos. Fredo é demasiado mole, Michael demasiado honesto (na verdade, ele nunca quis ter nada que ver com os negócios pecaminosos da famiglia), e Connie é mulher, arredada portanto, por género, da corrida. Mas Sonny é também o que mais pêlo na venta tem e essa ira terá como consequência a sua morte prematura, num assassínio vingativo que ficou para a história do Cinema como a morte com o maior número de balas jamais atirado sobre um só homem.
E é então que o reticente Michael, o filho pródigo que combateu pelo país na Guerra, porque a famiglia e os seus laços clamam mais forte, assume o papel de novo Padrinho, sucedendo ao seu pai defunto. À frente da família, Michael irá revelar uma personalidade de ferro, oposta a tudo o que a maioria dos cépticos preconizava como um falhanço total e conduzir a famiglia por negócios ambiciosos e prósperos.
Os dois primeiros capítulos da saga estão resumidamente contados. No terceiro capítulo, Michael tenta, em vão, legitimar o negócio, com ligações ao Vaticano e ao próprio Papa, desesperado por recuperar a sua família perdida - a mulher Kay (Diane Keaton), que de si se divorciou e a filha Mary (Sofia Coppola - filha de Coppola), prestes a perder-se irremediavelmente numa relação incestuosa com o seu primo direito, Vincent (Andy Garcia), filho ilegítimo do defunto tio Sonny. Vincent, por sua vez, personifica a amálgama das personalidades dos 4 irmãos juntos e será ele o sucessor de Michael.
No final, o sacrifício supremo - a bala que estava destinada a Michael, atravessa o corpo da filha e aquele perde tudo, para sempre.
A história, como as antigas tragédias gregas, é simples. A sua riqueza, o seu corpo, a sua complexidade e sumo, como nas antigas tragédias gregas, reside na intrincada teia de relacionamentos tecidos entre cada um dos seus personagens e no caldeirão de emoções habilmente esculpidos pelo mestre Mario Puzo (o escritor e argumentista), pintadas pelo mestre Francis Ford Coppola (argumentista e realizador) e animadas pelo fabuloso ensemble de actores reunidos nesta saga.
Finalmente, O Padrinho conta ainda com um ingrediente extra, difícil de superar - Marlon Brando, o extraordinário joker (como se lhe referiu Coppola quando com ele filmou mais tarde Apocalipse Now), um actor capaz de impossíveis extraordinários como o de transformar o corpo de um homem de 40 anos no de um decano de 60 e muitos, com tiques carismáticos que têm sido imitados por dezenas de outros actores e em dezenas de outros filmes e séries e que os verdadeiros mafiosi aplaudiram como a mais fiel e digna representação de si próprios no grande écran, ou em qualquer outro écran. Tudo isto sem transformar o personagem numa caricatura ridícula e inverosímil, mas conferindo-lhe a dimensão profundamente humana que sempre, sempre, em tudo o que fez, oferecia aos personagens a que dava vida (o pormenor do gato que acaricia em algumas cenas foi sua proposta, como muitas outras, e é, para mencionar apenas este, um toque de génio absoluto - estamos o filme inteiro à espera que aquele pescoço seja torcido, sem que isso aconteça jamais e por mais vezes que vejamos o filme, este receio nunca desaparece). Quando morre, provavelmente a melhor cena cinematográfica que um actor jamais representou no grande écran - todos choramos por ele. Porque aquele homem se nos entranhou na pele, a cinzel. Tivemos medo dele, assustou-nos, rimo-nos com ele, tivemos pena e identificámo-nos consigo. Ele enterneceu-nos, maravilhou-nos, odiámo-lo e amámo-lo, mas jamais lhe ficámos indiferentes. Quando morre, acreditamos realmente que morreu, não apenas porque a representação realista da sua morte é magistral, como sobretudo porque toda a história que construiu até àquele momento sustenta tudo o que sentimos.
O Padrinho é um mosaico extraordinariamente bem construído da máfia americana e dos seus tentáculos que se estendem pelas seis décadas da história moderna.
O Padrinho é um mosaico riquíssimo da história de uma única família, dos seus amores, das suas paixões, das suas lutas, dos seus negócios, das suas tempestades, dos seus laços e das suas tragédias.
O Padrinho é a história de um homem e do seu percurso desde a pequena vila de Corleone na Sicília, até ao rendilhado de pedra e aço da metrópole americana.
E O Padrinho é uma obra-prima de representação, construída com a maturidade, a paixão e a inesgotável jocosidade do Mestre dos Mestres da representação - Marlon Brando.
Por tudo isto, O Padrinho é uma obra incontornável, para qualquer espectador, cinéfilo ou não.

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