23 de outubro de 2021

Opinião – “O Último Duelo” de Ridley Scott

Sinopse

Da 20th Century Studios e do visionário cineasta Ridley Scott, chega “O Último Duelo”, um emocionante conto de traição e vingança contra a brutalidade e a opressão feminina da França do século XIV. O filme é um épico histórico baseado em eventos reais retratados em “O Último Duelo: Uma História Verdadeira de Crime, Escândalo e Julgamento por Combate na França Medieval”, é protagonizado pelo vencedor do ÓSCAR® Matt Damon e o duas vezes nomeado ao ÓSCAR® Adam Driver, como dois nobres em disputa, cujos problemas deverão ser resolvidas num duelo até à morte.

Opinião por Artur Neves

A história em que se fundamenta este filme data do século XIV, em França, na região da Normandia mas tem sido vivamente discutida até à atualidade por muitos eruditos donde resultaram até agora, muitos pareceres e opiniões e até um livro de não ficção escrito em 2005 por Eric Jager, professor de história medieval na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) que se interessou pelo assunto depois de ler as crónicas da época e sentir que o tema deveria ser mais investigado para preencher as lacunas que os textos deixavam em aberto, entre os relatos factuais e os boatos da época, eivados pelo obscurantismo dos seus propaladores. Toda essa investigação resultou no livro que foi publicado em 2005, cujos direitos foram comprados em 2019 pela 20th Century Studios e Jager contratado como consultor, considerando que o acórdão do julgamento real e religioso que lhe está subjacente, assenta na subtileza da decisão de uma mulher, dar, ou não, o seu íntimo consentimento em consumar um ato sexual.

A história em questão assenta na confissão de Marguerite de Carrouges (Jodie Comer), ao seu marido, Sir Jean de Carrouges (Matt Damon) de ter sido violada por Jacques Le Gris (Adam Driver) um nobre amigo do casal e companheiro de armas, depois de forçar a entrada em casa dela durante a ausência do marido numa viagem a Paris. Na altura, a sogra que com eles coabitava tinha também viajado por motivo de assuntos pessoais, acompanhada pela aia de Marguerite, pelo que ela se encontrava sozinha no castelo e embora rechaçasse as investidas de Le Gris não teve força suficiente para o impedir de consumar os seus intentos. É importante referir aqui que na época as mulheres eram consideradas uma propriedade legal dos seus maridos, pelo que o ato de Le Gris foi um crime cometido contra a casa Carrouges, contra a nobreza do título e não contra ela, embora tenha sido ela a ser submetida a um extenso e pormenorizado julgamento, cujo registo é ainda hoje objeto de estudo e investigação.

O resultado do julgamento, proferido por um imberbe rei Carlos VI, de riso nervoso e decisão inconsequente, determinou a realização de um duelo até à morte entre os dois contendores, considerando que, Deus conhecia a verdade e não permitiria que o inocente morresse e o culpado saísse ileso da contenda. O nome do filme assenta no facto de ter sido este o último combate em forma de duelo, sancionado pelo estado na história da França, a que curiosamente o filme não se refere.

Como pode concluir-se, tanto no século XIV como na atualidade o tema continua na ordem do dia e Ridley Scott construiu um filme portentoso, competente na representação da idade média francesa, repleto de ação em lutas e batalhas muito bem conseguidas com todos os pormenores de vestuário, armas e ambiente, bem como, os exuberantes banquetes e orgias em que culminavam as reuniões dos nobres depois do fragor da luta.

O objetivo do filme é contar a verdade sobre este caso, que devido à inconsistência dos relatos chegados até aos dias de hoje, o realizador apresenta a história da violação sob o ponto de vista de cada um dos intervenientes. Primeiro a descrição segundo Carrouge, que foi a contada pela mulher, depois a descrição de Le Gris e finalmente Marguerite que o desfecho do argumento parece querer indicar-nos ser a correta. Isto significa que vemos duas vezes a cena da violação contada à vez por ambos os intervenientes, sendo constante como é de esperar, a cena da violação em si mesma o que mostra ao espectador que ambos experienciaram a mesma realidade, todavia, o ângulo e a proximidade da câmara de filmar sobre o rosto de Marguerite é ligeiramente diferente em cada um dos relatos, mostrando-nos subtilmente as alterações de postura do rosto e das mãos em cada uma das cenas, e considero relevante citar essa diferença nesta crónica, porque é o filme a pedir ao espectador que faça o seu juízo em face do que lhe está a ser apresentado, considerando que através dos relatos e crónicas anteriores nunca se chegou a uma conclusão fechada sobre a verdade dos acontecimentos e nem o realizador, nem Eric Jager, têm certezas absolutas sobre a história.

De acordo com o olhar da ética do século XXI e depois de movimentos como o #MeToo, é óbvio que o relato de Marguerite é verdadeiro e nós vemo-la a resistir tanto quanto pode aos avanços de Le Gris, contudo, anteriormente também vimos uma “chispa” entre os seus olhares quando são apresentados e um início de flirt fugaz, embora sem continuação. É nesta dicotomia que o filme magistralmente nos apresenta que reside a sua importância social, deixando tudo em aberto e passando a responsabilidade para o espectador à luz das suas convicções e experiências, decidir se são as mulheres que exageram nas queixas, ou são os homens que são os brutos, sem prejuízo da consideração de que sexo sem consentimento é crime. Muito bom, para ser visto com atenção pois constitui um bom espetáculo em todas as vertentes da história. Recomendo vivamente.

Tem estreia prevista nas salas em 28 de Outubro

Classificação: 9 numa escala de 10

 

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