27 de outubro de 2021

Opinião – “Três Andares” de Nanni Moretti


 

Sinopse

Três Andares foi um dos filmes mais consensualmente aplaudidos do último festival de Cannes, onde Moretti regressou em competição com esta história de um prédio de Roma habitado por três famílias que, ao longo de dez anos, têm de lidar com situações dolorosas, difíceis e desconfortáveis. As escolhas que cada um faz vão determinar o curso da sua existência. Uma adaptação do romance do escritor israelita Eshkol Nevo, o filme conta com as magníficas interpretações do próprio Nanni Moretti, Margherita Buy, Riccardo Scamarcio e Alba Rohrwacher.

Opinião por Artur Neves

De Moretti recordo à 20 anos atrás o seu prémio da Palma de Ouro em Cannes 2001 com o filme “O Quarto do Filho”, onde Moretti mostrou que soube construir inquietações e estados de espírito intensos relativamente aos valores familiares, quando toda a família sofre o revés da morte do filho num acidente de mergulho. A história densifica-se quando Moretti (que protagoniza a interpretação do pai) entra numa espiral depressiva através da obsessiva insistência em projeções contrafactuais que em nada ajudam a realização do luto, nele próprio como na família, induzindo outros males.

Desta vez Moretti fez tudo diferente. Com base no romance “Three Floors Up” (que dá nome ao filme) escrito pelo israelita Eshkol Nevo e originalmente ambientado em Tel Aviv, enveredou por nos mostrar os infortúnios e os incidentes lamentáveis que ocorreram aos inquilinos de três andares de um prédio situado numa zona de classe média suburbana de Roma e das consequências desses eventos ao longo de 10 anos, sob uma abordagem que tresanda a melodrama, enfatizando o lado negativo como se não tivesse havido nada de recomendável e de auspicioso durante esse mesmo período. É tudo infortúnio e desgraça, que embora apresentem uma sequência lógica, são analisados pela superficialidade dos acontecimentos, quase dando a entender que Moretti reuniu o cardápio da desgraça e “meteu tudo no assador” para nos fazer puxar a lágrima ao canto do olho.

Na sua nota de realização sobre o filme, Moretti refere que quis abordar “…temas universais como a culpa, as consequências das nossas escolhas, a justiça e a responsabilidade que acompanha a parentalidade” e reconhecemos que estas vertentes estão espelhadas nas histórias, através de eventos concentrados naquelas três famílias, mas que nos soa a falso, revelado pela manipulação da realidade para nos encharcar com o melodrama de todas aquelas felicidades.

E começa logo no início do filme, com o irreverente filho Andrea (Alessandro Sperduti) do austero juiz Vittorio (Nanni Moretti), a provocar um acidente fatal que causa a morte de uma mulher que atravessa uma passadeira de peões, devido a conduzir embriagado e em alta velocidade ao chegar a casa, enquanto, ao mesmo tempo, na mesma rua Monica (Alba Rohrwacher) irremediavelmente grávida, se desloca a pé para o hospital para dar à luz o filho do seu marido ausente devido a obrigações profissionais que o mantém fora da cidade. Monica é um pouco lerda das ideias, tem horror da solidão e tem visões criadas pelos seus sentidos que não são reais, mas que condicionam o seu comportamento. Para completar o leque, Lucio (Riccardo Scamarcio), casado com Sara (Elena Lietti) têm uma filha de 7 anos que curte uma amizade especial por um vizinho idoso que toma esporadicamente conta dela, mas de quem Lucio suspeita de ser pedófilo, sem que para isso tenha qualquer prova ou indício concreto.

Com o desenrolar da história mais personagens vão chegando construindo uma estrutura abrangente com diversas interações com os inquilinos dos três andares, mas em toda a história o espectador nunca fica envolvido com qualquer dos personagens que são abordados superficialmente, atrapalhando-se uns aos outros, com erros, tristezas, dúvidas e solidão que vivem com elas próprias e as caracterizam criando uma atmosfera redundante de tédio que não transmite uma ideia clara sobre o que pretende, nem representa satisfatoriamente o passar dos anos. Moretti costuma impregnar as suas histórias de drama, polvilhado com alguma ironia que neste filme está completamente ausente. Parece-me que a história teria resultado melhor se Moretti tivesse centrado a ação no prédio. Ao apresentar outros locais e outras envolvências a ação esbate-se e o drama fragmenta-se, embora contenha ainda boas cenas fortemente emotivas. Se é adepto de um melodrama recheado de estereótipos, então este filme é para si.

Tem data prevista de estreia nas salas em 4 de Novembro

Classificação: 5 numa escala de 10

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