Sinopse
Quatro crianças tornam-se
amigas durante as férias de verão. Fora da vista dos adultos, descobrem que têm
poderes escondidos. Enquanto exploram as suas habilidades recém-descobertas em
florestas e parques das proximidades, a brincadeira inocente sofre uma
reviravolta sombria e coisas estranhas começam a suceder. Estreia mundial na
secção Un Certain Regard do Festival
de Cannes.
Opinião
por Artur Neves
Os filmes escandinavos
apresentam normalmente uma visão particular para a vida e para as suas idiossincrasias,
diferente das que os anglo-saxónicos, ou os latinos como nós as vêm, e este
filme mostra com realismo essa diferença. Escrito e realizado por Eskil Vogt de
nacionalidade Norueguesa, este filme é o seu segundo trabalho, que sucedeu a “Blind”
de 2014 não estreado entre nós, mas que foi destacado no Festival de Sundance
desse ano, com o prémio de Melhor Argumento.
A história deste filme sobre
o tema de terror artístico, aborda o mundo solitário da infância, antes da
entrada na adolescência, onde tudo é misterioso porque desconhecido, mas é objeto
de exploração dedicada e sinceridade arrepiante por falta da noção de valor dos
seus atos, podendo atingir a extrema violência devido à utilização de capacidades
excecionais usadas impensadamente, servindo-se de uma abordagem sobrenatural
raramente utilizada em filmes do género, de cariz sensorial e sem recurso a
fantasmas, ou bruxas, ou sombras que assustam criancinhas e invadem os seus
sonhos, macumbas ou vodus, e outros clichés tradicionais dos chamados filmes de
terror, sem contudo deixar de ser realista e violento.
A história desenvolve-se em
torno de quatro crianças, Ida (Rakel Lenora Fløttum) irmã mais nova de Anna (Alva
Brynsmo Ramstad) que sofre de autismo e forte perturbação motora e da fala,
Aisha (Mina Yasmin Bremseth Asheim) uma menina, talvez originária da Etiópia, muito
alegre e desembaraçada que apresenta faculdades especiais no espectro auditivo
e Ben (Sam Ashraf) que lentamente começa a aperceber-se de faculdades
extraordinária do seu cérebro em controlar objetos e mais tarde pessoas, quer
na interação próxima como remota.
É a relação entre estes
quatro miúdos que desenvolvem toda a história. Ida, Anna e os pais mudaram-se
recentemente para este bairro na periferia de Oslo, implantado num bosque e com
acesso a uma praia. Tem um parque de diversões infantil e boas acessibilidades por
onde Ida deambula para se integrar na área, umas vezes acompanhada pela irmã
Anna, outras sozinha, numa das quais, trava conhecimento com Ben, com quem
socializa facilmente e juntos caminham pelo bosque, descobrindo o terreno e descobrindo
as suas particularidade individuais. Posteriormente, ambos encontram Aisha que
imediatamente é integrada no grupo. Os três, primeiro, e por vezes os quatro,
quando Anna acompanha Ida, vão descobrindo as suas potencialidades,
telequinésicas no caso de Ben e extra auditivas no caso de Aisha que reúne condições
excecionais para comunicar com Anna, recebendo as ondas mentais da sua atividade
cerebral que ela não consegue transformar em palavras devido à insuficiência da
sua capacidade motora. Todavia, com a ajuda de Aisha ela consegue articular
palavras simples que anteriormente lhe estavam vedadas, bem como produzir
alguns desenhos inteligíveis. Ben por seu lado desenvolve as suas aptidões de
psicocinésia e diverte-se a utilizá-la em diferentes contextos, tanto nas
brincadeiras do grupo como fora dele, o que leva todos ao desespero e constitui
o enredo da história.
Todos os adultos incluídos no
filme são meros figurantes porque devido à tenra idade das crianças as queixas
e conversas com os seus progenitores são rapidamente desqualificadas e eles não
sabem como transmitir os seus medos profundos, pelo que toda a tensão passa
pelo grupo de miúdos que diariamente convive e sente, a degradação da amizade e
o crescendo de tensão sem saber o que fazer. Por outro lado, as legendas incluídas
no filme são quase dispensáveis, considerando que a narrativa que importa é-nos
transmitida pelos planos fechados da excelente fotografia de Sturla Brandth
Grøvlen, fixando-se nos objetos que as crianças pegam ou olham, na forma como
mexem num grão de areia, numa crosta da pele, como se olham, como se retraem, como
se a câmara estivesse interessada em todas as suas atividades durante as deambulações
pelos espaços. São estes pormenores que porfiadamente fazem avançar o enredo e
nos dão a sensação da aprendizagem avulsa que sucessivamente adquirem. É o
contraste entre os planos fechados com a intimidade dos miúdos e os planos abertos,
com os pais e com a comunidade que pontuam a continuidade do filme e nos
mostram a evolução do enredo.
Não é um filme comum, é
inteligente, intrigante, está bem conseguido e registo como deficiência o facto
dos miúdos europeus serem os heróis, e os não europeus como Ben, um indiano,
ser o vilão, evidenciando alguma xenofobia conceptual, porque qualquer um deles
poderia ter aquela caraterística, todavia gostei, pelo que recomendo sem
reservas.
Ainda sem data de estreia em
sala, este filme vai ser apresentado em antestreia nacional no Leffest - Lisbon
& Sintra Film Festival, onde integra a Competição Oficia
Classificação: 7 numa escala
de 10
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