4 de novembro de 2021

Opinião – “Mães Paralelas” de Pedro Almodôvar

Sinopse

Duas mulheres coincidem no mesmo quarto de hospital onde vão dar à luz. Ambas são solteiras e engravidaram por acidente. Janis, (Penélope Cruz) de meia-idade, não se arrepende e exulta. A outra, Ana, (Milena Smit) adolescente, está assustada, arrependida e traumatizada. Janis tenta encorajá-la enquanto elas caminham pelos corredores do hospital. As poucas palavras que trocam nessas horas vão criar um vínculo muito estreito entre as duas, que o acaso se encarregará de desenvolve e complicar, mudando de forma decisiva as suas vidas. “Mães Paralelas” é o novo filme do premiado diretor espanhol Pedro Almodôvar protagonizado por Penélope Cruz, Julieta Serrano e Rossy de Palma.

Opinião por Artur Neves

Almodôvar desta vez enreda-se e enreda-nos numa história política envolvida por sentimento de mãe, de mães ancestrais, mães atuais e descendentes, que na sobriedade estilística do seu estilo de filmar, desenvolve um enredo de raízes metafóricas que começa pelo desejo de Janis em encontrar os restos mortais do seu bisavô assassinado pelo exército de Franco durante a guerra civil espanhola entre os anos de 1936 – 1939, perseguindo o comportamento de gerações que exercem a identidade materna através de três tipos de mães muito diferentes no seu desvelo com a descendência que concebem.

Janis (Penélope Cruz, em mais um bom desempenho) é uma mulher independente, repórter fotográfica para revistas e jornais, que se envolve com um antropólogo forense Arturo (Israel Elejalde), com quem ela se cruza na sua busca pelos restos mortais do seu bisavô numas ruinas recentemente descobertas. Desse relacionamento, Janis engravida consciente e deliberadamente, sem que isso implique o compromisso de Arturo sob qualquer forma, que ela sabe ser casado e já ter família. Na maternidade ela cruza-se com Ana (Milena Smit) uma adolescente imprevistamente grávida que está aterrorizada com o parto e com a situação posterior ao nascimento do bebé, considerando que é filha de pais separados, vive com a mãe, uma atriz exclusivamente focada no seu trabalho que nunca teve tempo para cuidar da filha e muito menos terá para cuidar de netos. Janis compreende os medos de Ana, apoia-a, encoraja-a e dá-lhe toda a colaboração possível estabelecendo uma amizade que floresce dia a dia pela ajuda recebida, que terá profundo reflexo no futuro de ambas.

Quero referir que neste filme as mulheres não são retratadas como mártires ou de maneira condescendente como mulheres enganadas por homens oportunistas. Não, neste filme não há anjos nem vilões. Cada mulher citada tem uma identidade clara e assume as suas escolhas de acordo com a sua educação ou as suas influências políticas e os homens, de Janis e de Ana, não são demonizados pelos seus comportamentos, bem como, Teresa (Aitana Sánchez-Gijón), mãe de Ana que só fala da sua carreira, dos seus espetáculos, sem que seja censurada por Janis que a ouve sem esforço nem reserva.

É neste entretecimento de personalidades que Almodôvar configura habilmente um complicado enredo que ele chama de “Mães Paralelas”, mães fortes, seguras de si e imperfeitas no sentido tradicional do termo, mas que não é por isso que são menos mães, que a sua maternidade é menos sentida, menos sincera ou menos válida. É antes a forma delas estarem na vida.

Depois da formalização deste retrato, Almodôvar liga-o aos erros do seu país, da Espanha apanhada numa guerra fratricida de que é necessário conhecer e compreender o passado ainda latente em muitas mães e avós que só depois disso poderão caminhar livres em direção ao futuro, gerar novas vidas e cuidar delas. Só compreendendo a razão política que deu origem a tanta dor é que se pode pensar no futuro. Na filmografia de Almodôvar, este é o seu trabalho mais político em que se mostra mais zangado com o passado, no sentido de pretender compreendê-lo para sanar as discrepâncias vividas das vidas ainda em suspenso e Almodôvar faz isso com elegância formal através de uma narrativa fluida e imagens de ambientes inteligentemente construídos, que constituem o elo de ligação entre os personagens do passado, presente e futuro e os acontecimentos que os condicionam.

Como já referi, “Mães Paralelas” é o trabalho mais político de Almodôvar, embora humano, muito diferente de “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” de 1988, “Má Educação” de 2004, ou “A Pele Onde eu Vivo” de 2011 que foram marcantes na sua carreira e está mais na linha de; “Dor & Gloria” de 2019, em que Almodôvar ensaiou uma reconciliação com a sua história pessoal e tenta agora neste filme um confronto com a sociedade onde se insere, reacendendo velhas feridas com o objetivo de promover o seu saneamento. Pode parecer confuso, mas o aprofundamento psicológico dos seus personagens com uma evidente carga melodramática, estabelecem o paralelo com o drama ainda latente das vítimas do franquismo. Gostei, merece ser visto.

Tem estreia prevista em sala para 1 de Dezembro

Classificação: 7 numa escala de 10

 

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