9 de novembro de 2021

Opinião – “Os Inocentes” de Eskil Vogt

Sinopse

Quatro crianças tornam-se amigas durante as férias de verão. Fora da vista dos adultos, descobrem que têm poderes escondidos. Enquanto exploram as suas habilidades recém-descobertas em florestas e parques das proximidades, a brincadeira inocente sofre uma reviravolta sombria e coisas estranhas começam a suceder. Estreia mundial na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes.

Opinião por Artur Neves

Os filmes escandinavos apresentam normalmente uma visão particular para a vida e para as suas idiossincrasias, diferente das que os anglo-saxónicos, ou os latinos como nós as vêm, e este filme mostra com realismo essa diferença. Escrito e realizado por Eskil Vogt de nacionalidade Norueguesa, este filme é o seu segundo trabalho, que sucedeu a “Blind” de 2014 não estreado entre nós, mas que foi destacado no Festival de Sundance desse ano, com o prémio de Melhor Argumento.

A história deste filme sobre o tema de terror artístico, aborda o mundo solitário da infância, antes da entrada na adolescência, onde tudo é misterioso porque desconhecido, mas é objeto de exploração dedicada e sinceridade arrepiante por falta da noção de valor dos seus atos, podendo atingir a extrema violência devido à utilização de capacidades excecionais usadas impensadamente, servindo-se de uma abordagem sobrenatural raramente utilizada em filmes do género, de cariz sensorial e sem recurso a fantasmas, ou bruxas, ou sombras que assustam criancinhas e invadem os seus sonhos, macumbas ou vodus, e outros clichés tradicionais dos chamados filmes de terror, sem contudo deixar de ser realista e violento.

A história desenvolve-se em torno de quatro crianças, Ida (Rakel Lenora Fløttum) irmã mais nova de Anna (Alva Brynsmo Ramstad) que sofre de autismo e forte perturbação motora e da fala, Aisha (Mina Yasmin Bremseth Asheim) uma menina, talvez originária da Etiópia, muito alegre e desembaraçada que apresenta faculdades especiais no espectro auditivo e Ben (Sam Ashraf) que lentamente começa a aperceber-se de faculdades extraordinária do seu cérebro em controlar objetos e mais tarde pessoas, quer na interação próxima como remota.

É a relação entre estes quatro miúdos que desenvolvem toda a história. Ida, Anna e os pais mudaram-se recentemente para este bairro na periferia de Oslo, implantado num bosque e com acesso a uma praia. Tem um parque de diversões infantil e boas acessibilidades por onde Ida deambula para se integrar na área, umas vezes acompanhada pela irmã Anna, outras sozinha, numa das quais, trava conhecimento com Ben, com quem socializa facilmente e juntos caminham pelo bosque, descobrindo o terreno e descobrindo as suas particularidade individuais. Posteriormente, ambos encontram Aisha que imediatamente é integrada no grupo. Os três, primeiro, e por vezes os quatro, quando Anna acompanha Ida, vão descobrindo as suas potencialidades, telequinésicas no caso de Ben e extra auditivas no caso de Aisha que reúne condições excecionais para comunicar com Anna, recebendo as ondas mentais da sua atividade cerebral que ela não consegue transformar em palavras devido à insuficiência da sua capacidade motora. Todavia, com a ajuda de Aisha ela consegue articular palavras simples que anteriormente lhe estavam vedadas, bem como produzir alguns desenhos inteligíveis. Ben por seu lado desenvolve as suas aptidões de psicocinésia e diverte-se a utilizá-la em diferentes contextos, tanto nas brincadeiras do grupo como fora dele, o que leva todos ao desespero e constitui o enredo da história.

Todos os adultos incluídos no filme são meros figurantes porque devido à tenra idade das crianças as queixas e conversas com os seus progenitores são rapidamente desqualificadas e eles não sabem como transmitir os seus medos profundos, pelo que toda a tensão passa pelo grupo de miúdos que diariamente convive e sente, a degradação da amizade e o crescendo de tensão sem saber o que fazer. Por outro lado, as legendas incluídas no filme são quase dispensáveis, considerando que a narrativa que importa é-nos transmitida pelos planos fechados da excelente fotografia de Sturla Brandth Grøvlen, fixando-se nos objetos que as crianças pegam ou olham, na forma como mexem num grão de areia, numa crosta da pele, como se olham, como se retraem, como se a câmara estivesse interessada em todas as suas atividades durante as deambulações pelos espaços. São estes pormenores que porfiadamente fazem avançar o enredo e nos dão a sensação da aprendizagem avulsa que sucessivamente adquirem. É o contraste entre os planos fechados com a intimidade dos miúdos e os planos abertos, com os pais e com a comunidade que pontuam a continuidade do filme e nos mostram a evolução do enredo.

Não é um filme comum, é inteligente, intrigante, está bem conseguido e registo como deficiência o facto dos miúdos europeus serem os heróis, e os não europeus como Ben, um indiano, ser o vilão, evidenciando alguma xenofobia conceptual, porque qualquer um deles poderia ter aquela caraterística, todavia gostei, pelo que recomendo sem reservas.

Ainda sem data de estreia em sala, este filme vai ser apresentado em antestreia nacional no Leffest - Lisbon & Sintra Film Festival, onde integra a Competição Oficia

Classificação: 7 numa escala de 10

 

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