15 de maio de 2021

Opinião – “O Mauritano” de Kevin Macdonald

Sinopse

O Mauritano é uma história verídica de sobrevivência que relata a luta pela liberdade de Mohamedou Ould Slahi (Tahar Rahim) nomeado para um Globo de Ouro®) após ser detido pelo governo dos EUA, e encarcerado, durante anos, sem julgamento, na Baía de Guantánamo. Slahi encontra os seus únicos aliados na advogada de defesa Nancy Hollander (Jodie Foster, vencedora de dois OSCAR® da Academia) e na sua associada Teri Duncan (Shailene Woodley, nomeada para dois Globos de Ouro®), as quais, contra o governo dos EUA, lutam por justiça. Através da controversa defesa de Slahi, juntamente com provas descobertas por um notável procurador militar, o Tenente-Coronel Stuart Couch (Benedict Cumberbatch, nomeado para um OSCAR® da Academia), descobre-se a mais chocante verdade...

O Mauritano, baseado nas memórias inspiradoras de Mohamedou Ould Slahi (Diário de Guantánamo), é realizado por Kevin Macdonald, vencedor de um OSCAR® da Academia.

Opinião por Artur Neves

Baseado nas memórias do prisioneiro que sofreu as sevícias mostradas no filme, esta história conta-nos o drama de um homem detido durante 14 anos na prisão de Guantánamo sem acusação formal. Para ser mais preciso, ele foi preso preventivamente 7 anos até ao primeiro julgamento que o ilibou por falta de provas, mas continuou detido pelo governo americano por outros 7 anos, pelos sucessivos recursos da acusação que manteve discordância sobre o sentido do acórdão do primeiro julgamento, tendo sido libertado somente quando o governo esgotou as alegações que mantinham a sua discordância.

Decorrente dos esforços e dedicação de duas advogadas, Nancy Hollander (Jodie Foster) e Teri Duncan (Shailene Woodley) com destaque fundamental para a primeira, considerando que o espírito de equipa e colaboração entre elas se desfaz ao fim de algum tempo (será posteriormente recuperado mas chegam a separar-se) este filme mostra-nos ainda como as convicções humanas influenciam a razão objetiva que deve presidir à análise dos factos, de maneira tão absolutamente contraditória, entre duas mulheres que analisam o mesmo assunto.

Na sequência do 11 de Setembro os serviços secretos americanos encontram indícios que são compatíveis com a incriminação de Mohamedou Ould Slahi (Tahar Rahim, num desempenho surpreendentemente espetacular) como o mentor e estratega do choque do 2º avião contra as torres gémeas. Conseguem isso pelo conhecimento da localização e dos contactos de Slahi com os terroristas efetivamente envolvidos no ataque e com quem ele não nega ter tido esses contactos, embora num contexto totalmente diferente do que é subentendido pelos investigadores. A investigação assim desenvolvida gera a convicção de culpa de Slahi, que adicionada à pressão do governo dos USA em encontrar os culpados, justifica a sua inevitável prisão para posterior julgamento e inerente acusação.

Para os investigadores e para o governo dos USA as suspeitas funcionam como provas e a concessão do direito de defesa pelas advogadas não passa, em princípio, de um mero pró-forma. Só que Hollander e Teri mergulham profundamente nos documentos da acusação dos investigadores, assim como o advogado de instrução do processo, o Tenente-Coronel Stuart Couch (Benedict Cumberbatch) e dessa análise surgem as mais fundadas dúvidas, não só pela análise dos factos narrados por Slahi, como também, pelos documentos que são disponibilizados pelos investigadores, rasurados, truncados no seu conteúdo e resumidos em relatórios fechados que os impedem de formular um raciocínio coerente e lógico sobre os eventos, ligações e crimes de que Slahi está acusado.

Hollander e Teri também não conseguem provar que Slahi está inocente, nem a narrativa nos apresenta qualquer prova disso, porque as justificações de Slahi para os contactos que ele efetivamente assume que teve com os terroristas também não podem ser provadas. Apenas pode concluir-se que não há provas e que as confissões de culpa de Slahi foram obtidas sob tortura em condições infra humanas em que qualquer um confessa o que lhe mandem confessar, para aliviar um sofrimento insuportável.

Temos portanto uma história de contrastes, muito bem contada, com personagens convincentes onde se destaca Tahar Rahim num desempenho exemplar de resiliência contra as sevícias sofridas nos interrogatórios, onde consegue aprender inglês com os guardas durante o tempo de prisão e escrever coerentemente a sua versão dos factos para suporte da defesa. Jodie Foster destaca-se na sua tenacidade e perseverança pela defesa do seu cliente e Benedict Cumberbatch mostra-nos com segurança, a frustração de um oficial general desencantado com a justiça do seu país ao ponto de resignar ao posto que ocupa.

Kevin Macdonald soube construir com qualidade este equívoco jurídico e legal que está próximo de muitas realidades quotidianas. É um filme para ver e refletir, recomendo vivamente.

Estreia a 20 de Maio nos cinemas

Classificação: 7 numa escala de 10

 

Sem comentários: