20 de outubro de 2021

Opinião – “Uma Paixão Simples” de Danielle Arbid


 

Sinopse

Hélène (Laetitia Dosch) é uma professora da academia parisiense, especialista na vida e obra da dramaturga inglesa do século XVII, Aphra Behn. Ela fala directamente para a câmara enquanto descreve o seu encontro com o diplomata russo por quem se apaixonara durante uma festa no Porto. À medida a que a relação entre os dois se transforma numa obsessão para Hélène, ela começa a comportar-se de modo inconsequente, negligenciando os cuidados do filho e de si própria.

Opinião por Artur Neves

Somente por ironia displicente é que se poderá considerar uma paixão, qualquer paixão humana, como simples e este filme ilustra a paixão de Hélène que começou por ser uma pulsão romântica por um homem, mas que intensificada pela compatibilidade sexual entre ambos se tornou num sentimento intenso e obsessivo pela sua presença junto dela. O tema é tudo menos novo, como será óbvio para o leitor, e fundamenta-se no romance do mesmo nome publicado em 1991, da autoria de Annie Ernaux que surpreendeu o panorama literário francês pelo rompimento dos estereótipos tradicionais dos romances de amor, descrevendo as cenas entre os amantes com todo o erotismo e honestidade de uma relação apaixonada, despida de vergonhas ou julgamentos morais.

O filme segue o guião o mais fielmente possível, mostrando-nos Hélène como uma mulher culta, professora de literatura na faculdade, divorciada, com um filho em idade escolar a seu cargo, que por se ter apaixonado por um homem casado, Aleksandr Svitsin (Sergei Polunin), espera-o constantemente dia após dia para fruir a felicidade, a profunda plenitude do corpo e do espírito que a relação entre ambos lhes proporciona, num fulgor sexual próprio de adolescentes mas que arrasa completamente quando surge nesta idade mais madura. Ela respeita a situação de comprometimento dele e nada mais lhe pede para lá da entrega honesta do seu desejo, consumado nos momentos de prazer extremo que a levam ao infinito dos sentidos e lhe provocam a dolorosa saudade que a anula nos intervalos de ausência, nos momentos em que ele se prepara para sair, receando e recusando aceitar a hora dele partir para sempre.

Para esbater a ténue linha entre a ficção e a realidade, a realizadora libanesa Danielle Arbid coloca Hélène a falar na primeira pessoa, tal como no romance, a confidenciar-nos a história da sua relação, o que sente, o que a justifica naquela paixão que lhe traz a maior felicidade, paga com a maior solidão durante a ausência dele que ela não controla nem condiciona. O telefone cumpre aqui o elemento de comunicação de sentido único que ela só pode usar quando ele liga, estando-lhe vedada essa iniciativa por acordo mútuo, nem para somente ouvir a sua voz do outro lado.

A separação sufoca-a, só ele circula livremente dentro e fora da vida dela e isso torna-se uma fonte de ansiedade paralisante que lhe motiva aprender russo enquanto descasca ervilhas, ou quando golpeia a terra num intervalo de jardinagem ocupacional. Eles são intelectualmente muito diferentes. Ela é especialista em dramaturgia inglesa do século XVII e está a preparar uma tese sobre o tema. Ele é um segurança da embaixada russa em Paris que gosta de bons carros e admira Putin e raras vezes conversa com ela no quarto ou na cama, nem sequer lhe fornece explicações cabais para o simbolismo das tatuagens que tem no corpo, mas a interação de ambos é mais forte que todos os intelectualismos.

Toda a história é envolvida por músicas francesas adequadas às situações mais marcantes da história, cantadas por Charles Aznavour, Gilbert Bécaud ou o Flying Pickets em “Only You feel” que nos relata a tristeza da hipótese de abandono. Sempre que ele sai ela nunca sabe se, e quando volta, comportando-se esta temática como uma nova abordagem, de prosa inteligente e desarmante suportada com uma linguagem despojada, do drama erótico tão caro ao cinema francês; “Amour Fou” e desta vez, formalmente mais ousado. Muito boa interpretação do personagem de Hélène por Laetitia Dosch, numa história velha como a humanidade. Gostei e recomendo, para ver sem tabus.

Estreia nos cinemas em 28 de Outubro

Classificação: 6 numa escala de 10

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