Sinopse:
Baseado no romance best-seller de
Mário Puzo, o filme acompanha o patriarca da família mafiosa Corleone e toda a
ascensão do clã siciliano e da sua quase perda de poder na América. Retrato da
vida familiar e do negócio criminoso dos Corleone.
Opinião por
Marta Nogueira
"A man who doesn't spend time with his family, can
never be a real man."
Don Vito
Corleone (Marlon Brando)
Para falar d' O Padrinho poder-se-ia escrever uma tese
(como decerto já alguém se terá lembrado de fazer). Material não faltaria. As
conotações são múltiplas. O espectro de história coberta também. O Padrinho
atravessa várias culturas (não apenas a americana), várias tribos sociais (não
apenas a Máfia) e centra-se na trave mestra sustentadora de qualquer sociedade,
que é universal - a família, os laços de consanguinidade, a fidelidade (ou
infidelidade) fraterna.
Para começar, poder-se-á afirmar que O Padrinho é uma saga
trágica moderna, à maneira da tragédia grega clássica, com todos os
ingredientes daquela transpostos para a actualidade.
A história d'O Padrinho é muito simples, percorrendo uma
linha com princípio, meio e fim, muito fácil de resumir: Vito Corleone (Robert
De Niro como jovem Vito, depois Marlon Brando como o patriarca Vito) emigra da
Sicília para os EUA, onde constrói um poderoso negócio mafioso e se torna numa
das famiglias que comandam o submundo do crime nova-iorquino. Vito tem 4
filhos - o irascível Sonny (James Caan), o doce Fredo (John Cazale), o corajoso
patriota Michael (Al Pacino) e a única mulher Connie (Talia Shire - irmã de
Coppola) e ainda um quinto filho adoptivo, Tom (Robert Duvall), o advogado da
família. É suposto que seja Sonny o sucessor de Vito, o que tem mais fibra e
garra e que parece seguir as pisadas do seu pai em todos os aspectos. Fredo é
demasiado mole, Michael demasiado honesto (na verdade, ele nunca quis ter nada
que ver com os negócios pecaminosos da famiglia), e Connie é mulher, arredada
portanto, por género, da corrida. Mas Sonny é também o que mais pêlo na venta
tem e essa ira terá como consequência a sua morte prematura, num assassínio
vingativo que ficou para a história do Cinema como a morte com o maior número
de balas jamais atirado sobre um só homem.
E é então que o reticente Michael, o filho pródigo que
combateu pelo país na Guerra, porque a famiglia e os seus laços clamam mais
forte, assume o papel de novo Padrinho, sucedendo ao seu pai defunto. À frente
da família, Michael irá revelar uma personalidade de ferro, oposta a tudo o que
a maioria dos cépticos preconizava como um falhanço total e conduzir a famiglia
por negócios ambiciosos e prósperos.
Os dois primeiros capítulos da saga estão resumidamente
contados. No terceiro capítulo, Michael tenta, em vão, legitimar o negócio, com
ligações ao Vaticano e ao próprio Papa, desesperado por recuperar a sua família
perdida - a mulher Kay (Diane Keaton), que de si se divorciou e a filha Mary
(Sofia Coppola - filha de Coppola), prestes a perder-se irremediavelmente numa
relação incestuosa com o seu primo direito, Vincent (Andy Garcia), filho
ilegítimo do defunto tio Sonny. Vincent, por sua vez, personifica a amálgama
das personalidades dos 4 irmãos juntos e será ele o sucessor de Michael.
No final, o sacrifício supremo - a bala que estava
destinada a Michael, atravessa o corpo da filha e aquele perde tudo, para
sempre.
A história, como as antigas tragédias gregas, é simples. A
sua riqueza, o seu corpo, a sua complexidade e sumo, como nas antigas tragédias
gregas, reside na intrincada teia de relacionamentos tecidos entre cada um dos
seus personagens e no caldeirão de emoções habilmente esculpidos pelo mestre
Mario Puzo (o escritor e argumentista), pintadas pelo mestre Francis Ford
Coppola (argumentista e realizador) e animadas pelo fabuloso ensemble de
actores reunidos nesta saga.
Finalmente, O Padrinho conta ainda com um ingrediente
extra, difícil de superar - Marlon Brando, o extraordinário joker (como se lhe
referiu Coppola quando com ele filmou mais tarde Apocalipse Now), um actor
capaz de impossíveis extraordinários como o de transformar o corpo de um homem
de 40 anos no de um decano de 60 e muitos, com tiques carismáticos que têm sido
imitados por dezenas de outros actores e em dezenas de outros filmes e séries e
que os verdadeiros mafiosi aplaudiram como a mais fiel e digna representação de
si próprios no grande écran, ou em qualquer outro écran. Tudo isto sem
transformar o personagem numa caricatura ridícula e inverosímil, mas
conferindo-lhe a dimensão profundamente humana que sempre, sempre, em tudo o
que fez, oferecia aos personagens a que dava vida (o pormenor do gato que
acaricia em algumas cenas foi sua proposta, como muitas outras, e é, para
mencionar apenas este, um toque de génio absoluto - estamos o filme inteiro à
espera que aquele pescoço seja torcido, sem que isso aconteça jamais e por mais
vezes que vejamos o filme, este receio nunca desaparece). Quando morre,
provavelmente a melhor cena cinematográfica que um actor jamais representou no
grande écran - todos choramos por ele. Porque aquele homem se nos entranhou na
pele, a cinzel. Tivemos medo dele, assustou-nos, rimo-nos com ele, tivemos pena
e identificámo-nos consigo. Ele enterneceu-nos, maravilhou-nos, odiámo-lo e
amámo-lo, mas jamais lhe ficámos indiferentes. Quando morre, acreditamos
realmente que morreu, não apenas porque a representação realista da sua morte é
magistral, como sobretudo porque toda a história que construiu até àquele
momento sustenta tudo o que sentimos.
O Padrinho é um mosaico extraordinariamente bem construído
da máfia americana e dos seus tentáculos que se estendem pelas seis décadas da
história moderna.
O Padrinho é um mosaico riquíssimo da história de uma única
família, dos seus amores, das suas paixões, das suas lutas, dos seus negócios,
das suas tempestades, dos seus laços e das suas tragédias.
O Padrinho é a história de um homem e do seu percurso desde
a pequena vila de Corleone na Sicília, até ao rendilhado de pedra e aço da
metrópole americana.
E O Padrinho é uma obra-prima de representação, construída
com a maturidade, a paixão e a inesgotável jocosidade do Mestre dos Mestres da
representação - Marlon Brando.
Por tudo isto, O Padrinho é uma obra incontornável, para
qualquer espectador, cinéfilo ou não.