1 de dezembro de 2020

Opinião – “Uncle Frank” de Alan Ball

Sinopse

Em 1973, quando Beth (Sophia Lillis), de 18 anos, e seu tio Frank (Paul Bettany) fizeram uma viagem de Manhattan a Creekville, Carolina do Sul para o funeral do patriarca da família, Daddy Mac (Stephen Root), eles inesperadamente se juntaram ao amante de Frank, Walid (Peter Macdissi). Uma história sobre família, perdão e sobre o nosso inerente poder de escolher quem queremos ser.

Opinião por Artur Neves

A primeira palavra que após o visionamento me surgiu para definir este filme foi: Completo!... e digo isto por se tratar de uma história que trata a opção sexual individual de uma forma sóbria, discreta, tocando em todas as faces do poliedro que pode servir de modelo abstrato do fenómeno da homossexualidade humana. No caso presente reporta-se à homossexualidade masculina que em termos conceptuais não deve diferir da homossexualidade feminina, com todos os atributos de sofrimento, solidão, sensação de ser diferente, deslocado da maioria, auto interrogação e auto comiseração, que induzem o subsequente rol de traumatismos emocionais condicionantes do comportamento social destas pessoas num meio que não os reconheça como iguais.

Sem qualquer brejeirice, vulgarmente incluída no género, a história aborda o vínculo castrador das duas religiões universalmente mais divulgadas; a cristã e a muçulmana, nas suas regras convencionais de pecado e exclusão, analisa os princípios dos sintomas da diferença e a forma como eles se desenvolvem e concretizam e confere aos seus intérpretes o direito à escolha de acordo com as suas pulsões, ilustra sem reservas a sublimação do sofrimento íntimo recalcando as mágoas e emergindo silenciosamente dos destroços, mostra o atento e incondicional amor de mãe por um filho diferente, apresenta as cumplicidades sinceras dos elementos da família que aceitam em segredo essa diferença e constituem por vezes os esteios de uma vida incompleta. Adicionalmente são também incluídos os comportamentos dos menos avisados que se surpreendem pela novidade e a encaixam por preceito de família, bem como, a liminar proibição e negação abjeta do pai, que deixa transparecer algo sobre uma homossexualidade latente constantemente reprimida durante toda a vida.

Por todo este conjunto de apreciações numa mesma obra, considero este filme; completo, atrevendo-me até a compará-lo a um ensaio sobre a homossexualidade, mas apresentado em forma cinematográfica. Escrito e realizado por Alan Ball, realizador americano que já nos ofereceu esse excelente filme premiado com o Óscar de 1999 “Beleza Americana” e a igualmente excelente série “Sete Palmos de Terra” nos anos entre 2001 e 2005, entre outras boas realizações. Começa com Beth, uma adolescente de 14 anos a projetar o seu futuro no seio de uma família que não a compreende, exceto o seu “Tio Frank” de quem ela se sente próxima e que em conversas no terraço por altura de uma visita deste, lhe fala de oportunidades e de vivências na cidade de Nova Iorque onde ele é docente universitário, que ela nunca ousara antes pensar. Aqui é curioso observar o personagem interpretado por Sophia Lillis, de uma rapariga pouco atrativa, magra, baixa, embora possuidora de um rosto bonito que nos confunde com a sua identidade de género, embora explicitamente ela tenha declarado ao tio não ser gay. É ela que narra a história da sua emancipação, do seu encontro com o tio na universidade em Nova Iorque 4 anos depois e da viagem de volta à casa da família para o funeral de Daddy Mac, origem e berço do trauma definidor da vida do seu tio Frank como veremos a partir daqui.

Alan Ball reuniu um naipe de atores fabulosos e só se pode queixar de si próprio em não os envolver mais completamente na história, todavia tem uma desculpa porque Paul Bettany e Peter Macdissi, Frank e Wally respetivamente, são tão cativantes e autênticos que polarizam todo o filme numa história compartilhada de segredos e cumplicidades que ofusca o resto do enredo e dos personagens ímpares que contem, tal como, a compreensiva cunhada Kitty (Judy Greer) ou mesmo a matriarca sulista Mammaw (Margo Martindale) que não têm oportunidade ou tempo suficiente para demonstrarem todo o potencial dos seus personagens. Mesmo Beth, que nos serviu de guia e suporte para a descoberta da verdade sobre o seu tio, é praticamente abandonada quando o espírito conturbado de Frank é assaltado pela angústia turbulenta, reprimida todo aquele tempo pela frustração insanável do seu primeiro amor, passa a dominar a ação.

Atrevo-me a vaticinar que será um dos filmes nomeados em 2021, considerando que nos consegue transmitir uma imagem do que era a vida nos estados do sul dos EU na década de 70, em face de uma questão que envolve um significativo melindre moral e social, contada de forma linear e neutra, causando impacto no espectador mas sem o provocar com cenas ousadas de pornografia barata, tão ao gosto da cinematografia queer.

O filme estreou no Sundance Film Festival em Janeiro de 2020 e está disponível através da plataforma de streaming Amazon prime vídeo. Muito bom, recomendo vivamente.

Classificação: 9 numa escala de 10

 

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