Sinopse
Durante uma noite em Tóquio,
seguimos Leo, um jovem pugilista cuja sorte acabou, e que conhece o seu
"primeiro amor", Mónica, uma acompanhante toxicodependente, mas ainda
assim inocente. Mal sabe Leo, mas Mónica foi involuntariamente apanhada num
esquema de tráfico de droga, e os dois vêm-se perseguidos por um polícia
corrupto, um Yakuza, o seu Némesis, e uma assassina enviada pelas tríades
chinesas. Os destinos de todos acabam por se interligar no estilo espetacular e
anárquico de Miike.
Opinião
por Artur Neves
Cada povo faz cinema de
acordo com a sua cultura, escolhe os modos que julga mais apropriados para
contar uma história, refletindo sempre nela as suas crenças, os seus hábitos
generalizados de viver e de estar em sociedade, sejam histórias de amor ou de
guerra. Veja-se por exemplo o oscarizado “Parasita” de 2019, passado numa família
classe média alta, inclui todo o grotesco e surpreendente conteúdo de
velhacaria e pobreza de espírito da classe baixa que se imiscui na casa da
família, com permissão e anuência desta.
Do mesmo modo Takashi Miike,
um respeitável realizador japonês de 60 anos feitos em Agosto passado, com uma
experiência de carreira iniciada em 1991, apresenta-nos uma história de amor,
de genuíno e inocente amor, contaminado por um ambiente insano, violento, esdrúxulo,
onde nesta história, para abertura de conversa temos uma decapitação absurda
após dois minutos de filme, que nos introduz no contexto de violência anárquica
e sangrenta que se seguirá por toda a história que a sinopse se encarregou de
resumir.
É mais um filme sem heróis
em que os melhores se confundem com os piores, onde apenas se salvam os dois
apaixonados acidentais que cimentam a sua relação em tempo de guerra, no meio
de uma batalha entre as tríades da droga clandestina e a polícia corrupta,
sempre pronta a suportar a ilegalidade quando isso lhe pode trazer benefícios
monetários.
É uma história que reporta
relações sem comprometimento, negócios sem ética, desprezo pelo próximo e
muita, muita violência em todas as cenas, onde sobressai uma flor de estrumeira
representada pelo amor de Leo (Masataka Kubota) pugilista revoltado pelo
abandono dos pais que não conhece, com morte programada, acidentalmente apaixonado
por Mónica (Sakurako Konishi) uma jovem viciada, com a cabeça transtornada
pelas traumáticas visões do seu pai que a violava em casa e a entregou aos
credores para trabalho sexual como pagamento das suas dívidas de jogo.
Como se pode inferir é tudo
feio, desprezível e sangrento, salva-se a tenacidade de Leo que quer singrar de
forma limpa através do pugilismo e do amor que despertou entre ele e Mónica, da
forma mais estranha e perigosa, durante uma fuga que os leva a um armazém apinhado
de produtos chineses que servirá de palco para o ponto alto do filme com
elevado rácio de decapitações, cortes de membros e mortes sangrentas,
decorrente da luta pela droga entre os membros da Yakuza e os seus rivais
chineses.
O casal Leo e Mónica, embora
estranho, mantém a emoção e a esperança suficientes para fazerem a história
funcionar, exibindo uma entreajuda e uma doçura genuínas no meio do caos que
nos é mostrado todo o tempo, querendo talvez dizer-nos que a violência de Miike
é inventada e não impede que a vida normal flua ao som das cordas do violão de Kôji
Endô e dos solos de saxofone que sublinham o humor dos personagens.
A espaços encontramo-nos com
a placidez do amor, a vontade de viver e a brutalidade da morte e podemos
imaginar que Takashi Miike está se divertindo enquanto nos faz contorcer com
lutas escabrosas, introduz comédia que nos faz sorrir e lentamente vai puxando as
cordas do coração numa melodia de amor a que nos agarramos para que tudo aquilo
faça sentido.
É estranho… por isso mesmo
merece ser visto, estreia em 17 de Dezembro
Classificação: 6 numa escala
de 10
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