29 de outubro de 2021

Opinião – “Spencer” de Pablo Larrain

Sinopse

O casamento da Princesa Diana e do Príncipe Carlos há muito se transformou numa relação gélida. Entre abundantes rumores de casos extraconjugais e divórcio, a paz é encomendada para celebrar as festividades de Natal na propriedade real de Sandringham House. Há comida e bebida, tiro ao alvo e caça. Diana conhece o jogo. Mas desta vez, as coisas vão ser muito diferentes. Spencer, uma ficção do que se poderá ter passado nesses fatídicos dias.

Opinião por Artur Neves

Pablo Larrain avisa logo no início do filme que este é; “Uma fábula de uma verdadeira tragédia” para nos preparar para o que vamos assistir como sendo uma ficção do que pode ter acontecido nessa longínqua semana de 1991 em que a família real inglesa se reuniu no palácio de Sandringham em Norfolk, para festejar o Natal, cumprindo assim uma velha tradição da casa real que Isabel II faz questão de continuar, numa altura em que o casamento de Diana com Carlos já se encontra em ruínas, ela sente-se constrangida pela presença de Camila entre os convidados, e os sussurros existentes na corte e por todo o lado sobre a existência de infidelidades no casal já não podem mais ser omitidos porque a realidade é bem evidente, pelo menos da parte de Carlos.

Aqui não posso deixar de referir o curiosíssimo facto que nos é apresentado à chegada dos convivas ao palácio. A primeira regra para cumprir a tradição é serem pesados numa báscula decimal, a ninguém é permitido excluir-se dessa prática e o seu peso é meticulosamente registado no livro dos convidados. À saída, após os três dias de duração do Natal real, todos são novamente pesados na mesma balança. A diferença entre as duas pesagens traduz oficialmente o grau de felicidade e divertimento que o convidado usufruiu. Isto é para mim um exemplo acabado da “atualidade” da tradição monárquica no seu melhor.

Diana está muito bem representada por Kristen Stewart que desempenha uma perturbada princesa pelos pesadelos que assombram a sua mente, não cumprindo regras nem horários para confrontar a rigidez da praxis real, alucinando ao jantar em que se vê a ela própria comendo as pérolas do colar que lhe foi oferecido e de seguida vomitando-as no WC, sonhando acordada com Ana Bolena, que se cruza com ela nos corredores do palácio, e a avisa de ter sido decapitada pelo rei Henrique VIII para poder desposar uma nova rainha. Diana está todo o tempo como uma sonâmbula num ambiente que é hostil onde só encontra compreensão num aliado, a sua camareira Maggie (Sally Hawkins), que posteriormente será afastada. Diana não goza de qualquer privacidade, quer no palácio, ou fora dele nas terras vizinhas de uma propriedade que pertenceu à sua família. Diana sofre a opressão do palácio e perde o controlo da realidade na sua ansia de fugir dali.

Acho aqui que existirá algum exagero da parte do escritor e autor do argumento, Steven Knight, na encenação da demência e do colapso mental de Diana que nesta altura apenas luta pela sua libertação daquele casamento falhado, concentrando toda a sua atenção no cuidado e no amor aos filhos Williams (Jack Nielen) e Harry (Freddie Spry). A visão e Steven sobre Diana, embora numa história de ficção biográfica, mostra um sentido de humor perverso que em certa medida serve para branquear o papel da família real inglesa em todo o drama conjugal da casa real inglesa numa altura em que já se conhece a conclusão da relação de Carlos com Camila. A relação de Diana com Harry e a personalidade deste, embora ainda em formação em 1991, pode indicar o que veio a verificar-se em 2019 com a sua rutura com estrondo, com o pai e com a monarquia inglesa a que pertence.

A escolha de Kristen Stewart de 31 anos, com toda a sua experiência da série “Crepúsculo”, conferiu-lhe a massa crítica necessária para desempenhar o ícone Diana com uma visão estranhamente precisa e convincente do personagem que não me admiro se for indicada para o Oscar. Kristen consegue mostrar-nos os maneirismos da princesa, que podemos inferir das imagens reais que conhecemos, com uma precisão que nos convence, ao mesmo tempo que nos diverte com piadas que poderiam ter sido ditas por Diana naquele contexto, bem como o seu sotaque do norte de Inglaterra e o arregalar dos olhos que nos mostra o absurdo da vida infernal que Diana deve ter sofrido. A própria kristen deve ter sofrido o abuso insistente dos média durante o êxito adolescente de “Crepúsculo” pelo que sabe representar com propriedade o sofrimento de Diana com os paparazzi e os tabloides que a perseguiam. É uma biografia ficcionada, muito bem interpretada por Kristen Stewart que enche toda a cena com a sua excelente performance, coadjuvada por um elenco de secundários de primeiríssima água que merece ser visto, recomendo.

Estreia nas salas em 5 de Novembro

Classificação: 7 numa escala de 10

 

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