Sinopse
Em 1973, quando Beth (Sophia
Lillis), de 18 anos, e seu tio Frank (Paul Bettany) fizeram uma viagem de
Manhattan a Creekville, Carolina do Sul para o funeral do patriarca da família,
Daddy Mac (Stephen Root), eles inesperadamente se juntaram ao amante de Frank,
Walid (Peter Macdissi). Uma história sobre família, perdão e sobre o nosso inerente
poder de escolher quem queremos ser.
Opinião
por Artur Neves
A primeira palavra que após
o visionamento me surgiu para definir este filme foi: Completo!... e digo isto
por se tratar de uma história que trata a opção sexual individual de uma forma
sóbria, discreta, tocando em todas as faces do poliedro que pode servir de
modelo abstrato do fenómeno da homossexualidade humana. No caso presente
reporta-se à homossexualidade masculina que em termos conceptuais não deve
diferir da homossexualidade feminina, com todos os atributos de sofrimento,
solidão, sensação de ser diferente, deslocado da maioria, auto interrogação e auto
comiseração, que induzem o subsequente rol de traumatismos emocionais condicionantes
do comportamento social destas pessoas num meio que não os reconheça como iguais.
Sem qualquer brejeirice,
vulgarmente incluída no género, a história aborda o vínculo castrador das duas
religiões universalmente mais divulgadas; a cristã e a muçulmana, nas suas
regras convencionais de pecado e exclusão, analisa os princípios dos sintomas
da diferença e a forma como eles se desenvolvem e concretizam e confere aos
seus intérpretes o direito à escolha de acordo com as suas pulsões, ilustra sem
reservas a sublimação do sofrimento íntimo recalcando as mágoas e emergindo
silenciosamente dos destroços, mostra o atento e incondicional amor de mãe por
um filho diferente, apresenta as cumplicidades sinceras dos elementos da
família que aceitam em segredo essa diferença e constituem por vezes os esteios
de uma vida incompleta. Adicionalmente são também incluídos os comportamentos
dos menos avisados que se surpreendem pela novidade e a encaixam por preceito
de família, bem como, a liminar proibição e negação abjeta do pai, que deixa
transparecer algo sobre uma homossexualidade latente constantemente reprimida
durante toda a vida.
Por todo este conjunto de
apreciações numa mesma obra, considero este filme; completo, atrevendo-me até a
compará-lo a um ensaio sobre a homossexualidade, mas apresentado em forma
cinematográfica. Escrito e realizado por Alan Ball, realizador americano que já
nos ofereceu esse excelente filme premiado com o Óscar de 1999 “Beleza Americana”
e a igualmente excelente série “Sete Palmos de Terra” nos anos entre 2001 e
2005, entre outras boas realizações. Começa com Beth, uma adolescente de 14
anos a projetar o seu futuro no seio de uma família que não a compreende,
exceto o seu “Tio Frank” de quem ela se sente próxima e que em conversas no terraço
por altura de uma visita deste, lhe fala de oportunidades e de vivências na
cidade de Nova Iorque onde ele é docente universitário, que ela nunca ousara
antes pensar. Aqui é curioso observar o personagem interpretado por Sophia
Lillis, de uma rapariga pouco atrativa, magra, baixa, embora possuidora de um
rosto bonito que nos confunde com a sua identidade de género, embora explicitamente
ela tenha declarado ao tio não ser gay. É ela que narra a história da sua emancipação,
do seu encontro com o tio na universidade em Nova Iorque 4 anos depois e da
viagem de volta à casa da família para o funeral de Daddy Mac, origem e berço
do trauma definidor da vida do seu tio Frank como veremos a partir daqui.
Alan Ball reuniu um naipe de
atores fabulosos e só se pode queixar de si próprio em não os envolver mais completamente
na história, todavia tem uma desculpa porque Paul Bettany e Peter Macdissi, Frank
e Wally respetivamente, são tão cativantes e autênticos que polarizam todo o
filme numa história compartilhada de segredos e cumplicidades que ofusca o
resto do enredo e dos personagens ímpares que contem, tal como, a compreensiva cunhada
Kitty (Judy Greer) ou mesmo a matriarca sulista Mammaw (Margo Martindale) que não
têm oportunidade ou tempo suficiente para demonstrarem todo o potencial dos
seus personagens. Mesmo Beth, que nos serviu de guia e suporte para a
descoberta da verdade sobre o seu tio, é praticamente abandonada quando o
espírito conturbado de Frank é assaltado pela angústia turbulenta, reprimida todo
aquele tempo pela frustração insanável do seu primeiro amor, passa a dominar a
ação.
Atrevo-me a vaticinar que
será um dos filmes nomeados em 2021, considerando que nos consegue transmitir
uma imagem do que era a vida nos estados do sul dos EU na década de 70, em face
de uma questão que envolve um significativo melindre moral e social, contada de
forma linear e neutra, causando impacto no espectador mas sem o provocar com
cenas ousadas de pornografia barata, tão ao gosto da cinematografia queer.
O filme estreou no Sundance
Film Festival em Janeiro de 2020 e está disponível através da plataforma de
streaming Amazon prime vídeo. Muito bom, recomendo vivamente.
Classificação: 9 numa escala
de 10
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