Sinopse
Hélène (Laetitia Dosch) é
uma professora da academia parisiense, especialista na vida e obra da
dramaturga inglesa do século XVII, Aphra Behn. Ela fala directamente para a
câmara enquanto descreve o seu encontro com o diplomata russo por quem se
apaixonara durante uma festa no Porto. À medida a que a relação entre os dois
se transforma numa obsessão para Hélène, ela começa a comportar-se de modo
inconsequente, negligenciando os cuidados do filho e de si própria.
Opinião
por Artur Neves
Somente por ironia
displicente é que se poderá considerar uma paixão, qualquer paixão humana, como
simples e este filme ilustra a paixão de Hélène que começou por ser uma pulsão romântica
por um homem, mas que intensificada pela compatibilidade sexual entre ambos se
tornou num sentimento intenso e obsessivo pela sua presença junto dela. O tema
é tudo menos novo, como será óbvio para o leitor, e fundamenta-se no romance do
mesmo nome publicado em 1991, da autoria de Annie Ernaux que surpreendeu o
panorama literário francês pelo rompimento dos estereótipos tradicionais dos
romances de amor, descrevendo as cenas entre os amantes com todo o erotismo e
honestidade de uma relação apaixonada, despida de vergonhas ou julgamentos
morais.
O filme segue o guião o mais
fielmente possível, mostrando-nos Hélène como uma mulher culta, professora de
literatura na faculdade, divorciada, com um filho em idade escolar a seu cargo,
que por se ter apaixonado por um homem casado, Aleksandr Svitsin (Sergei Polunin),
espera-o constantemente dia após dia para fruir a felicidade, a profunda
plenitude do corpo e do espírito que a relação entre ambos lhes proporciona,
num fulgor sexual próprio de adolescentes mas que arrasa completamente quando
surge nesta idade mais madura. Ela respeita a situação de comprometimento dele
e nada mais lhe pede para lá da entrega honesta do seu desejo, consumado nos
momentos de prazer extremo que a levam ao infinito dos sentidos e lhe provocam
a dolorosa saudade que a anula nos intervalos de ausência, nos momentos em que ele
se prepara para sair, receando e recusando aceitar a hora dele partir para
sempre.
Para esbater a ténue linha
entre a ficção e a realidade, a realizadora libanesa Danielle Arbid coloca
Hélène a falar na primeira pessoa, tal como no romance, a confidenciar-nos a
história da sua relação, o que sente, o que a justifica naquela paixão que lhe
traz a maior felicidade, paga com a maior solidão durante a ausência dele que
ela não controla nem condiciona. O telefone cumpre aqui o elemento de
comunicação de sentido único que ela só pode usar quando ele liga, estando-lhe
vedada essa iniciativa por acordo mútuo, nem para somente ouvir a sua voz do
outro lado.
A separação sufoca-a, só ele
circula livremente dentro e fora da vida dela e isso torna-se uma fonte de
ansiedade paralisante que lhe motiva aprender russo enquanto descasca ervilhas,
ou quando golpeia a terra num intervalo de jardinagem ocupacional. Eles são intelectualmente
muito diferentes. Ela é especialista em dramaturgia inglesa do século XVII e
está a preparar uma tese sobre o tema. Ele é um segurança da embaixada russa em
Paris que gosta de bons carros e admira Putin e raras vezes conversa com ela no
quarto ou na cama, nem sequer lhe fornece explicações cabais para o simbolismo
das tatuagens que tem no corpo, mas a interação de ambos é mais forte que todos
os intelectualismos.
Toda a história é envolvida
por músicas francesas adequadas às situações mais marcantes da história, cantadas
por Charles Aznavour, Gilbert Bécaud ou o Flying Pickets em “Only You feel” que
nos relata a tristeza da hipótese de abandono. Sempre que ele sai ela nunca
sabe se, e quando volta, comportando-se esta temática como uma nova abordagem,
de prosa inteligente e desarmante suportada com uma linguagem despojada, do
drama erótico tão caro ao cinema francês; “Amour Fou” e desta vez, formalmente
mais ousado. Muito boa interpretação do personagem de Hélène por Laetitia Dosch,
numa história velha como a humanidade. Gostei e recomendo, para ver sem tabus.
Estreia nos cinemas em 28 de
Outubro
Classificação: 6 numa escala
de 10
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