6 de maio de 2021

Opinião – “Estados Unidos vs Billie Holiday” de Lee Daniels

Sinopse

A lendária Billie Holiday, uma das maiores intérpretes de jazz de todos os tempos, foi adorada por fãs de todo o mundo durante a maior parte da sua carreira. Na década de 1940, em Nova Iorque, o governo federal perseguiu Holiday no âmbito de um esforço crescente para escalar e racializar a guerra contra a droga, procurando impedi-la de cantar a sua controversa e comovente balada Strange Fruit.

Com realização do nomeado para Óscares® Lee Daniels (realizador de 'Precious' e 'O Mordomo'). e com participação da cantora e compositora nomeada para Grammys® Andra Day, Estados Unidos vs. Billie Holiday apresenta com frontalidade a vida complicada e irreprimível deste ícone musical. A argumentista Suzan-Lori Parks, a primeira afro-americana a ganhar um Prémio Pulitzer de Teatro, escreveu esta íntima história sobre uma destemida pioneira, cuja rebeldia na música ajudou ao crescimento do movimento dos direitos civis. Vencedora do Globo de Ouro para Melhor Atriz na categoria Drama, Andra Day está nomeada ao Óscar de Melhor Atriz.

Opinião por Artur Neves

Este é mais um biopic da dramática vida de uma mulher que fez carreira como intérprete de jazz com ampla aceitação de um público vasto que incluía os seus semelhantes raciais mas também uma América na euforia do progresso, saída recentemente da grande recessão e como tal ansiosa por tempos melhores de descontração e lazer que fizessem esquecer os anos de chumbo, cujas consequências estavam ainda visíveis em muitas comunidades, principalmente na comunidade negra que constituía a população alvo das acusações de desagregação de um povo que se assumia como superior. Em termos práticos, nada de novo, ontem como hoje, relativamente a um passado recente de má memória de que estamos bem lembrados.

O filme começa com uma entrevista a um jornalista de costumes, Reginald Lord Devine (Leslie Jordan) de aparência e comportamento francamente efeminado que sem qualquer pudor, considerando a história de Billie Holiday, lhe pergunta “Como é ser uma mulher de cor?” ao mesmo tempo que exibe um sorriso idiota sem transmitir o mínimo sinal de empatia a uma mulher visivelmente debilitada, claramente doente pelo vício da droga e pela perseguição que lhe foi movida durante toda a vida para que não cantasse a sua comovente balada “Strange Fruit” que constituía a mais flagrante denúncia contra a perseguição sofrida pelos negros numa américa de raiz esclavagista que apesar de formalmente democrática, dificilmente continha o espírito sulista fiel seguidor de práticas condenadas por uma sangrenta guerra civil. A sua polémica canção em tons de profundo lamento, pretende dar voz a todos os que sofrem por si próprios e pelos mais próximos e resistem sofrendo com medo de serem linchados. Este lamento cantado incomodava a elite por receio que dele resultasse uma revolta popular em defesa dos direitos civis dos negros.

É na sequência de a quererem calar que a polícia a acusa de consumo de drogas exigindo a denúncia dos seus fornecedores, que ela de facto não conhece mas que é entendido como uma ocultação do tráfico e punido como tal. Para a tentar apanhar em flagrante atribuem a Jimmy Fletcher (Trevante Rhodes) um polícia negro, a tarefa de a seguir e incriminar mas o resultado é contrário ao objetivo porque ele apaixona-se por ela, reconhece os seus motivos e defende-a em tribunal carreando o ódio do seu chefe, Harry Anslinger (Garrett Hedlund) e sendo expulso da organização. Ele constituiu o verdadeiro amor da sua vida, porque da parte do marido só recebia maus tratos e droga.

Lee Daniels pretende mostrar-nos isso através da representação de múltiplas cenas da vida de Billie Holiday que não foram escolhidas com a mesma atenção da cena da entrevista, desqualificando-a e retirando-lhe o poder que o espectador perceciona nas primeiras imagens. As tentativas de conferirem profundidade à história como uma conversa entre o polícia apaixonado por Billie, Jimmy Fletcher e o ascensorista do hotel (Furly Mac) são demasiado rápidas e fugazes para refletirem o debate de ideias que a vida de luta de Billie merece. Percebe-se a intenção, mas neste caso é necessário saber o que se quer contar e como apresentá-lo numa sequencia coerente. Neste filme isso é entendido como o regresso à “casa da partida” (a entrevista) mas ao contrário, só faz e reduzir o vigor daquela conversa.

A história vale sobretudo pela soberba interpretação de Andra Day, inerentemente nomeada ao Óscar 2021 sem todavia lho ter sido concedido, pela sua superior atuação num papel exigente que polariza a atenção do espectador durantes os 130 minutos do filme pela tão convincente representação de uma das maiores cantoras de jazz da história que para além do seu lado artístico personifica uma lutadora pelos direitos dos negros. Pena é que a história se centre mais no melodrama sentimental e menos na luta de classes que permaneceu constante nos 44 anos de vida de Billie Holiday. Morreu no hospital, vítima dos seus excessos de droga, bebida e de cancro mas teve uma vida cheia, foi amada e é um ícone do seu tempo.

Te estreia prevista nas salas em 20 de Maio

Classificação: 6 numa escala de 10

 

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