Sinopse
John David Washington (filho
de Dezel Washington) é o novo protagonista no filme de ação e sci-fi de
Christopher Nolan. Armado apenas com uma palavra – Tenet – e lutando pela
sobrevivência do planeta, o protagonista viaja pelo mundo nebuloso da
espionagem internacional numa missão que irá desvendar algo além do tempo real.
Não se trata de uma viagem no tempo. Mas sim, uma inversão do tempo.
Opinião
por Artur Neves
Muito se tem falado sobre a
ininteligibilidade deste filme que reúne os mais fervorosos adeptos dos efeitos
especiais e os mais acérrimos detratores sobre uma história de ficção
científica (segundo a classificação oficial) que exige para a sua compreensão o
conhecimento mais ou menos seguro de uma grandeza física, a Entropia, que
apesar de ser um conceito usado no léxico comum não é integralmente conhecido por
quem o usa e por quem o ouve. Na Internet também pululam muitas interpretações
deste filme, algumas das quais tentando explicar cena a cena mas que falham nos
seus objetivos, considerando que apenas descrevem o que se vê na tela, mas não
transmitem o conhecimento de base para entender essa descrição. É essa tarefa
que eu me proponho tentar nesta crónica, antes de falar sobre o filme em si
mesmo.
Em jeito de postulado e como
definição, digo que; Entropia é uma grandeza termodinâmica que mede o grau
de liberdade molecular dum sistema. Antes de avançar quero também deixar
claro que neste contexto; sistema é todo o corpo completo e inteiro que
por si só constitua uma identidade molecular formada por moléculas e estas por
átomos, como aliás acontece com toda a matéria sólida, líquida ou gasosa do
planeta, independentemente de ser um elemento puro ou um composto.
Para ilustrar esta definição
sugiro que se considerarmos um cubo de gelo, onde as moléculas da água que o
constituem estão “presas” numa determinada forma física, elas vão ganhando
“liberdade” à medida que o gelo se derrete, se estiver à temperatura ambiente.
A grandeza física que mede o acréscimo de liberdade dessas moléculas com o
degelo é a Entropia. Observando que o evento que provocou a
transformação em água líquida do cubo de gelo, foi a subida de temperatura do
ambiente, relativamente à temperatura inicial do cubo de gelo podemos inferir
que esta grandeza mede-se em unidades de energia (calor) e de temperatura. Na
realidade a Entropia mede-se em [J/ºK] [Joules (energia)/grau Kelvin]. Se
continuarmos a aquecer a água que resultou do degelo ela transforma-se em
vapor, logo conferindo uma liberdade ainda maior às moléculas “aprisionadas” no
cubo de gelo e contendo um valor ainda maior de Entropia do que a que possuía
quando se encontrava no estado de água líquida.
Esta noção de Entropia na
forma restrita, pode agora ser generalizada para um conceito mais lato de
desorganização total, de caos. Repare-se que as moléculas de água
“aprisionadas” no cubo de gelo, quando transformadas em vapor, misturam-se na
atmosfera e sem uma ação externa definida, nunca mais poderão voltar à forma original
do cubo de gelo inicialmente considerado, É a utilização do conceito generalizado
de Entropia que está na base deste filme e que pode ser complementado com o exemplo
a seguir apresentado.
Consideremos agora a porta
principal de um centro comercial, durante a quadra natalícia (sem o risco da
pandemia) em que milhares de pessoas se dirigem para o seu interior no dia da Black Friday. Na entrada foram
depositados no chão, três pequenos montículos de areia com cores diferentes;
azul, vermelho e amarelo, um em cada vértice de um pequeno triângulo equilátero,
que constitui o nosso sistema. Como estão no solo, são pequenos e estão
longe das preocupações da generalidade das pessoas que atravessam a entrada do
centro comercial é fácil aceitar que não os vejam e que dentro de poucos minutos
as areias coloridas ficam misturadas entre si. A contínua passagem de pessoas
pela entrada só vai contribuindo para a progressiva destruição dos montículos,
mistura de cores e dispersão das próprias areias que se espalharão por todo o
passeio da entrada, introduzindo assim a desagregação do nosso sistema
inicial e conduzindo-o à total desorganização que culmina no caos.
Embora sem calor nem temperatura é apetecível aceitar que a Entropia também
avalia a degradação deste sistema e nos indica o estado de caos em que ele se
encontra. Generalizando ainda mais esta noção podemos observar que tudo no
nosso universo possui este comportamento embora com caraterísticas próprias do
assunto ou material com que estamos a lidar. Tudo o que existe no universo tem
tendência para a desorganização, pelo que podemos postular; O Universo é um
sistema de Entropia crescente.
Como vimos a degradação dos
nossos sistemas, qualquer deles, o cubo de gelo ou os montículos de areia
colorida foi conduzida segundo uma direção do tempo, de mais cedo para mais
tarde, segundo a direção do tempo que nos é familiar, de antes para depois, do
presente para o futuro, que se torna presente no tempo em que o observamos e fica
a ser passado quando esperamos um novo futuro. É neste intervalo específico que
se insere o substrato teórico que justifica e torna compreensível; TENET.
Aceitando pelo segundo exemplo,
que o contínuo crescimento da Entropia se verifica no sentido da evolução do
tempo é fácil concluir que o decréscimo da Entropia só é possível na
inversão do sentido do tempo, como aliás está referido na sinopse, só que,
sem qualquer explicação associada.
Voltando agora ao filme
começo por dizer que TENET é um palíndromo, uma palavra que se lê da esquerda
para a direita e inversamente, da mesma maneira, que pertence a uma estrutura
composta por mais quatro palavras que são: SATOR, AREPO, OPERA e ROTAS. Compondo
estas cinco palavras numa estrutura quadrada denominada por “Quadrado Sator”
temos um “quadrado mágico” que é visível em múltiplos achados arqueológicos
encontrados em diversas partes da Europa em diferentes épocas e que até agora
não foi possível estabelecer um significado concreto que justificasse a sua
origem ou a sua razão de ser. (para os mais curiosos outras informações estão disponíveis
na Wikipédia)
Porém, a sua utilização
neste filme pretende conferir-lhe uma conotação cabalística, considerando que
SATOR é o nome do arquivilão da história, o primeiro movimento do filme decorre
num assalto à OPERA de Kiev por um grupo de terroristas, AREPO é o nome do
falsificador do Goya oferecido à ex-mulher de Sator, Kat (a belíssima Elizabeth
Debicki) ROTAS Security é, no filme, a empresa de segurança do aeroporto de
Oslo e TENET corporiza uma organização secreta empenhada em defender a
humanidade da 3ª guerra mundial.
Esta organização secreta,
depois de colocar o protagonista à prova, (sem nome atribuído ao personagem
interpretado por David Washington) deposita nele a responsabilidade de impedir
o holocausto através da investigação e detenção do oligarca Russo Andrei Sator (Kenneth
Branagh) que detém o poder de inverter a entropia (e por correlação, o tempo),
de determinados objetos como balas, pessoas e outros artefactos de guerra e
implantá-los no passado para alterarem o futuro. Neste ponto deveremos atender ao
conceito anterior de Entropia em que, se uma pessoa ou objeto com “tempo invertido”
for colocada no passado, com o decorrer normal do tempo, para ele, o tempo anda
ao contrário. Tudo isto para fazer gorar as tentativas de destruição do
algoritmo que Sator está a construir para provocar o colapso do universo através
dum mecanismo de homem morto, (dead man
device) quando o cancro no pâncreas de que sofre o vitimar.
Resumido assim, o filme
apresenta-se como o absurdo que realmente é, porque a inversão da Entropia é
ainda uma impossibilidade física e Christopher Nolan inebriado com o sucesso
das suas anteriores realizações, tais como; “Memento” de 2000 que o catapultou
para a notoriedade e a sequência do agonizante Batman encomendado pela Warner em
2005, 2008 e 2012, com esse excelente filme “O Cavaleiro das Trevas” (onde o
saudoso Heath Ledger criou um inesquecível Joker) atingiu um enorme sucesso de
bilheteira que lhe deu fôlego para os subsequentes voos em “Interstellar” de
2014, “Dunquerque” em 2017 e agora este TENET, mas numa trajetória claramente
descendente no aspeto da rebuscada temática que suporta a história.
Todavia, o filme está
seguramente ao nível dos melhores “James Bond 007” (008 ou 006) tal são as
contínuas cenas de ação e de efeitos especiais donde sobressai uma perseguição
automóvel em que um dos carros está num tempo invertido e o outro no tempo
real, encontrando-se ambos num intervalo desses tempos cruzados numa visão
complexa do conjunto espaço e tempo.
É mais um filme pensado para
ser visto num ecrã de grandes dimensões como o IMAX, com som Dolby Atmos de 16
canais para nos deixarmos envolver por um produto que para lá da sua vertente
científica escatológica tem o objetivo de nos encantar e divertir com uma
impensável história de espionagem internacional, que se bem entendo Nolan, não vai
ficar por aqui, seguindo-se as inevitáveis sequelas, porque a inversão do tempo
não se esgota em si mesma. Goste-se ou não, é uma superprodução que no futuro
vai caracterizar uma época e como tal merece ser visto.
Classificação: 6 numa escala
de 10
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