3 de março de 2021

Opinião – “Nomadland” de Chloé Zhao

Sinopse

Após o colapso econômico de uma cidade empresarial na zona rural de Nevada, Fern (Frances McDormand) embala sua van e parte para a estrada explorando uma vida fora da sociedade convencional como uma nómada moderna.

Neste terceiro longa-metragem da diretora Chloé Zhao, Nomadland apresenta os verdadeiros nómadas Linda May, Swankie e Bob Wells como mentores e companheiros de Fern em sua exploração pela vasta paisagem do oeste americano.

Opinião por Artur Neves

Premiado nos Globos de Ouro de 2021, este filme mostra-nos um conjunto de espoliados da América para quem Trump prometia o que não podia cumprir, apenas para arregimentar adeptos que sem outras perspetivas aceitavam como boas as suas promessas vans. Esta história é baseada num livro com o mesmo nome escrito em 2017 por Jessica Bruder, uma jornalista americana que escreve sobre subculturas sociais e viveu oito meses com a comunidade onde se inspirou. Atualmente leciona num curso de jornalismo na Columbia Journalism School.

O filme concretiza um modelo “dois em um”, é simultaneamente um documentários de pessoas reais, de vidas reais, entronizadas pelo personagem ficcionado de Fern (Frances McDormand), que se fez à estrada após o falecimento do seu marido Bo, que trabalhava nas instalações mineiras da empresa US Gypsum em Empire, Nevada, como resultado da redução da procura pelo mercado de gesso cartonado. A empresa fechou em Janeiro de 2011 e como todas as cidades mineiras como Empire, definham assim que a razão que as justifica desaparece e Fern permaneceu na casa da empresa depois da morte do seu marido até ser forçada a sair.

Estes dois géneros; o documentário e o drama ficcional ainda que muito próximo da realidade, dificilmente se conjugam de forma a motivar o interesse do espectador num visionamento atento, considerando que a componente documental se refere ao quotidiano de um grupo e pessoas que se dedica a viver a sua vida de uma forma libertária, sem amarras, sem localização fixa, mas as suas atividades em nada diferem de uma vida normal, parca e comum. Eles são os nómadas modernos por opção, diferentes dos povos nómadas naturais, vivem com o mínimo essencial, assumem um corte significativo com a sociedade de que se desligaram, e funcionam à margem do sistema americano onde o capital determina o estatuto e o valor individual.

Fern, o personagem muito seguro e credível construído por Frances McDormand, (que apesar de ter sido também nomeada não recebeu qualquer distinção que este ano foi para a realizadora chinesa Chloé Zhao de 39 anos), representa o detrito vivo do colapso económico da cidade Empire, no estado do Nevada, que serve de “abre-latas” para nos introduzir nos despojos abandonados e degradados da empresa mineira US Gypsum, de onde não mais se podem obter proventos nem meios de subsistência e justificam a demanda de Fern por outros horizontes vivendo na sua caravana, para se juntar a outros espoliados, que tal como ela, caíram no buraco do american dream que Trump jurara a pés juntos, recuperar.

Na sua viagem Fern conhece nómadas reais, tais como Linda May que perdeu o emprego em 2008 e para quem os parcos benefícios da Segurança Social são insuficientes para viver noutro sítio que não seja numa caravana, ou Swankie que tem cancro em fase terminal e prefere morrer na estrada em vez de na cama de um hospital, bem como Bob Wells, que estão considerados no livro de Jessica Bruder e constituem o seu núcleo de amigos restrito.

A certa altura Fern encontra um outro trabalhador da fábrica, Dave (David Strathrain, o único outro ator de carreira que aparece no filme) com quem ela ensaia uma tentativa de amizade, mas quando o filho de Dave o visita, ele acompanha-o de volta à sua casa. Dave convida Fern para o visitar e ela aceita o convite, mas quando se encontram na casa do filho nada acontece e ficamos com a sensação que Fern já não é mulher de casa, não consegue viver no mesmo lugar muito tempo, já não aprecia o conforto de um lar porque choca de frente com o seu sentido de liberdade adquirida.

Fern é o esteio de ligação desta história de abandono, sofrimento e desordem e apresenta-nos uma atuação tranquila e segura, para a qual contribuiu o facto de ter vivido durante toda a rodagem na caravana que foi utilizada no filme (é assim que se faz quando se realiza trabalho honesto). Muito do valor do filme reside nas suas expressões resignadas, com olhar vagando pelo infinito ou sonhando acordada mergulhando nua numa piscina como um desejo improvável. Constitui todavia uma personagem fascinante na sua solidão, na sua frustração que de forma alguma “aquece” o filme para lá da aridez de vidas vazias. Na realidade não conhecemos Fern porque a história não nos a apresenta, apenas podemos intuir fragmentos através da sua interação com os outros. Não achei um filme particularmente interessante, é uma história do quotidiano banal de uma população dispersa e em movimento, pelo que a classificação atribuída vai toda para a personagem criada por Frances McDormand.

Pode ser visto na plataforma de streaming HULU e a partir da segunda quinzena de Março estará disponível na Netflix.

Classificação: 6 numa escala de 10

 

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