18 de dezembro de 2021

Opinião – “The King's Man: O Início” de Matthew Vaughn

Sinopse

Enquanto um conjunto dos piores tiranos e mentores da história do crime se reúnem para planear uma guerra para exterminar milhões, um homem deve correr contra o tempo para os deter. Descubra as origens da primeira agência de inteligência independente em "The King's Man: O Início".

Opinião por Artur Neves

O cinema reúne e possui a infinita capacidade de exercer a sua visão da história recente ou passada da maneira que mais lhe convém, mas decorrente dessa liberdade também deve assumir a obrigação de não se afastar dos factos tão completamente ao ponto de os substituir por uma macacada que só remotamente, em nomes de intervenientes e datas se reportem a essa história que pretende abordar por um ponto de vista diferente, ou como motivo para uma ficção atual fundamentada no passado. Nestes termos o cinema nega uma das suas mais nobres missões que é ser; um veículo lúdico de cultura.

Se cito isto é por respeito ao público alvo, maioritariamente jovem e com interesses bem diferentes das longínquas razões que fundamentaram a 1ª guerra mundial, que pelo desconhecimento dos factos reais e de nem sequer lhe sentirem os ecos políticos ou qualquer informação sobre o cheiro fétido das trincheiras e dos gaseados que por lá morreram, poderem na sua inocência, pensar, que o que lá se passou tem alguma relação com a macacada de que este filme se serve para se alimentar. Para todos esses, eu recomendo verem urgentemente “1917” de 2019, realizado por Sam Mendes e já comentado neste blogue.

Posto isto, podemos então referir que Matthew Vaughn, realizador e argumentista desta prequela, possivelmente entusiasmado pelo relativo êxito de “Kingsman: O Serviço Secreto” de 2014 onde Colin Firth armado em agente secreto muito British, elegante e bem vestido, mata secamente um extremista de forma pouco convincente, e de “Kingsman: O Círculo Dourado” de 2017 mais agitado, barulhento e estúpido que o primeiro, assume esta realização retrocedendo na linha do tempo, começando na África do Sul e na guerra com os Bóeres, (antigos colonizadores britânicos que queriam dominar o território e foram os responsáveis pela política de apartheid que durante muitos anos dominou o povo e o país) e termina no conflito europeu da 1ª guerra mundial. Honra lhe seja feita pelo menos, ao referir o triunvirato absolutamente louco que dominava a Europa na época, entre o rei George da Grã-Bretanha, o Kaiser Wilhelm da Áustria e o czar Nicolau II da Rússia, todos primos entre si pela existência de casamentos consanguíneos nas famílias imperiais que queriam manter o seu poder à custa de cruzamentos restritos, sempre combinados, entre os membros dessas famílias. É essa loucura tresloucada que faz o Duque de Oxford, Orlando (Ralph Fiennes) pretender constituir uma equipa, que operando em segredo e no mais rigoroso sigilo de meios, possa construir a paz e o progresso num mundo dominado por psicopatas e burocratas, embora nobres e aristocratas super ricos.

Do lado da Rússia, quem dominava a família imperial e a submetia à sua vontade era um monge religioso Grigori Rasputin (Rhys Ifans) místico, déspota e infame em todos os aspetos que mantém até hoje alguma dúvida sobre os seus reais poderes mediúnicos, não se parece nem de longe, com a caricatura carnavalesca de olhos esbugalhados que contracena com o Duque de Oxford quando este o pretende matar e trava com ele uma luta em forma de balet dançante que se aprecia com gosto, mas que não retrata de modo algum o poder e a discricionariedade do místico déspota. Todavia do ponto de vista do filme, encarado somente como uma inconsequente brincadeira para nos ocupar durante 131 minutos o personagem construído por Rhys Ifans está fabuloso, com uma cena de lambidela que vai ficar nos anais do cómico escabroso. Não tem é qualquer relação com o personagem que lhe deu origem e para quem não conhece o terror que foi Rasputin pode até branqueá-lo.

Deste modo o filme de Vaughn apresenta-nos, sobre uma capa de seriedade, um humor sem sentido, com algumas piadas no limite do aceitável, com alguns momentos pretensamente sérios, especialmente com o personagem de Ralph Fiennes, que podemos dizer que “carrega o filme às costas” de tão extensa que se torna a sua presença e faz o melhor que pode e sabe para imprimir alguma dignidade ao processo. Como entretenimento puro o filme até funciona razoavelmente com cenas de ação emotivas, excessivamente construídas é certo, mas ainda assim compatíveis com a diversão pura que pretende, quase recriando o ambiente dos super heróis que de todo, não são para aqui chamados. O que trama a história é a sua premissa ridícula, incorreta, deturpadora da realidade mas que a faz parecer satisfeita consigo mesmo, o que de todo não merece.

Tem estreia prevista em sala em 22 de dezembro

Classificação: 4 numa escala de 10

 

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