16 de dezembro de 2020

Opinião – “A Mulher que Fugiu” de Hong Sang-Soo

Sinopse

Durante uma viagem de negócios do marido, Gam-hee encontra três amigas. Visita as duas primeiras nas suas casas e a terceira encontra-a por acaso num cinema. Enquanto conversam amigavelmente, como sempre, várias correntes fluem acima e abaixo da superfície do mar.

Opinião por Artur Neves

Este é um filme de mulheres, sem história, apenas quatro mulheres com relações de amizade variáveis entre si que se encontram na sequência de Gam-hee (Min-hee Kim) ficar temporariamente sozinha como desde há cinco anos não se lembrava de ter estado.

Primeiro visita a sua amiga mais chegada, Su-young (Seon-mi Song) onde almoça com ela e com a outra amiga Young-ji (Eun-mi Lee) que faz o almoço e conversam as três sobre trivialidades da comida e da vida. Após a saída de Young-ji convive com Su-young, comenta sobre a sua vida de divorciada, sobre a casa que possui nos subúrbios de Seul, bem arranjada, confortável, num prédio moderno com todas as necessidades de que se pode lembrar. Confidencia-lhe também, que desde que casou com o seu marido nunca se tinham separado até agora, por declarada preferência deste em estar com ela todo o tempo enquanto ele desenvolvia a sua atividade literária de escritor e tradutor em casa.

Ela revela-nos e à amiga, não saber se aquilo é amor, ou o que é realmente, não quer pensar muito no assunto e não lhe tinha tocado se a amiga não lhe tivesse perguntado tão diretamente. Ambas continuam a conversar sobre assuntos quotidianos, sobre o estado em que Su-young se encontra, divorciada, sozinha, a tomar conta do seu jardim e sem outros desejos que não seja manter a sua situação inalterada, embora sinta alguma curiosidade pelo vizinho do 2º andar, também aparentemente sozinho, com quem se cruzou e falou com agrado no café local. Gam-hee passa a noite em casa da amiga que a acolhe agradavelmente.

“A mulher que fugiu” aparece nos diálogos entre as duas como sendo uma mulher da vizinhança que abandonou o filho e o marido sem motivo aparente, apenas porque não suportava mais a sua existência com a família que tinha criado e tinha optado por sair de casa para sítio incerto, desconhecido, que lhe permitisse uma existência anónima.

No dia seguinte Gam-hee despede-se da amiga e vai ao cinema onde encontra Young-soon (Young-hwa Seo) de que ficamos a saber pela conversa entre as duas, não ser propriamente uma amiga, mas antes a mulher que anos antes lhe tirou o namorado e casou com ele. Gam-hee não está zangada com ela e esse evento é já uma memória nebulosa e longínqua, todavia não sabe bem porque foi aquele cinema e ao bar do cinema, onde sabia ser inevitável encontrar-se com ela e possivelmente também com ele. De facto encontra-o nas traseiras fumando um cigarro, falam de trivialidades, não tocam no passado e despedem-se, Gam-hee sai do cinema, anda uns passos pela rua e volta para o cinema para acabar de ver o filme, cujas imagens na tela são as últimas deste filme.

Se alguma coisa nos mostra esta história (sem constituir realmente uma história mas antes o relato de um intervalo de tempo) é sobre a forma como determinadas ações da nossa vida não possuem uma razão explícita para serem executadas e se as fazemos, pode dever-se ao remorso de uma amizade abandonada, ao despeito de uma amor perdido, à curiosidade sobre um futuro que poderia ter sido o nosso, ou simplesmente, ao tédio de uma presença aliviada por uma viagem de negócios. O amor do outro nem sempre preenche o nosso vazio interior e a solidão pode significar uma independência e uma autonomia há muito desejada. Gam-hee deve ter percebido estas duas realidades simultaneamente, não sabemos se lhe dará o melhor dos usos.

Hong Sang-Soo, realizador coreano de 60 anos dirige o filme fluentemente, com diálogos simples mas claros, enquadramentos diretos aos personagens lineares que vivenciam as suas frustrações sem contaminação emocional. Todo o ambiente é sóbrio, sem exageros mas com a qualidade que qualificamos como inerente a uma vida normal. Não encanta, não arrebata, não nos envolve (até porque a língua não nos é familiar) mas é agradável de ser ver.

Classificação: 6 numa escala de 10

 

Sem comentários: